A maior vantagem de repetir sempre a mesma coisa a propósito de tudo é que por vezes se acaba por dizer a coisa certa, um pouco como a rábula do relógio parado que acerta as horas duas vezes ao dia.
Assim é que esta pequena seita trotskista, que nunca perde a oportunidade de nos relembrar que é preciso encarar as coisas de uma perspectiva de classe e que inicia todos os parágrafos com a expressão «nós os marxistas», dá agora ao Bloco de Esquerda uma boa ensaboadela política, relembrando o carácter ficcional de expressões como «a economia europeia» e denunciando a mais recente fábula com que embalar as criancinhas: a de que os maléficos mercados financeiros conspiram contra a saúde da «economia grega», apoiada pelos restantes Estados da UE por razões de «solidariedade». Não era assim tão difícil, mas fica sempre bem aos marxistas dizerem qualquer coisa marxista.
O resistir.info, habitualmente tão comedido a destacar textos «trotzquistas», desta vez não resistiu à tentação. Em tempos de crise, há cada vez mais competição à esquerda. Talvez o mercado esteja a ficar saturado.
7 comentários:
Eu voto BE e acho dispensável a "solidariedade" que o BE mostrou para com a Grécia. Assim como muitos outros eleitores, penso eu de que.
Mas trata-se precisamente do facto de não ser solidariedade nenhuma, mas antes uma garantia oferecida aos credores da dívida pública grega e que pressupõe medidas de austeridade como as que o Bloco critica em Portugal. Daqui a nada já estamos a votar no FMI para ser «solidários». Deve ser isso o internacionalismo monetário...
Caro Ricardo
A única coisa que o Bloco votou na Assembleia foi o empréstimo à Grécia, não votou qualquer medida de aperto dos cintos dos gregos. Mais, a esquerda grega que eu saiba não anda em luta contra o empréstimo, mas sim contra as medidas de austeridade e de desigualdade que o Governo grego impôs, é certo com a exigência dos emprestadores europeus. A alternativa ao não empréstimo pela UE era a chegada do FMI e mais dificuldades e pobreza para os gregos. A não existência do empréstimo iria piorar e em muito a sua vida, pois ou entregava os gregos ao FMI, ou levava o Estado grego à bancarrota. A defesa do não empréstimo era no fundo defender para aquele país quanto pior melhor, princípio que o Bloco não defende e esquerda não deve partilhar.
Mais, a gula com que a imprensa de direita glosou essa notícia e como foi insinuando que estando o Estado português quase falido ia ser solidário com os gregos, deve nos levar a pensar. Os argumentos que a direita foi arranjando para invalidar esse empréstimo: dizendo que os gregos se reformavam aos 53 anos e tinham direito ao 14º mês, são significativos. Os apelos para que a Europa deixasse cair o empréstimo foram tão claros pela parte da argumentação da direita, que só os despassarados trotskistas podiam vir criticar o apoio a este empréstimo.
Caro Jorge, percebo que te tenham apresentado assim a situação, mas os factos são teimosos.
Eis a declaração do comité central synaspismos acerca do que chama «mecanismo de auxílio UE/FMI»: "Papandreou’s government pushed forward the appeal to the “EU-IMF support mechanism”. This action subjects Greece to the choices of the IMF and allows the IMF to enter the backyard of Europe, showing in the most profound way the big structural deficits of the monetary union, which came as a result of the neoliberal model that the conservative and social-democratic forces of Europe have commonly served in the last decades. The technocrats of the IMF are already in our country and dictate the articles and the clauses of the new social security law proposal, to the Ministry of Employment. It is clear that, under the full responsibility of the government, the elaboration of strategic economic choices is assigned to a supranational directorate, which has no democratic legitimization." (http://www.syn.gr/en/20100424.htm)
E ainda em Março a Esquerda unitária europeia fez uma declaração conjunta cujo primeiro parágrafo era:"The economic situation of Greece doesn’t justify the propaganda that the country is on the verge of “bankruptcy” and cannot survive without external intervention and/or the government’s austerity policies. The debt of Greece is high, but this also happens in other European countries, such as the UK and Spain."(http://www.european-left.org/nc/english/home/news_archive/news_archive/zurueck/latest-news-home/artikel/crisis-and-the-european-south-the-response-of-the-european-left/)
Como vês este empréstimo não foi uma alternativa ao FMI, mas a concretização de um reajustamento estrutural à FMI, com o FMI e segundo o FMI. A gula da imprensa de direita portuguesa não pode justificar as más opções da esquerda portuguesa. O Bloco votou um empréstimo cuja condição foi a aplicação de uma política de austeridade. E é tudo.
