31/05/11

Sobre o consenso como forma de decisão

Acerca desta questão levantado pelo Miguel Serras Pereira e pelo Renato Teixeira, recomendo os argumentos dos autores do chamado "Anarchist FAQ" contra a decisão por consenso:

A.2.12 Is consensus an alternative to direct democracy?

The few anarchists who reject direct democracy within free associations generally support consensus in decision making. Consensus is based upon everyone on a group agreeing to a decision before it can be put into action. Thus, it is argued, consensus stops the majority ruling the minority and is more consistent with anarchist principles.

Consensus, although the "best" option in decision making, as all agree, has its problems. As Murray Bookchin points out in describing his experience of consensus, it can have authoritarian implications:

"In order. . . to create full consensus on a decision, minority dissenters were often subtly urged or psychologically coerced to decline to vote on a troubling issue, inasmuch as their dissent would essentially amount to a one-person veto. This practice, called 'standing aside' in American consensus processes, all too often involved intimidation of the dissenters, to the point that they completely withdrew from the decision-making process, rather than make an honourable and continuing expression of their dissent by voting, even as a minority, in accordance with their views. Having withdrawn, they ceased to be political beings--so that a 'decision' could be made. . . . 'consensus' was ultimately achieved only after dissenting members nullified themselves as participants in the process.

"On a more theoretical level, consensus silenced that most vital aspect of all dialogue, dissensus. The ongoing dissent, the passionate dialogue that still persists even after a minority accedes temporarily to a majority decision,. . . [can be] replaced. . . .by dull monologues -- and the uncontroverted and deadening tone of consensus. In majority decision-making, the defeated minority can resolve to overturn a decision on which they have been defeated -- they are free to openly and persistently articulate reasoned and potentially persuasive disagreements. Consensus, for its part, honours no minorities, but mutes them in favour of the metaphysical 'one' of the 'consensus' group." ["Communalism: The Democratic Dimension of Anarchism", Democracy and Nature, no. 8, p. 8]
Bookchin does not "deny that consensus may be an appropriate form of decision-making in small groups of people who are thoroughly familiar with one another." But he notes that, in practical terms, his own experience has shown him that "when larger groups try to make decisions by consensus, it usually obliges them to arrive at the lowest common intellectual denominator in their decision-making: the least controversial or even the most mediocre decision that a sizeable assembly of people can attain is adopted-- precisely because everyone must agree with it or else withdraw from voting on that issue" [Op. Cit., p.7]

Therefore, due to its potentially authoritarian nature, most anarchists disagree that consensus is the political aspect of free association. While it is advantageous to try to reach consensus, it is usually impractical to do so -- especially in large groups -- regardless of its other, negative effects. Often it demeans a free society or association by tending to subvert individuality in the name of community and dissent in the name of solidarity. Neither true community nor solidarity are fostered when the individual's development and self-expression are aborted by public disapproval and pressure. Since individuals are all unique, they will have unique viewpoints which they should be encouraged to express, as society evolves and is enriched by the actions and ideas of individuals.

In other words, anarchist supporters of direct democracy stress the "creative role of dissent" which, they fear, "tends to fade away in the grey uniformity required by consensus." [Op. Cit., p. 8]

We must stress that anarchists are not in favour of a mechanical decision making process in which the majority just vote the minority away and ignore them. Far from it! Anarchists who support direct democracy see it as a dynamic debating process in which majority and minority listen to and respect each other as far possible and create a decision which all can live with (if possible). They see the process of participation within directly democratic associations as the means of creating common interests, as a process which will encourage diversity, individual and minority expression and reduce any tendency for majorities to marginalise or oppress minorities by ensuring discussion and debate occurs on important issues.
 Como é evidente, a argumentação é feita numa perspectiva anarquista, mas creio que fará sentido mesmo para pessoas de outros quadrantes; retenho a ideia principal, de que a decisão por consenso, contrariamente ao pretendido, acaba por ser mais opressivo para a minoria, já que esta acaba por se sentir na obrigação de "concordar" com a opinião dominante.

5 comentários:

Anónimo disse...

touché!

Diogo Duarte disse...

