24/05/11

Raquel Varela e a censura como método de discussão das posições a tomar pela acampada sobre a questão da dívida e o mais que se verá

Aviso à Navegação (24.05. 2011, 15 h 34): Raquel Varela acaba de enviar um comentário (publicado) a este post, afirmando que não censurou o meu comentário, mas o terá apagado por lapso, ao mesmo tempo que declara a sua disponibilidade para as questões que levanto. Aceito as explicações - que comento na minha réplica à Raquel (ver infra). Mas, na generalidade, mantenho as considerações que enunciei — tanto sobre a censura como método de luta política como sobre a questão da dívida. Se não espero ter o gosto de ver RV adoptar as minhas teses sobre o segundo ponto, não posso deixar de me congratular com o acordo que me concede sobre o primeiro.


Raquel Varela decide integrar-se na frente censória unitária que aqui referi esta manhã e censura o seguinte comentário a um post seu cujas propostas de luta contra as condições do resgate imposto ao comum dos cidadãos da região portuguesa entendi pôr em causa. Pois bem, se a discussão sobre os métodos de luta a adoptar pelo movimento contra as condições do resgate é legítima, a tentativa de a manipular, nomeadamente através do recurso à censura, é absolutamente contrária a qualquer tipo de democracia (real) que se queira ir desde já afirmando como contra-poder efectivo e em cuja extensão possamos apostar como via de construção de um regime alternativo frente à economia política governante. Quem adopta a manipulação e a censura como métodos de discussão e de luta política sabota a "democracia já". É o que Raquel Varela acaba de fazer.

Eis na íntegra, sem outras alterações para além da correcção de uma ou duas gralhas e a introdução de um ou dois links, o texto do comentário censurado (post-scriptum incluído):






por importante que seja a luta contra as condições do resgate que a oligarquia financeira europeia e global ditaram a este país, parece-me que o movimento das acampadas tem objectivos mais vastos e que é necessário não afunilar os seus objectivos, que a palavra de ordem “democracia já” resume bem e que são retomados tanto pelo Manifesto da Puerta del Sol como pelo do Rossio.

Assim, os objectivos concretos ganharão em ser situados e perspectivados a todo o momento do ponto de vista da democracia (real): outra forma de fazer política, repolitização da organização económica, propostas constituintes (reivindicação de direitos de participação governante dos cidadãos, reforma do sistema eleitoral no sentido da substituição dos “representantes” por delegados mandatados e efectivamente responsabilizáveis no desempenho das funções que exijam delegação, etc.).
Daí que me pareçam de evitar formulações equívocas que tendem a resumir a uma acção “contra o FMI” as acampadas – sem dúvida, que no Rossio e noutros lugares é bem mais do que “uma casa contra o FMI” que se trata de construir, sendo que , ao mesmo tempo, o combate contra as condições ditadas pelo FMI e não só pode assumir várias formas e fazer-se por vias diferentes – por exemplo, numa perspectiva soberanista ou numa perspectiva internacionalista (e, para começar, federalista porque e para que global) – entre as quais será necessário optar por meio de uma deliberação clara e que ponha as diferentes propostas em cima da mesa.

Alargando o termos do debate, será também necessário pôr com rigor e honestidade a questão europeia. Uma coisa é a revolta contra o enquadramento institucional antidemocrático da Europa ou o comportamento de instâncias responsáveis da UE – outra, e muito diferente, é a recusa da construção de uma cidadania europeia orientada pelos princípios da participação democrática, etc. como momento e via do combate contra a ditadura financeira da oligarquia.

Quanto à posição de pura e simples recusa da dívida, sem mais, acaba, sob o seu radicalismo aparente, por encerrar e, do meu ponto de vista, encurralar a luta num quadro nacional limitado e em termos “nacionalistas” tacanhos – opostos ao que de melhor apareceu com os prenúncios do que poderá ser uma multiplicação e potenciação recíproca das acampadas ao nível da Europa (e não só), perspectiva que implica por certo uma articulação inteligente e integrada dos problemas de cada região.

