A propósito deste post do Miguel Vale de Almeida, atrevo-me a dizer o seguinte.
Eu não acho que um doutorado deva receber mais do que um trolha e qualquer reivindicação de bolseiros que assente no pressuposto contrário não tem o meu apoio inequívoco. Num país em que a ciência e a cultura são usadas como “marca de distinção”, não deverão ser os próprios trabalhadores dessa área a utilizar essa “marca de distinção” em prol das suas reivindicações. Pelo contrário.
Posto isto, não sou cego à exploração que existe no estrito campo da produção científica e académica.
Trata-se de uma dupla exploração: política e laboral. Politicamente temos um Ministro e um governo e um partido que fazem do investimento na ciência uma bandeira que passam a vida a agitar. E eu não creio que em si mesmo o investimento na ciência seja uma coisa melhor ou pior do que o investimento noutra coisa qualquer (talvez com a excepção dos submarinos, que, de resto, são obra de ciência). Mas havendo esse investimento será bom que o modelo de desenvolvimento que lhe serve de base não tenha como eixo a exploração. E a verdade é que tem.
Os bolseiros, além do mais, estão sujeitos a uma outra exploração: não a do Ministro, mas do pequeno governante que existe no interior da alma de cada professor e orientador (falo, diga-se, por experiência alheia, já que os meus orientadores de doutoramento e pós-doutoramento foram sempre muito “comunistas” a este nível). A verdade é que são inúmeros os casos de exploração pura e simples. E ao Ministro deveria ser exigido, por deputados como o Miguel e outros, que verificasse seriamente situações como estas: os bolseiros de pós-doutoramento têm representação nos conselhos científicos dos centros a que pertencem? Os bolseiros de doutoramento podem usar as verbas que são destinadas ao seu trabalho ou essas verbas são canalizadas para o funcionamento do ensino e a melhoria das condições dos professores? Quantos professores assinam artigos em cuja elaboração não participam? Quantos bolseiros não assinam artigos que elaboram? Quantos investigadores “privatizam” os resultados das suas pesquisas que são publicamente financiadas, seja sob a forma de patentes que vendem a privados, seja sob a forma de direitos de autor (e contra mim falo, neste último caso, por exemplo)? Pode um investigador pago pelo Estado para investigar lucrar com o produto dessa investigação? Se pode, até que ponto? Não deveria haver um sítio comum onde os trabalhos dos investigadores fossem depositados? Sei que existe, em parte, mas não será o mecanismo insuficiente?
Possivelmente, os docentes não poderão resolver estes problemas por si só. De acordo. Mas conviria não se irritarem tão facilmente quando são confrontados por bolseiros, como sucedeu com o Miguel Vale de Almeida. Enquanto docente, o Miguel é daqueles que não merecem ser tomados pela floresta. Mas o Miguel é deputado do PS, queira ou não queira (e eu preferia que ele não quisesse, mas já passou, pronto).
A questão do valor das bolsas, diga-se e sublinhe-se, nem é a questão mais relevante. A questão mais relevante respeita o tipo de vínculo: e aqui exige-se clareza e firmeza e é isso que tem faltado ao PS neste assunto. A verdade é que, na actualidade, parte significativa das bolsas de investigação e de pós-doutoramento não corresponde ao financiamento de estudo, como sucede no caso do doutoramento (embora aqui, também, deva ser colocada a questão da liberdade de investigação do doutorado, que, admito, não é linear), mas a um tipo de relação que devia ser considerada como trabalho puro e simples (ideia que também não é linear, admito, mas vocês perecebem o que eu quero dizer quando digo "trabalho puro e simples"). Não se trata de bolsas de formação, como no caso de doutoramento, mas de salário e trabalho em prol da economia nacional e da economia privada. Como tal, deveria haver direito a contrato de emprego, a 13º e 14º mês, etc.
Por fim, não creio que o Miguel possa acusar a bolseira de ser demagoga quando ela diz “Acredito que o senhor Professor leve uma vida folgada e não imagine o que é viver com os valores das bolsas (que decerto desconhece), que não são aumentadas há 10 anos!”; trata-se de uma crítica injusta, por certo; mas não é demagógica. Ou não é mais do que o argumento a que o Miguel recorre quando lhe diz: “é preciso pensar na globalidade, e uma actualização extraordinária nas bolsas pode ser vista como injustiça face a outras áreas onde não há actualizações”.
04/05/10
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