30/12/10

O defensor do come e cala que um dia proclamou alto e bom som a insustentabilidade do país

Certeiro como é seu uso e o talento ajuda, Manuel António Pina, no JN:

O "sensato" conselho de Cavaco Silva para comermos e calarmos de modo a que "os nossos credores" não se zanguem connosco e nos castiguem com juros cada vez mais altos espelha uma cultura salazarenta de conformismo que, sendo muito mais antiga que Cavaco, ele representa na perfeição, até nos seus, só na aparência contraditórios, repentes de arrogância.

Quando Cavaco nos recomenda que amouchemos pois "se nós lhes [aos 'nossos credores'] dirigirmos palavras de insulto, a consequência será mais desemprego para Portugal", tão só repete, adaptada à actual circunstância, a "sensata" e canónica fórmula do "Manda quem pode, obedece [ no caso, cala] quem deve".

Trata-se de uma atávica cultura em que a vida é vidinha, a crítica deve sempre ser "construtiva" e colaborante, os trabalhadores, por suave milagre linguístico, se tornam "colaboradores" (e se colaboracionistas melhor ainda) e servilismo e acriticismo são alcandorados a virtudes cívicas. Porque é assim que se faz pela vidinha, de joelhos.

(publicado também aqui)

1 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Quando "o defensor do come e cala" um dia proclamou alto e bom som a insustentabilidade do país, "os defensores do come e cala" mandaram-no comer e calar, porque as suas declarações eram irresponsáveis (porque podiam inquietar os nossos credores?).
Até os deste blogue...
A liberdade de expressão é um pilar da democracia, mas a nossa é-nos muito mais querida que a dos outros, não é?