Boa posta, Miguel. Levanta pontos muito importantes, como as situações de "coerção psicológica" ou de alguém se colocar de parte só por facilitismo (algo que de resto também pode acontecer num processo de votação). Mas também tem algumas questões que me parecem mais discutíveis, como por exemplo a de assumir que em grupos de consenso as minorias não podem contestar uma acção como fazem numa decisão por maioria, quando a votação, como, aliás, se comprovou na acampada, também pode ser um método muito impositivo, especialmente quando não deixa espaço para a discussão (ou deixa um espaço limitado) e a maioria, confortável, menospreza essa disposição da minoria "derrotada". Na realidade, é nesses casos que o consenso se torna preferível: é preferível para a coesão dum grupo a minoria saber quando ceder, depois duma discussão aberta, mesmo que não esteja a favor de uma decisão, do que ver imposta a decisão da maioria por uma votação. É que não estar a favor de algo, não implica necessariamente estar contra (daí a diferença profunda em relação à unanimidade); pode significar apenas pensar que se podia fazer melhor ou diferente, mas isso não ser impeditivo de que se deixe passar a decisão em nome do bem do grupo, desde que uma pessoa não considere que algum princípio esteja a ser violado (podia dar inúmeros exemplos com situações que ocorreram ali no Rossio, em que não concordava necessariamente com uma proposta, mas, na verdade, ou não tinha nada de substancial a opor ou também não estava contra - sem esquecer que o Rossio tinha outro problema: até disposições que não remetiam directamente para o grupo, coisas que eram de ordem quase individual, eram sujeitas a proposta e votação, para não falar de outras "mesquinhices").
O que permite o veto são precisamente essas discordâncias de princípio (por exemplo, a opção do uso da violência ou a resistência pacífica numa manifestação). E é nesse casos que costuma dar bronca, ou nos casos em que acontece alguma situação inesperada ou exija uma resposta urgente.
Agora, é preciso considerar outros factores quando se fala de consenso:
1-o tamanho do grupo;
2-os objectivos e o "tipo" de grupo que é (se é um movimento aberto e fluído como a acampada do Rossio, em que a assembleia dum dia podia não ter praticamente nenhuma pessoa do dia anterior presente; se é uma okupa ou sindicato organizado por um qualquer conjunto de princípios básicos e bem definidos,etc. etc.);
E outros podiam ser apontados.

Mas atenção, não pretendo com isto defender o consenso, porque de facto não tenho uma posição assim tão definida quanto ao assunto e não sou cego em relação aos significativos problemas que pode suscitar. Só me parece que qual o método de decisão a adoptar num grupo que funcione horizontalmente é das discussões mais importantes a ter.
Abraço

Anónimo disse...

Nem mais! Excelente contributo.

Renato Teixeira

nao disse...

renato, poupa-nos... as razões porque eras contra o "consenso" na assembleia do rossio não tinham absolutamente nada a ver com as aqui apresentadas pelo MM, antes pelo contrário. Se aqui se coloca a problemática da dissuasão da dissensão, tu queixavas-te de não conformação por parte de uma minoria à vontade, por várias vezes expressa em votação, da correspondente maioria, o que na prática vai dar ao mesmo: dissuasão da dissensão.
o que não invalida que este foi de facto um excelente contributo a esta discussão em geral, quanto mais não seja porque espero que te possa ajudar a curar essa anarquite aguda. agora quando tiveres duvidas já sabes: AnarchistFAQ no google!

Miguel Serras Pereira disse...

Grande Miguel (M),

sem dúvida,fazes bem em lembrá-lo aqui: a oposição pertinente não é entre "consenso" e "votação", mas entre 1 .decisões tomadas, sempre que necessário por voto, na sequência de um processo de deliberação colectiva, capaz de analisar e, em sendo caso disso, reformular as questões e os problemas a decidir, por um lado, e 2., por outro, votação de questões obrigatórias, em termos que suprimem a deliberação, a descoberta de questões e respostas alternativas, a participação igualitária na definição das propostas sobre as quais decidir.

Dito isto, é fácil ver quem, no debate da caixa de comentários do post do RT (que exclui à partida do debate a participação de nomes de gente que não lhe agrade), 1 - defende a primeira posição e procura criar condições do modo de decidir que convém à auto-organização e, no limite, ao auto-governo democráticos, e 2 - quem tenta que, acima de tudo, a deliberação e as questões levantadas não vão para além do já sabido e dos termos que enquadram antecipadamente a discussão nos moldes e na lógica que justificam a direcção e a apropriação do movimento pela vanguarda e os objectivos consagrados pela sua teoria.

Abraço libertário

mguel (sp)