19/11/10

Sobre a via birmanesa da repressão dos trabalhadores ao serviço dos mesmos trabalhadores e de todo o povo

Porque é que Correia da Fonseca, com o beneplácito do Avante!, publica uma crónica — já aqui referida pelo João Tunes e cuja meditação poderá também servir para completar as sugestões do Zé Neves sobre o anti-liberalismo político dos defensores locais de um mercado livre forte globalmente garantido — menorizando a repressão social e política praticada pelo regime birmanês e sugerindo que, bem vistas as coisas, as restrições impostas aos cidadãos birmaneses em matéria de direitos e liberdades são benignas, tanto mais que visam sobretudo os agentes locais do "mercado livre" global?
Na realidade, a Birmânia é governada, desde 1962,, por uma ditadura militar particularmente sangrenta, que se tem distinguido pela promoção do trabalho escravo, pelas perseguições étnicas e pela feroz defesa dos privilégios de uma estreita camada política e economicamente dirigente. É o que explica, por exemplo, que, em 2006, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tenha anunciado que procuraria processar no Tribunal Internacional de Justiça os membros da junta militar de Myanmar por crimes contra a humanidade, devido à prática de trabalho forçado de seus cidadãos.
É, portanto, bastante provável que a benevolência de Correia da Fonseca e do Avante! perante este regime se deva à ponderação das boas relações com a República Popular da China que o regime mantém, e procurou reforçar designadamente após a crise que, em 1990, abalou a ditadura (por ocasião, entre outras coisas, do triunfo eleitoral da oposição, prontamente anulado pelos militares). Como se sabe, a RPC, cujo regime se caracteriza também por uma repressão comparável dos direitos sociais e das liberdades políticas, é governada pela ditadura de um "partido-irmão" do PCP, que não esconde a simpatia com o regime chinês, considerando-o apostado na superação do capitalismo. O que faz com que a repressão dos trabalhadores e do conjunto da população birmanesa seja considerada por Correia da Fonseca e outros ideólogos do PCP como uma realidade qualitativamente diferente da repressão dos trabalhadores e do conjunto da população que teve lugar, por exemplo, no Chile de Pinochet. E daí que, com um recurso à dialéctica desconhecido da Dama de Ferro, adoptem perante um regime aliado do regime governado por um "partido-irmão", uma posição homóloga daquela que a baronesa Margaret Hilda Thatcher adoptou perante Pinochet, absolvendo-o do recurso aos métodos da ditadura, por meio do argumento que aqueles teriam sido afinal esforços de defesa da liberdade do mercado e de combate ao totalitarismo. A repressão dos trabalhadores e do conjunto da população exercida por uma ditadura solidária dos propósitos de "superação do capitalismo" do regime da RPC deve ser, pois, compreendida, senão como puramente "socialista", pelo menos como repressão dos trabalhadores ao serviço dos mesmos trabalhadores, bem como dos seus interesses históricos e dos de "todo o povo".

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