Assim, por exemplo, em vez de protestarmos contra “a Alemanha” e reclamarmos a nossa “independência nacional” contra ela quando Merkel diz o que diz sobre os horários de trabalho, a idade da reforma, os esforços a exigir em matéria de austeridade, etc., etc., deveríamos, continuando a repudiar essas soluções, endereçar aos trabalhadores e cidadãos comuns alemães e aos demais cidadãos europeus a seguinte mensagem: Achtung, companheiros, a imposição de tipo “colonial” de condições degradadas na periferia é um primeiro passo que prepara a ofensiva oligárquica no centro. Se não a travarem agora, o sucesso de uma política como a que Merkel tem em mente fará com que, daqui a nada, ela esteja a dizer aos trabalhadores alemães, franceses, etc. que precisam de compreender os imperativos da competitividade e da modernização económicas impostos pela globalização: o interesse da oligarquia é consolidar as suas posições globais e asfixiar em todas as regiões do mundo a construção de alternativas que apontem para a mundialização da democracia e da emancipação; por isso, a ofensiva contra as periferias é também uma ameaça aos direitos actuais e uma barreira à sua extensão posterior dos cidadãos comuns da Alemanha e de toda a Europa — etc., etc.

Os exemplos poderiam multiplicar-se facilmente. Mas a pergunta é sempre a mesma: não será assim que devemos falar e agir se o quisermos continuar a fazer pela “democracia (real) já”?

msp

Post-scriptum: Para esclarcer bem alguns aspectos importantes sobre o que significam a renegociação, a reestruturação e a recusa da dívida, será muito útil visitar os posts recentemente publicados, nem todos na mesma perspectiva, pelos Ladrões de Bicicletas. Sobre o “exemplo islandês”, o Luís Rainha pôs os pontos nos is com a limpidez habitual num post ontem publicado no Vias, e a leitura do dossier “islandês” posto a circular pelo esquerda.net contém também elementos indispensáveis.

20 comentários:

Anónimo disse...

Caro Miguel,
Tenha calma por favor. Terei todo o gosto em publicar o seu comentário. Estive a apagar uns quantos, porque não gosto de dar espaço à má educação - que sou contra - nem à direita, mas não costumo censurar opiniões de esquerda contra as minhas como pode ver pelo post. Foi certamente no meio do delete dos outros. Vou colocar o post, se enviar de novo, mas não posso deixar de dizer que fazer um post como o meu nome por causa disto é de muito mau gosto.
Saudações
Raquel Varela
Saudações

Wegie disse...

Este Miguel é sempre um verborreico. Se adoptasse um estilo diferente mais económico de palavras e sucinto transmitiria melhor a sua mensagem. Assim está condenado a ver os seus comentários seguirem o mesmo caminho dos da ralé:Lixo.

Anónimo disse...

MS.Pereira: A iconoclasta Raquel Varela deu as suas explicações. Só podia, claro! Arranjaste um bom método- eu até abria uma janela/quadro especial- para sinalizar tais atentados à livre discussão e aos discursos políticos divergentes censurados! Será bom lembrar o que, Castoriadis, nos diz das reacções intempestivas dos " teóricos " ou dos "revolucionários " que examinam de "alto"- das alturas- o que se chama " espontaneidade ". "Eis, o postulado escondido na sua- de burocrata ou " especialista " -perversa mente: esta canalha é incapaz, está impossibilitada em fazer avançar ideias novas e procurar as suas próprias soluções para os seus problemas ". Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Raquel,

na altura em que publiquei este post, o comentário continuava à espera de moderação - miguel serras pereira says:
Your comment is awaiting moderation.
24 de Maio de 2011 at 11:51 (não sei se ainda é esse o seu estado agora, mas creio que sim, porque através deste endereço tenho acesso ao seu texto: http://5dias.net/2011/05/24/rossio-hoje-as-6-derrota-da-direita-espanhola-nas-eleicoes-zapatero-tem-medo/comment-page-1/#comment-186163).
Entretanto, tinham sido publicados e obtido, nalguns casos, resposta sua comentários posteriores.

Que queria que eu pensasse?

Também eu estou disposto a discutir consigo os problemas referidos pelo seu post - como, de resto, demonstrei enviando o comentário desaparecido (creio que não tenho de o enviar de novo, pois a Raquel pode lê-lo e copiá-lo pelo menos aqui…).
E folgo muito em saber do seu propósito de não recorrer à censura como método de discussão democrática.