De resto, o espantalho das «pessoas-que-acham-que-quanto-pior-melhor» é sempre a pedra de toque de todas as cedências e capitulações. Quanto pior, pior, claro. Mas fica por provar que este empréstimo não seja precisamente o pior.
Caro Ricardo, tudo o que citas refere-se explicitamente às medidas tomadas pelo Governo Grego, a tudo aquilo que envolveu esta situação artificial, às pressões exercidas pelos emprestadores e nada é escrito sobre o empréstimo em si. O primeiro texto que referes tem a data de 24 de Abril, quando a União Europeia não tinha tomado a decisão de criar um fundo (FME) para intervir na Grécia e noutros países. Ora foi esta decisão da EU de intervir com um empréstimo que foi votada pelo Parlamento Português, com o voto favorável do BE.
Podia-te referir como hoje é fácil o capitalismo internacional asfixiar uma economia e um país cortando-lhe o crédito. Provavelmente só um Governo revolucionário e em condições duras de ditadura do proletariado pode resistir a uma situação destas, que já foi aplicada contra Allende, e o derrotou, e Chavez, que sobreviveu, se este não tivesse petróleo.
Por outro lado, o mesmo Resistir.info, em artigo recente http://www.resistir.info/crise/geab_45.html, denominado “Do "golpe de Estado da Eurozona" ao isolamento trágico do Reino Unido – O deslocamento geopolítico mundial acelera o seu ritmo”, assinado por um boletim GEAB, dá muito bem a ideia de como este empréstimo do FME tentou afastar o FMI e isolar o mundo anglo-saxónico.
Por isso, eu não teria tantas certezas sobre a votação do dinheiro para o empréstimo. É evidente, que sou contra todas as medidas de apertar o cinto que o governo grego, e não só, estão a impor aos seus povos. As declarações ontem da Catroga, que afirmou que se perdeu uma oportunidade única de baixar em 10% os ordenados dos portugueses, mostra bem o que é que a direita e os capitalistas pretendem com esta crise, pôr os povos de gatas, de modo a obterem mais valia que não conseguem doutro modo.
Mas Jorge, as medidas do governo e o pacote financeiro aprovado são inseparáveis, como assinala o synaspismos quando lhe chama o «pacote UE/FMI».
É um pouco caricato, mas depois do militant e do synaspismo, vou acabar a citar o Daniel Oliveira, que lhe chamou (e bem) um «bailout à banca alemã»: "Ao que parece, segundo o Finacial Times , os bancos têm mais dívida do sul do que admitem. Se perderem dinheiro nestes créditos, mesmo que marginalmente, pode nascer daqui um novo colapso financeiro. Se houver incumprimento da Grécia, de Portugal e de Espanha instala-se o caos nos mercados financeiros. E foi para salvar a banca francesa e alemã deste risco, e não os países do Sul, que nasceu o empréstimo europeu." (http://arrastao.org/sem-categoria/o-bailout-a-banca-alema/)
Não percebo muito bem o silêncio relativamente à aprovação do pacote pelo Bloco, mas o Nuno Teles escreve ainda mais sobre o assunto no ladrões de bicicletas:"Já aqui mencionei que os empréstimos e garantias feitas aos países do sul da Europa são, em última análise, garantias às instituições financeiras com forte exposição à dívida destes países." (http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2010/05/pescadinha-de-rabo-na-boca.html)
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