16/05/13

O Estado e a Nação - I. A noção de Estado

De que falamos quando falamos do Estado, do mercado e das empresas? Serão assim tão contraditórios entre si como afirma a teoria liberal (e como uma boa parte da esquerda defende)? No seguinte excerto da primeira parte de um artigo meu publicado na semana passada no Passa Palavra, defendo que a crítica da sociedade actual deve ancorar-se numa dupla crítica: na crítica da economia capitalista e na crítica do Estado. De facto, quando o Estado e as empresas funcionam em torno do princípio geral de poder total dos "governantes sobre os governados" (como afirma o caríssimo Miguel Serras Pereira), então porque esse princípio seria condenável quando desenvolvido pelo mercado, mas já seria aceitável se estimulado pelo Estado? No final de contas, não estaremos a falar da mesma coisa?




«Com efeito, não só o Estado tem uma dimensão de classe como, ao mesmo tempo, a sua estrutura interna implica sempre a constituição de uma burocracia política (governo, parlamento, etc.), de uma tecnocracia (gestores e directores dos serviços de finanças, segurança social, ordenamento do território, etc.) e de corpos especializados de repressão para “manter a ordem”.


É porque o Estado é de alguns, e porque se organiza verticalmente, que tem de aparentar ser de todos. E enquanto existir a percepção de que o Estado seria de todos e que não seria imanentemente hierárquico, não é só o capitalismo que se mantém intacto, mas é a própria estrutura política do Estado que funciona como a válvula de escape para as dificuldades do dia-a-dia dos trabalhadores. Por conseguinte, o Estado mais não é do que uma empresa de coordenação logística e política das várias fracções das classes dominantes. Tal como hoje em dia o FMI, o BIS, o BCE, a OMC, etc. o são ainda mais à escala transnacional. Aliás, espanta-me os que à esquerda defendem acriticamente o Estado mas que se indignam com estas organizações internacionais, esquecendo que, em boa medida, elas são o desenvolvimento espacial óbvio e inevitável do modo de funcionamento hierárquico, unidireccional e de classe dos próprios Estados nacionais.

Contudo, como o Estado tem a aura de representação do interesse geral, e como correlativamente o Estado pretensamente tem os seus órgãos de poder eleitos, quase todos consideram o Estado como algo muito diferente das grandes empresas ou das instituições transnacionais. Não descarto diferenças, mas elas são fundamentalmente ideológicas e jurídico-políticas e não propriamente estruturais (modo de organização interno) e sociais (papel de coordenação das classes dominantes).

Por conseguinte, serão estas diferenças assim tão importantes para que à esquerda tenhamos de preferir impreterivelmente o Estado às instituições privadas? O Estado e as empresas partilham modos de funcionamento interno cada vez mais similares. Com o neoliberalismo, os critérios de rentabilidade típicos das empresas privadas expandiram-se de tal modo que empresas até há pouco tempo controladas ou com participação do Estado não alteraram o seu funcionamento depois das privatizações. Descontando as mudanças dos accionistas, o modo de funcionamento de uma PT, de uma EDP ou de uma Galp era, no fundamental, exactamente o mesmo que existe hoje. Ou seja, os critérios de rentabilidade económica e os princípios de hierarquização e de concentração do poder de gestão dos processos de trabalho são cada vez mais partilháveis por empresas e pelo Estado

O Estado e as empresas são dois braços de um mesmo corpo, não dois corpos autónomos».



2 comentários:

Pedro Viana disse...

Caro João,

Interpreto

"O Estado é, acima de tudo, uma estrutura que se relaciona com a tomada de decisões sobre o conjunto da sociedade dentro de determinadas fronteiras administrativas."

como querendo dizer que poderiam existir outras estruturas com o mesmo objectivo, mas de natureza diferente. Cabe então perguntar qual a natureza dessas outras estruturas possíveis e nomeá-las. Serão assim tão diferentes em termos de função? Parece-me uma via estéril optar pela negação da utilidade do (conceito de) Estado relativamente à crítica dos seus objectivos e estrutura.