Saudações

msp

Oscar disse...

Não mintas Raquel Varela!!!
Também eu fui censurado - ao menos assume a censura!!!

ainda estou à espera que tenhas a coragem de publicar o meu comentário que simplesmente considera a tua auto-propaganda (tua e a do Renato Teixeira) como meros exercícios de narcisismo.

Não queiras confundir crítica política com insultos - insultos à nossa inteligência são afirmações tuas como "a direita perdeu as eleições em espanha".

rafael disse...

caro miguel

acho muito bem que se indigne contra qq tipo de censura ou tentativa de negação da sua possibilidade de expressão. Espero ver em breve um post seu a atacar com a mesma veemencia o seu colega de blog que acha que a quinta da atalaia é um campo de concentração.
cumprimentos

rafael

Anónimo disse...

de facto, raquel varela mente!
tb eu comentei o post do 5dias a proposito do alerta que o msp fez... e o meu comentário foi censurado!
aliás, acho que as categorias "má educação" e "direita" que a raquel pelos vistos cola aos comentários que censura podiam ser substituidas por uma só: aqueles que ela não gosta (e essa é que é a verdade!!!)

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Rafael,

terá de falar com o meu camarada de blogue, cujo nome não quer dizer.
Dito isto, não me lembro de ter tomado conhecimento de algum caso em que alguém aqui da casa tenha apagado um comentário - excepto nas circunstâncias previstas pelo estatuto que pode ler nesta caixa.
Creio nunca ter apagado um comentário, embora tenha alertado os autores de alguns para o facto de poder legitimamente fazê-lo. Todos os casos que conheço de comentários apagados por camaradas meus no Vias tiveram por objecto escritos "abertamente insultuosos ou de natureza difamatória, sobretudo se encobertos pelo anonimato ou equivalente" - relevando, portanto, do ponto 3 dos critérios enunciados sob o título "Deixar o Seu Comentário" que o Rafael aqui pode ler.

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

MSP, pide infame, manipulador. É neto do inspector Gouveia, verdade?

Anónimo disse...

o indymedia pt acobertando fascistas e anti-semitas:
http://pt.indymedia.org/conteudo/newswire/4575

e como eles muitos esquerdolas toleram esse socialismo dos imbecis.

Chalana disse...

ena bem... já estalou o verniz alí pros lados do Rossio... ah, ah,ah, ah, ah

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo das 22:03

sim, a ausência ou fraqueza de uma alternativa democrática assente na participação e auto-organização dos cidadãos tende em perídos de crise a deixar vago um terreno propício à emergência de movimentos do tipo que você menciona, bem como à multiplicação de apelos ao golpe de Estado ou outra solução autoritária que ponha isto na ordem e instaure uma espécie de ditadura esclarecida que impeça as massas de serem manipuladas e desviadas do bom caminho pelos "inimigos do povo".

Claro que combater e desmascarar os grupos que veiculam esse tipo de posições e as propostas que propagam é uma exigência inseparável da luta contra a ofensiva oligárquica governante e pela defesa e extensão das liberdades políticas e dos direitos sociais.

Saudações solidárias

msp

Anónimo disse...

Caro MSP:

tenho estado a assistir a algumas das assembleias do Rossio, e o que já tinha comentado com amigos vem de encontro ao que diz.

Nessas assembleias, alguns elementos sempre presentes, a RV e outros mais, têm uma intervenção sempre focada no não pagamento da dívida.

E há sempre um esforço para evitar a discussão na assembleia e mantê-la apenas nos grupos de trabalho. Para os quais menos terão disponibilidade e que, por isso, são mais facilmente manipuláveis. Sobretudo por quem está sempre aos gritos.

Por isso, foi com gosto que vi esta sua mensagem.

Cumprimentos, Luís

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Luís,
obrigado pelo feedback encorajador.
As suas palavras trouxeram-me irresistivelmente à memória um poema de Sophia, escrito em 1974, que aqui copio, pois creio que diz lapidarmente algumas coisas fundamentais - como esta, por exemplo, que se aplica à reserva a grupos especiais de certos assuntos decisivos: "A verdade não é uma especialidade / Para especializados clérigos letrados", que da verdade só dizem a metade que lhes convém.

