30/05/11

De um post demagógico à emergência das premissas de um debate democrático

Recomendo vivamente a leitura da caixa de comentários do enfadonho e demagógico post que o mui rubro Renato Teixeira publicou sob o título M19 | dia 12 – Método da unanimidade novamente derrotado, podemos agora continuar a luta? Raramente, uma prosa tão fútil e pedante terá dado lugar, na blogosfera, a uma discussão tão interessante e tão ao rés da experiência que lhe serve de ponto de partida. Apesar das diversas intervenções com que RT tenta sabotar o debate, impedi-lo de ser um exercício de pensamento partilhado, recorrendo a argumentos tão hilariantes como aquele com que minimiza a acampada da Puerta del Sol (que, citando Bruno Carvalho, outro eminente censor das práticas e propostas democráticas não enquadradas pelos legítimos superiores partidários, acusa de não ter feito mais do que parir um rato), são várias as questões levantadas que seria importante continuarmos a debater no próprio contexto das lutas e iniciativas que vamos travando. A emergência de uma plataforma democrática alternativa tem nesse exercício uma das suas condições necessárias.

A título de exemplo e convite à leitura, deixo aqui o excerto de uma das intervenções do comentador que assina Gualter (mas muitos outros excertos e/ou comentários inteiros — como, entre outros, os vários de Diogo MD ou Grazia Tanta, não são menos recomendáveis):

É precisamente essa a questão: a pressão divide. Trabalhar por consenso não é um método de alternativa à votação. É, acima de tudo, um processo. E é um processo que assenta no diálogo, na interacção e na interligação de ideias e conceitos (…).

Não havendo esse tempo e espaço, assentando as decisões num modelo tradicional de democracia do voto e do combate de opiniões (em vez do confronto para uma construção comum), apenas se transfere o mesmo modelo de democracia partidária do parlamento para as ruas. E isso afasta todos aqueles que pensavam que íam ali para fazer uma construção colectiva.

Eu, no início, defendi várias vezes que deviamos ter calma e não correr a apresentar propostas. Li, inclusivamente, um texto do Sol que descrevia essa posição. Porque precisamos de ter 30 propostas para temas ao fim de uma ou duas semanas? De onde elas vêem, quem as trabalhou? Porque têm que ser apresentadas a uma assembleia que nunca as discutiu e imediatamente forçada a sua aprovação, quando é óbvio que há uma divisão relativamente ao assunto? Não deve essa divisão ser vista como uma oportunidade para um debate, diálogo e enriquecimento dessas mesmas propostas que maturaram dentro de determinados grupos de afinidade ou mesmo partidos políticos?

Qual é o problema de andarmos mais devagar? Qual é o problema de, quando uma proposta não recolhe um consenso no dia em que é apresentada – e depois de curta exposição de argumentos contraditórios -, volte a um grupo de trabalho, convidando desde logo aqueles que dela discordam a também participarem? E se no dia seguinte, depois de acomodadas, dentro do possível e num espírito de colaboração, as várias perspectivas presentes, ainda não for possível chegar a consenso na assembleia (eventualmente porque apareceu gente nova que não integrou os trabalhos), então aí sim, passa-se à deliberação por votação. Se for clara a maioria, avança, se não for clara, temos pena, será preciso mais trabalho, ou, se não o quiserem fazer, que avancem com isso desde um conjunto de colectivos presentes no Rossio, mas não em nome do Rossio. Aliás, o movimento social não se esgota no Rossio, esperemos e não vem nada de mal ao mundo de mantiver alguma diversidade – muitos nunca se encontraram até chegarem à praça e ter[-se] subitamente um conjunto de propostas unânimes ou quase, é sinal de que algo vai mal nessa democracia também.

Qual é mesmo o motivo da pressa? São as eleições? Então decida-se permanecer nas praças para além das eleições! Ou construam-se dinâmicas para o pós-acampamento, isso sim trabalho bem mais relevante e de construção para uma verdadeira revolução do que aprovar propostas tipo lista de compras de supermercado.

6 comentários:

Dédé disse...

MSP,
Quando lá for intervir ao Rossio, avise antes aqui. Não quero perder.

Wegie disse...

Bizâncio 1453

DOCTOR NO, NO, NO VIEGAS NO PLEASE- JUST SAY NO disse...

Ou seja revoluções agrárias feitas com nómadas

deve dar tanto resultado como aqueles plenários nas U.C.P's

dás a tua enxada à cooperativa mas a enxada continua a ser tua

mas o Tó Manel deixa a dele em casa e a minha é que se gasta
dizia o Ti....da herdade da Palma

pois é um arrazoado muy esclarecedor

Bizâncio 1453 tamém foi um acampamento
mas só triunfaram os que acamparam do lado de fora da praça

ou se puseram a mexer

DOCTOR NO, NO, NO VIEGAS NO PLEASE- JUST SAY NO disse...

revoluções feitas por gentes sem raízes

chamam-se pilhagens

Diogo Duarte disse...

Nem mais, Miguel. Neste caso, mais do que uma "simples" discussão entre o consenso ou a votação e qual deles adoptar, o que está em causa é a necessidade desta discussão acontecer, e foi isso que tentei sublinhar. Havia por lá muita gente descontente com a forma de votação que se estava a usar, que sendo democrática, podia sê-lo muito mais, na opinião de muitos presentes. E o que é mais frustrante é que se essa discussão não acontecia era pela intransigência e pela altivez que por vezes se revelava.
Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Inteiramente de acordo, caro Diogo Duarte. Acabo de deixar uma nota, na mesma ordem de ideias, na caixa de comentários do post do Miguel Madeira sobre este assunto (http://viasfacto.blogspot.com/2011/05/sobre-o-consenso-como-forma-de-decisao.html)

Abraço

msp