Ainda, a ideia (mais ou menos implícita) de que uma qualquer estrutura de coordenação social num planeta que contém 6 mil milhões de pessoas, incluindo zonas, como megalópoles, com enormes densidades populacionais, pode dispensar uma tecnocracia parece-me absurda. E parecerá absurda a muitos mais. É que não só não há exemplos concretos, presentes ou históricos, de tal feito, como ainda por cima nem sequer há propostas minimamente coerentes nesse sentido. Nem sequer estamos a falar de utopias, mas antes dum salto de fé, de que alguém algures lembrar-se-à de algo, depois do que existe ser destruído. Não admira que este tipo de argumentação obtenha muitos, mas muito poucos aderentes. Quem está disposto a dar saltos no escuro?

Finalmente, é porque muitos Estados ainda diferem de empresas privadas, se em mais nada pelo menos nos resultados, que uma grande maioria das pessoas prefere, em muitos aspectos concretos da sua vida, interagir com o Estado e não com uma empresa privada. O facto dessa distinção estar a desaparecer, como bem dizes, não pode esconder que a diferença já foi maior, e poderá voltar a ser maior. E isso terá um impacto concreto na vida das pessoas, que estas consideram benéfico. Escamotear isso não credibiliza propriamenrte quem o faz, e dificilmente torna o ouvinte mais receptivo ao resto da mensagem.

Um abraço,

Pedro

menvp disse...

«Implosão das soberanias... ou o caos»
{a conversa dos «portugueses-do-prego»}
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-> Os «portugueses-do-prego» (leia-se, os portugueses que estão a colocar Portugal no prego) falam em despesa e mais despesa... NÃO ENQUADRADA na riqueza produzida... e depois:
1- vendem recursos estratégicos para a soberania... à alta-finança/capital-global;
2- depois de conduzirem o país em direcção à bancarrota... aparecem com a conversa já há muito esperada: «a implosão das soberanias... ou o caos» (federalismo...).
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Anexo:
O CONTRIBUINTE TEM QUE SE DAR AO TRABALHO!
-> Os lobbys que se consideram os donos da democracia - os 'CAVADORES DE BURACOS' -, com os seus infiltrados em todo o lado (sim, em todo o lado!), isolam e atacam todo e qualquer ministro que queira ser rigoroso, e que não lhes dê abébias para andar a 'cavar buracos' sem fim à vista... exemplos: BPN's, PPP's, SWAP's, etc.
- Obs. 1: Manuela Ferreira Leite (quando era ministra das finanças) quis impor algum rigor nas finanças públicas... consequência: os 'cavadores de buracos' puseram o país inteiro a cantarolar a cantiga «Há vida para além do deficit»;
- Obs 2: ao querer impor um certo rigor... o ministro das finanças Vítor Gaspar foi isolado (e atacado por todos os lados) pelos 'cavadores de buracos'.
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-> São raros os ministros que possuem a capacidade de resistência do ministro Vítor Gaspar... leia-se: O CONTRIBUINTE TEM DE AJUDAR A COMBATER OS LOBBYS QUE SE CONSIDERAM OS DONOS DA DEMOCRACIA!
-> Por um sistema menos permeável a lobbys, os políticos deverão ser obrigados a fazer uma gestão TRANSPARENTE para/perante cidadãos atentos... leia-se, temos de pensar em bons mecanismos de controlo... um exemplo: "O Direito ao Veto de quem paga" (vulgo contribuinte): ver blog 'fim-da-cidadania-infantil'.
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P.S.1.
Um erro numa folha de cálculo - num estudo que defende a implementação de medidas de austeridade - foi considerado pela comunicação social (nota: é controlada pela superclasse: alta finança - capital global) como um erro gravíssimo de consequências bíblicas.
Uma errata publicada posteriormente, que corrigiu alguns valores... mas que, todavia, no entanto, MANTEVE A CONCLUSÃO FINAL INTACTA... foi... ignorada pela pela comunicação social?!?!?!
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P.S.2.
Não é difícil de ver que as pensões de reforma são um «sistema piramidal» que carece de sustentabilidade...
As pensões de reforma dos bancários estavam numa situação pior: eram um sistema piramidal em ruptura acelerada... resultado: o sistema piramidal dos bancários (em ruptura acelerada) foi 'enfiado' ao contribuinte...
Obs 1: É preciso ter uma grande cara de pau: depois de ter 'enfiado' o sistema piramidal (em ruptura acelerada) ao contribuinte... o banqueiro Ricardo Salgado aparece com a conversa: «Corte nas reformas é terrível»!?!?!
Obs 2: Com Vítor Gaspar nas finanças, o sistema piramidal em causa não teria sido 'enfiado' ao contribuinte.