Os prémios valem o que valem e não acrescentam — nem retiram — a fracção de uma onça de grandeza aos contemplados. Não raro, podemos dizer até que se diminuem e perdem credibilidade devido ao facto de não contemplarem aqueles cuja manifesta diferença melhor os honraria. Dito isto, e sendo que não há prémio desta natureza que possa propriamente fazer justiça a um autor como
Manuel António Pina, não deixa de ser agradável a notícia de que o Prémio Camões, na sua última edição, acaba de se honrar singularmente tendo escolhido como seu destinatário, na esteira do
Vias de Facto, alguém que, entre outros títulos, é sem dúvida o cronista mais citado neste blogue, que muito se honra sempre que o cita. O
Prémio Camões está, pois, de parabéns.
À laia de brinde, aqui fica uma das primeiras geniais rimas infantis do Manuel António Pina que, há mais de trinta anos, depois de a ler pela primeira vez, não descansei enquanto não soube de cor:
A Ana tinha um ioiô muito bonito
que fazia tudo o que ela queria
quando ela dizia «para cima» o ioiô ia para baixo
quando ela dizia «para baixo» o ioiô ia para cima
Como gostava muito muito daquele ioiô
A Ana fazia de conta que não percebia
Para o ioiô ir para cima dizia «para baixo»
Para o ioiô ir para baixo dizia «para cima»
E como o ioiô gostava muito muito da Ana
Era o ioiô mais obediente que havia
Quando ia para cima fazia de conta
que ia para baixo
Quando ia para baixo fazia de conta
que ia para cima
(Gigões e Anantes, 1977)
4 comentários:
1977 aos 7 anos de idade não....
é um bom cronista agora como poeta mesmo infantil
se é o melhor que temos ainda vivo
a coisa anda mal para a língua dita lusa
Está engraçado, mas algo frouxo e com pouco ritmo. Leiam o Ferreira Gullar, por exemplo, o Sapo ou, sobretudo, Um Gato Chamado Gatinho, para saberem o que é poesia infantil em português. Já nem falo nas nursery rhimes inglesas. Nunca tivemos grande literatura infantil (nem juvenil), e muito menos poesia infantil. A maior parte é enfadonha e didáctica. Se quiserem pegar na deixa, sugeria um post sobre o assunto.
Já agora, uma das minhas paixões da infância foi esse ovni chamado João Sem Medo, do José Gomes Ferreira. Mas já não o leio há mais de trinta anos e não sei como sobreviveu... um dia, ganho coragem e volto lá.
ava n'tesma & Scriabin,
não vou discutir os méritos comparados das literaturas infantis europeias - que conheço mal, embora seja um admirador ávido das rimas inglesas e das canções pour les enfants francesas.
Depois, creio que não entendemos da mesma maneira a expressão "ritmo frouxo".
Mas se o que se segue não remete para uma folle du logis à altura das de Cesariny e O'Neill, sou eu que sou um caso perdido.
Aqui fica o conto do MAP em que pensei ao ler os vossos reparos - com as melhores saudações
msp
Era uma vez um menino que tinha um defeito de pronúncia. Não era capaz de dizer tê: dizia quê. Trocava o tê pelo quê. Trocava o têpluquê. Em vez de dizer tasa, como toda a gente, dizia casa; em vez de dizer tão, dizia cão; em vez de dizer t...apete, dizia carpete (às vezes deixava uns tês para trás, deixava uns quês para crás). E assim por diante: em vez de dizer tábua, dizia cábula; em vez de dizer tu, dizia (rabo); em vez de dizer Tomé, dizia Comé; em vez de dizer taxímetro, dizia caxímetro, etc. (em vez de dizer etc., dizia ecc.). Esta história (em vez de dizer esta história, dizia esca escória) tem uma moral, é das que têm: é que todos os defeitos de pronúncia (como os outros defeitos todos, há uma história para cada defeito) têm também virtudes de pronúncia, senão eram defeitos perfeitos. Ao menino, como a toda a gente que tem defeitos de pronúncia, ENTARAMELAVA-SE-LHE a língua; este menino tinha sorte porque, como as letras do defeito dele eram o tê e o quê, a língua ENCARAMELAVA-SE-LHE e o menino gostava muito (goscava muico).
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