Abraço solidário

msp


Nesta hora

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se [invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo [exilio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia [verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo
É preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção -

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste.

20 de Maio de 1974
Sophia de Mello Breyner Andresen

Bruno Peixe disse...

Miguel,

Para que conste: há uns meses, escrevi um comentário a um post do João Tunes. Nenhum insulto, nenhuma difamação. Desmontagem dos argumentos e exposição, argumentada a partir do post, da ignorância ou má-fé do autor a respeito dos temas que tratava. Neste caso, e a propósito do Lech Kolakowsky, afirmava qualquer coisa como o Marxismo ser como a religião, ou qualquer lugar-comum deste género, que fazia lembrar as seleções do Reader's Digest nos anos 80. O que é facto é que o comentário nunca viu a luz do dia. Não dei à coisa excessiva importância, tanto mais que amigos aí da casa me disseram que a aprovação é automática, e eu não percebo assim tanto de informática para afiançar que não pode ter havido um problema, sei lá, uma quebra de rede no momento em que cliquei no "publicar o seu comentário".

Ao ler os comentários a este post lembrei-me que pode não ter sido isso, e pode ter sido retirado depois.

Uma vez que tu, por não teres visto o teu comentário publicado, levantas logo a acusação de censura, não quis deixar de referir aqui este episódio.

Um abraço,
Bruno.

Vasco disse...

Miguel Serras Pereira:

Nem sempre estou de acordo consigo. Aliás... quase nunca! Creio, todavia, que o que o MSP é uma voz corajosa e independente nesta nossa inquinada blogosfera, apesar de ter uma costela qualquer anti-pcp! Repare que até lhe faço justiça numa série de coisas, julgo apenas que nem sempre acerta nos timings e - essencialmente! - no alvo "prioritário" a abater. repare que não tenho problemas em dizer-lhe que, por tradição, por razões familiares, por consciência - mesmo! pois não tenho vergonha de o dizer: "eu voto pcp".
Não estou á espera que o MSP alguma vez esteja do nosso lado. Mas fico simultaneamente surpreendido e feliz por saber que o MSP quando tem que dizer... diz!
O que se passa com a sra. Raquel e o sr. Renato é atroz! Não é só uma questão de censura na net. Como se isso fosse pouco! Verifico, também in loquo, o perfil jaconista/estalinista/neo-trotskista dessa gente que se auto-promove a partir duma luta que não lhes pertence!

NOS ÚLTIMOS 2 DIAS VERIFIQUEI QUE HÁ COMENTÁRIOS SISTEMATICAMENTE CENSURADOS NO 5 DIAS! Honestamente... nunca pensei. Bem-haja pela coragem da independência. Mesmo sabendo que, raramente iremos coincidir nas opiniões veinculadas.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Vasco,

como dizia a grande Rosa, "a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de outro modo". Aqui está: pelo menos, é um ponto - e não menor - em que estamos de acordo.

Mas creio que outros haverá, dado o que escreve. Na mesma linha. Fornecendo uma boa base para discutirmos as divergências a que se refere - ao que me disponho, na medida do que posso, sempre que entenda.

Cordiais saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Será possível que a censura continue a destruir o blogue 5 Dias? Niet

Bruno Peixe Dias disse...

Escrevi ontem um comentário a este post que não foi publicado. O comentário referia-se a uma situação anterior em que, muito provavelmente, tive um comentário meu apagado? Foi o que aconteceu desta vez?
Miguel, agradecia que me esclarecesses?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Bruno,

não recebi qualquer comentário teu a este post e não creio que tenha sido apagado por lapso. Tanto mais que, uma vez que nós não temos moderação prévia de comentários aqui no Vias, o teu contributo só poderia ter sido apagado depois da publicação. Cá na casa, é assim: todos os comentários são instantaneamente publicados e só depois disso, se houver razões para tanto e de acordo com o nosso estatuto editorial explícito, poderão ser apagados. Agradeço-te assim que envies de novo o teu texto para esta caixa (e, por segurança, também por mail).
Não te esqueças nem tardes, por favor.

Abraço


msp