26/06/10

Sobre Polina Zhemchuzhina (também a pedido)

Os visitantes-comentadores são o sal de um blogue. E aos cordiais, gosto de lhes fazer as vontades. Depois de, num post ter transcrito uma parte do livro de Laurence Rees (recentemente editado pela Dom Quixote) para comemorar o 65º aniversário do Desfile da Vitória em Moscovo, um anónimo pediu-me mais, curioso sobre a odisseia do Marechal Jukov (corrijo o nome por indicação de um outro comentador, este devidamente identificado, sobre a designação correcta em boa língua portuguesa) e não demorei a fazer-lhe a vontade. Tanto bastou para que o mesmo ou um outro comentador, agora cobrindo o anonimato sob o uso de uma alcunha, me chamar a atenção para o facto de Laurence Rees ser (segundo os ficheiros deste comentador leninista-nazistóide e antisemita) “de modo predominante um empregado na indústria de propaganda ao holocausto (da qual o Sionismo judeu-ortodoxo israelita procura extrair legitimidade)”. Ora esta linguagem é, histórica e politicamente, familiar a todos nós, bastando ler-se o que debitam hoje aqueles que apostam em transformar o internacionalismo proletário numa miséria pós-soviética em que o fascismo islâmico é “amigo” e Israel é a “besta” a extinguir, acabando a obra que Auschwitz-Birkenau não teve tempo de levar até ao fim, até à “solução final”. Ora a “questão judaica” não foi sequer aflorada nos textos que citei de Laurence Rees. Mas como o comentador anónimo de alcunha tem as suas obsessões, em que avulta o seu antisemitismo compulsivo, também uma das paranóias tardias de Estaline (depois de ter usado e beneficiado da solidariedade da comunidade judaica internacional durante a II Guerra Mundial, a sua sede de sangue virou-se para os judeus, isto apesar de um “interlúdio”, em que a URSS foi o primeiro Estado a aprovar a admissão de Israel na ONU), há que fazer-lhe a vontade. E talvez nada melhor para retratar o lado paranóico do estalinismo antisemita, doença muito difundida, que lembrar o que o citado Laurence Rees narra sobre Polina Zhemchuzhina e o seu marido Molotov. Siga então:

“Tendo afastado o homem [Marechal Jukov] que, mais que qualquer outro, ajudara o Exército Vermelho a ganhar a guerra, Estaline assestou então as baterias contra o seu mais próximo camarada político ao longo de todo o conflito, Molotov, atacando a esposa dele, Polina Zhemchuzhina. Havia já muito que Estaline suspeitava dela – era judia e tinha ligações familiares no estrangeiro, com uma irmã na Palestina e um irmão nos Estados Unidos. Em Dezembro de 1948, Estaline avançou contra ela, numa acção que sabia que iria abalar o marido. Apesar de o ministro soviético dos Negócios Estrangeiros ter recebido dos oficiais britânicos a alcunha de “Velho Cara de Bota” devido à sua intransigência e aparente ausência de sentimentos, Molotov estava muito apaixonado pela mulher, e qualquer ataque dirigido contra ela seria também um ataque óbvio e directo contra ele.”
“Como resultado de uma «investigação» da NKVD, foi proposta ao Politburo, em Dezembro de 1948, uma resolução para expulsar Polina do Partido Comunista. Tradicionalmente, este era o primeiro passo no caminho para o Gulag. O Politburo decidiu: «Ficou esclarecido, por verificação da Comissão para o Controlo do partido, que P.S. Zhemchuzhina manteve, durante um período considerável de tempo, ligações e estreitas relações com nacionalistas judaicos, suspeitos de espionagem e indignos de confiança política.» As provas citadas, menos do que convincentes, eram que ela assistira ao funeral de um líder judeu e fora vista a falar com outro destacado judeu soviético. Além disso, «a 14 de Março de 1945» cometera o delito de participar «numa cerimónia religiosa numa sinagoga de Moscovo.» O Politburo concluiu então: « Apesar das advertências feitas a P.S. Zhemchuzhina pelo Comité Central do Partido Comunista de Todos os Russos a respeito da falta de escrúpulos dela nas interacções com indivíduos não merecedores de confiança política, ela infringiu as directivas deste partido e continuou a comportar-se de maneira politicamente imprópria. Em função do acima exposto, P.S. Zhemchuzhina é de hoje em diante expulsa das fileiras do Partido Comunista de Todos os Russos.»”
“A resolução foi assinada por todos os membros do Politburo presentes, com excepção de um. Molotov não conseguiu condenar a sua própria esposa, e por isso absteve-se. Porém, nas semanas que se seguiram, ele debateu-se com as possíveis consequências do que fizera. Após todos aqueles anos de total subserviência à vontade de Estaline, poderia ele realmente tomar posição contra o líder – ainda que num aspecto relacionado com a mulher que amava? Acabou por decidir que não podia e, em Janeiro de 1949, escreveu uma carta a Estaline: «Reconheço haver cometido um erro político quando me abstive do voto relativo à expulsão de P.S. Zhemchuzhina do Partido. Gostaria de informá-lo que reflecti sobre esta questão e apresento agora o meu voto a favor da decisão do Comité Central. A decisão reflecte os interesses do partido e do Estado, e está em consonância com o entendimento correcto da ideologia partidária comunista. Reconheço o meu pesado sentimento de remorsos por não ter impedido Zhemchuzhina, pessoa que me é muito querida, de cometer os seus erros relacionados com judeus nacionalistas anti-soviéticos.»”
“Só se pode imaginar os sentimentos de Estaline ao ler esta desculpa abjecta de um homem que se apercebia agora de que, ao defender a esposa, se colocara a si mesmo em perigo. É bastante provável que Estaline tivesse reconhecido o conteúdo e o espírito da desculpa de Molotov como uma confirmação da sua própria visão da condição humana. Confrontado com a ameaça de sofrimento pessoal, quase ninguém viveria e morreria por princípios. Deste modo ele demonstrou mais uma vez, pelo menos para sua satisfação pessoal, que, perante o derradeiro teste, quase todos os seres humanos eram cínicos e fracos. Polina foi detida em Janeiro de 1949 e enviada para o Gulag. Só foi libertada depois da morte de Estaline [1953].“


(De “Segunda Guerra Mundial – À porta fechada, Estaline, os nazis e o Ocidente”, Laurence Rees, Edições Dom Quixote)

Foto: O casal Molotov-Zhemchuzhina.

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