22/06/10

Cada vez menos postos de trabalho com cargas horárias de tempo de trabalho cada vez maiores

A profusa discussão sobre os feriados laicos versus religiosos, a sua calendarização e temas afins levou-me há dias a levantar na caixa de comentários de um post do meu camarada e distinto blogger libertário Miguel Madeira dois ou três pontos prévios que aqui retomo, ligeiramente reformulados.

Com efeito, o que começo a perguntar-me, acerca de tanta discussão sobre a necessidade de tanto reengineering do calendário,  é se essa discussão não funciona como uma cortina de fumo ou de ruído para silenciar e prevenir um debate político fundamental sobre o tempo de trabalho, a "partilha" do trabalho, a redução dos seus horários, a igualização das condições de exercício das actividades remuneradas ou que engendram rendimentos.
No quadro da economia política actual e do seu regime de repartiçãao de rendimentos teoricamente indexado à contribuição de cada um para a criação de riqueza - e tanto a determinação da contribuição de cada um como a fixação das condições óptimas da criação da riqueza e os termos de uma definição não-arbitrária da mesma riqueza são incalculáveis -, há e continuará a haver, cada vez menos postos de trabalho com cargas horárias de tempo de trabalho cada vez maiores. Para assegurar as mesmas tarefas e produzir os mesmos bens e serviços, é necessário, apesar de tudo, cada vez menos tempo de trabalho, e tanto este tempo de trabalho como os empregos correspondentes são desigualmente repartidos e em termos que engendram cada vez mais desigualdades, ao mesmo tempo que uma expansão irracional da mercadoria alastrando a domínios outrora públicos ou comuns e relevando de outras esferas que não a das transacções monetárias ou monetarizáveis.
Como outros - e estou a pensar no José M. Castro Caldas, por exemplo - têm, a partir das aoprias internas da teoria económica mostrado melhor do que eu, este lado da questão económica é uma questão política maior e pelas respostas que lhe soubermos ir dando dependerá o tipo de sociedade, de condições de existência em comum, que teremos e faremos. E é por isso que não posso deixar politicamente suspeita e mentalmente redutora - para não dizer imbecilizante - esta insistência nos feriados e pontes, nas questões de calendário, relevando em parte da manobra política e da manipulação propagandística, mas sendo em parte, também e talvez mais gravemente, sintoma da naturalização da economia política dominante, erigida em última palavra da história ou seu horizonte último insuperável.

Assim, gostaria de concluir esta nota perguntando ao Miguel Madeira, aos outros tripulantes da casa e aos seus frequentadores se não acham que vai sendo tempo de abrirmos mais decididamente esta frente de debate ou combate.

3 comentários:

Anónimo disse...

Efectivamente a batalha dos trabalhadores deve ser a de lutar no sentido inverso ao do título do blog. Será isso possível no quadro actual do capitalismo, em que a mais-valia se tornou mais escassa que na época de construção do Estado Social? Ou, por outras palavras, qual a possibilidade da social-democracia hoje?

(Já agora, não me recordo precisamente do nome, mas houve uma intervenção no colóquio do ano passado sobre Marx em Lisboa, de um marxista brasileiro que apontava exactamente esse sentido como o mais necessário no imediato, quanto mais não seja para acordar a consciência dos trabalhadores para essa enorme pedra no caminho da emancipação: o tempo do trabalho!)

Anónimo disse...

À pergunta deixada pelo MSP no último parágrafo, respondo sim. Acho que sim.

É que, num sentido restrito, eventualmente a economia não determina tudo. Mas num sentido mais abrangente, e no limite, se calhar é mesmo capaz de determinar.

nelson anjos

Miguel Serras Pereira disse...

Nelson Anjos, caro camarada e amigo,

eu não sei se determina tudo, no sentido mais forte da palavra, mas lá que condiciona tudo, condiciona. E não vejo que auto-determinação política possa haver que não passe pela democratização da economia e do trabalho

Abraço para si

msp