16/12/10

Uma boa pergunta e duas respostas manhosas

Pode dizer-se muita coisa do João Miranda. Mas lá que o homem é coerente na sua defesa à outrance da indomável ideia de liberdade, isso é inegável. Pergunta ele: «Porque é que aqueles que tanto defendem o segredo diplomático são também aqueles que defendem o direito dos estados em se espiarem uns aos outros?»
João Lopes, inevitavelmente acolitado pela mmlle. Câncio, fornece-nos a resposta mais desopilante: «Tal jornalismo, ao ver no WikiLeaks a promessa de um mundo apaziguado pela sua própria transparência, incorre numa responsabilidade central, com a qual, sintomaticamente, evita lidar. Ou seja: que fazer com o Estado — e a concepção do mundo que nele se exprima e transfigura — a partir do momento em que deixa de haver domínio específico do saber e da informação estatal?»
Descontando o sociologuês mal amanhado, resta um pensamento simplesmente boçal: a Wikileaks ameaça despojar os estados da exclusividade dos seus saberes e da sua informação. Assim sendo, o jornalismo que aplaude tal manobra será culpado das consequências tremendas que daí advirão. Os estados falham na preservação dos seus segredos; mas quem não faz de conta (como Paulo Portas) que tal não aconteceu é que é responsável, com grande dose de «cinismo moral», pelo cataclismo subsequente.
Mas que "estado" será este, que se arroga o direito moral de cometer crimes e actos aberrantes sem que os cidadãos de tal possam ser informados? De onde retira tal entidade a sua legitimidade? Será que João Lopes é afinal um leninista furioso, vendo no Estado uma ferramenta de domínio, no quadro da luta de classes? Francamente, só num dispositivo teórico similar é que se entende que os dirigentes políticos e burocratas da diplomacia possam estar acima de qualquer possibilidade de escrutínio.
João César das Neves tem ao menos a vantagem de se exprimir em Português e sem subterfúgios. Assange é um terrorista que decidiu que a missão de «expor regimes opressivos na Ásia, no antigo bloco soviético, África subsahariana e Médio Oriente [...] e revelar comportamentos não éticos em governos e empresas» não lhe dava notoriedade qb e pumba. Lá enveredou pelo mal, dedicando-se a «sabotagem, subversão, agravado por traição à pátria» – embora fique por descortinar que pátria será essa, dado que o homem nem americano é.

O que o JCN deixa de fora é o pormenor de estas revelações só causarem furor quando dizem respeito à prática de ilegalidades, traições e crimes por parte de estados e de empresas. Afinal os EUA financiam o "terrorista" PKK? A Pfizer chantageia um procurador-geral para esconder testes fatais em crianças? Hillary Clinton manda espiar dirigentes da ONU? Há um banco português que se oferece a um governo estrangeiro para espiar clientes seus? Minudências, responde o abominável das Neves; pecado mesmo é expor tais manobras.
JL sonha que estamos tramados se as burocracias estatais deixarem de poder guardar tais segredos. César das Neves alucina que fazê-lo equivale a lutar «contra a sociedade livre», usando a «liberdade para a destruir».
Pois, o mal é das denúncias, não dos criminosos, que têm todo o direito a continuar no seu discreto remanso, sem que os hoi polloi possam meter o nariz em tais augustos assuntos.

1 comentários:

maria disse...

no fundo os jornalistas não gostam é da trabalheira que coisas como a wiki lhes irá trazer. e como pôs a nu o pobrezinho trabalho que vêm fazendo. era tão bom e descansado receberem os assuntos a tratar ( e como , às vezes ) da central. a concorrência é tramada , aumenta logo a luta pela vida.