28/11/10

A Dupla Vida Portuguesa de Catarina Portas

«Zé Neves e Ricardo Noronha: podem garantir que entre os milhares de manifestantes que desfilaram nesse dia não havia ABSOLUTAMENTE NINGUÉM com intenção ou vontade de provocar a polícia? Podem falar pela cabeça de cada uma das pessoas que lá estava? Se calhar podem, com o mesmo à vontade e ligeireza, tão caracteristicamente portugueses, com que falam, acusam, julgam e condenam a seriedade profissional de alguém na praça pública, sem factos nem provas». Pergunta e responde Catarina Portas, aqui, em defesa de Paulo Moura.

A esta hora, provavelmente, neste debate, eu deveria estar interessado, sobretudo, em sublinhar o modo tortuoso em que incorre a lógica de uma parte do jornalismo e da generalidade da polícia, lógica que se inscreve de modo inocente (vou ser simpático, pronto) nas palavras de Portas. A lógica resume-se a isto: “se não fez, podia ter feito”.

No caso da notícia de Moura, é assim: começou por dizer que anarquistas queriam violência e queriam que a polícia batesse em velhos do PCP. Foi dito aqui que isso era uma aldrabice, entre outras coisas porque o jornalista não invoca fontes algumas para dizer o que diz (é esta "acusação" que Catarina Portas considera ser um julgamento sem provas). Respondeu-me Paulo Moura dizendo que se baseou em fontes anarquistas anónimas (embora não o tenha referido na notícia, ausência que justifica dizendo que tal se subentenderia). E admite ainda o jornalista que terá errado no tom que utilizou aqui e ali, acabando por limitar o que está aqui em causa a uma questão do seu estilo de escrita e do nosso posicionamento político, isentando-se de discutir o problema da verdade. Pelo meio, o jornalista ameçou-me com um processo em tribunal.

Houve um tempo em que muitos jornalistas se legitimavam dizendo que era de factos que tratavam. Era o tempo de uma concepção simplista do seu trabalho e da ideia de facto. Agora, existem também jornalistas que se legitimam dizendo que é de intenções de que se trata nas suas peças. Algo que, de facto, torna bastante mais difícil refutar o que quer que seja que esses jornalistas afirmem. Passámos de uma ideia ingénua de verdadeira realidade para uma jornalismo que apresenta os seus sonhos selvagens como se fossem a mais límpida verdade. Mas vou deixar o Paulo Moura em paz porque o único advogado que tenho na família está reformado e porque tanto o Ricardo Noronha (neste post) como a São José Almeida (no Público de ontem) já disseram várias coisas com as quais concordo acerca do caso particular (no caso do post do Ricardo) e acerca da cobertura jornalística da cimeira da NATO (no caso do texto da São José Almeida). Concentremo-nos no comentário de Catarina Portas que comecei por citar. O que aí mais me chateia mesmo é aquele «tão caracteristicamente portugueses» a que recorre para responder a mim e ao Ricardo. E chateia porque o mínimo que se espera de quem faz riqueza à boleia da “Vida Portuguesa” (orgulhando-se de vender bebidas que julga tipicamente portuguesas e de não vender bebidas tipicamente estrangeiras como uma bela imperial sagres) é que vá beber ideias a outra fonte que não a das mais deprimidas psicologias étnicas que por aí circulam. Que isto não constitua um problema para a própria empresária-cidadã-ex-jornalista, mostra apenas como é possível encontrarmos as alianças mais astuciosas entre o mundo das ideias e o mundo das coisas. Por outro lado, e agora recorrendo a um modo mais, digamos, reconfortante de encontrarmos um final feliz para tudo isto, deixo a pergunta: será que, sendo eu e o Ricardo «tão caracteristicamente portugueses", não deveríamos pedir ao Paulo Moura que nos emprestasse o seu advogado para processarmos Catarina Portas? Pois se somos "tão caracteristicamente portugueses" e se Portas vende produtos «tão caracteristicamente portugueses", não será de concluir que esses produtos são a expressão acabada do nosso modo de vida e não será, então, este modo de vida que também dará de lucrar à nossa empresária da "Vida Portuguesa"? Fontes anónimas dizem-me que isto tudo ainda vai correr bem para a causa da emancipação do proletariado e que chegará o dia em que será possível todos bebermos uma maravilhosa coca-cola num quiosque cor-de-rosa perto de nós.

3 comentários:

praça de espanha disse...

Epá acho mal estarem a tratar assim a Catarina, ela que foi a primeira a dar atenção aos okupas da praça de espanha num já longiquo "falatório" da RTP2.

Isso sim era pérola para por no youtube.

É dai que conhece os anarquistas dos sonhos selvagens Catarina?

Anónimo disse...

oh pá.... uma vez tive o descaramento de pedir uma imperial no quiosque do Camões e o tipo também me respondeu com um ar arrogante "aqui só vendemos bebidas nacionais" desde aí só consigo beber anis escarchado....

Niet disse...

Kiosk no Camões? Mina de ouro...Foi o Carmona ou o Costinha que " entregaram " a concessão? É um dos melhores e mais concorridos lugares da capital! E as bebidas " oferecem " entre 300 a 500 por cento...de lucro! Mas a luta de classes também está presente no sítio com a malta que se senta no pedestal da estátua do Vate nacional, olé. Faltam é os pinheiros mansos...Niet