09/05/10

Troco um taliban por um poliban*


No Expresso deste fim-de-semana, José Carvalho, apresentado como investigador e professor de História, insurge-se contra a «campanha negra» levada a cabo por «jornalistas de esquerda e dissidentes católicos» com o intuito de atacar a identidade profunda da Igreja Católica Apostólica Romana. Carvalho nomeia explicitamente o jornal Der Spiegel, o movimento Nós Somos Igreja e o teólogo Hans Kung. Não pretendo aqui discutir a problemática da pedofilia no contexto da ICAR, até porque me é indiferente se os abusos sexuais são perpretados por padres, pedreiros ou padeiros, mas creio que o texto nos acrescenta algo à conversa sobre padres, pedofilia e absentismo sexual, tida há umas semanas pelo Bruno e pelo Tiago.

A dada altura, Carvalho nota o seguinte: «Ao invés de mostrarem que a sexualidade desenfreada é parte do problema, estes analistas apresentam o fim da 'repressão sexual' como parte da solução.» É todo um programa o que esta frase condensa, mas é sobretudo todo um fantasma que nos diz muito sobre quem veste o lençol. Na verdade, parece-me problemático - para não dizer obsceno - que alguém ouse colocar limites (que não os decorrentes do consentimento fundado) à expressão sexual de outros indivíduos, e muito menos vejo qualquer «ameaça moral» nesse suposto desenfreio. Mas o que me parece de realçar é outro elemento. É que essa ideia de que a sociedade se encontra invadida de «sexo» está muito mais próxima da imaginação de um seminarista recém-libertado do que da realidade das coisas. A mim parece-me que as pessoas continuam a relacionar-se mal com o corpo - com o seu e com o dos outros. Já estivemos pior - merci, soixante-huitards - mas ainda há caminho a percorrer.

Devo dizer que sou daqueles que acha que o absentismo involuntário é um problema social que urge ser equacionado, ainda que não tenha propostas concretas para combater o flagelo. Quanto ao voluntário, cheira-me sempre a esturro, mas não sou ninguém para criticar a castidade desenfreada a que certos moços que cresceram em clausura se decidem dedicar. Até porque concedo que sejam preconceitos meus, típicos de quem acha que a vida eclesiástica seria muito mais saudável se o último padre se asfixiasse levemente com as ligas da última freira.

* Refrão cantado em tempos pelos Sexy Sexy Boogie Nights, uma efémera banda coimbrã que nunca chegou a ser conhecida.

2 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

não é que concorde com tudo (aqui e ali veio-me um perfume de demagogia...) mas este texto tem muita graça. lá isso tem.

Miguel Cardina disse...

Cara Ana Cristina,
Ainda bem que achou graça. Este texto não tinha outra pretensão.