03/05/11

"Vitórias de Bin Laden"

O Ricardo Alves publicou, no Esquerda Republicana, uma notabilíssima síntese sobre a biografia política de Bin Laden. Recomendando a sua leitura, sublinho sobretudo a passagem abaixo transcrita, que diz o essencial do que há a dizer sobre certas vitórias estratégicas do "santo guerreiro mártir", como lhe chama o Hamas —, vitórias que a sua morte não basta para anular, se é que as circunstâncias daquela e a recepção/comunicaçãodo "feito" por parte das autoridades ocidentais as não consolida.

Bin Laden teve as suas vitórias. Pretendia polarizar o mundo entre uma revolta islamista e as democracias europeias, e a sua estratégia passava por arrastar estas para a guerra, os assassinatos arbitrários e a violência sobre civis. Em parte, conseguiu o que queria: as democracias da Europa e dos EUA rebaixaram-se ao voltarem a legitimar a prática da tortura, ao invadir Estados muçulmanos sem mandato legal, e ao vigiarem cidadãos que não cometeram qualquer crime mas são muçulmanos. Que Barack Obama diga que se «fez justiça» (sem julgamento) é um sintoma do recuo civilizacional que Ossama logrou: um verdadeiro sinal de superioridade civilizacional seria tê-lo preso e julgado (o que nem sequer foi tentado). A sua herança, para nós europeus, inclui também o poder imenso que os serviços ditos «de informações» reuniram nesta década: existem mais pessoas e meios envolvidos na vigilância dos cidadãos das democracias do que acontecia durante a «guerra fria». E, igualmente assustador, parece haver hoje menos resistência à intrusão do Estado policial na vida privada do que havia nessa época.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tudo certo. Mas não devem esquecer que nos anos 50 a 70 (só para dar o exemplo de um período trágico)os EUA deram, ou ajudaram a dar, golpes de estado por toda a América Latina, e não só, treinaram torturadores um pouco por todo lado - já esqueceram a Escola das Américas? - apoiaram ditadores e grupos de extermínio etc, etc. Tudo isso bem antes do tal fundamentalismo e dos 11 de Setembro; nessa época o 11 de Setembro era o do golpe do Pinochet!
Os Estados, ditatoriais ou democráticos, sempre encontram os inimigos e os argumentos necessários à justificação das suas políticas de domínio e controle social. Se o inimigo não são os «anarquistas» ou os «vermelhos», serão os «islâmicos», as «classes perigosas», os «traficantes», os «emigrantes». Ou qualquer outro que descubram nas próximas décadas.Um dia serão os ETs.

Ricardo Alves disse...

Obrigado, msp.

Cumprimentos,

Anónimo disse...

Excelente artigo e com grande visão dos problemas que afectam o nosso pesadelo climatizado quotidiano universal. Como escreveu Baltazar Gracian, " Em regra a verdade vê-se, mas é raro conseguir entendê-la. Agrada ou desagrada, segundo as cores que lhe
empresta a paixão ou o interesse ". Gorz,H. Lefebvre e Castoriadis têm perspectivas muito semelhantes às suas.Coragem e Imaginação, sempre, ok? Niet