24/06/13

A situação no Brasil: ousar saber o que de melhor foi feito, para que a lucidez não venha a ser só póstuma

Tal pode ser uma maneira de entender a proposta do novo "retrato em movimento" que o Passa Palavra dedica à situação no Brasil, Uma nação em cólera: a revolta dos coxinhas. Leitura eminentemente recomendável, como espero que os seguintes excertos ajudem a mostrar:

No primeiro momento, o MPL-SP, ao tomar como tática as ações de rua e a luta de enfrentamento (em detrimento da via pacificadora da negociação sem luta), conseguiu realizar um feito histórico: pôs em xeque, à extrema-esquerda do espectro político, a engenharia conciliatória solidamente construída por todos estes anos de hegemonia petista no Brasil. Vale lembrar que, dias antes, mobilizações parecidas já haviam acontecido em algumas capitais brasileiras e obtido com isso significativos triunfos, como o caso dos jovens de Porto Alegre e Goiânia, que conseguiram revogar os aumentos de tarifa. Fora preciso que um jovem movimento social, livre dos vícios e do pragmatismo que congelou as organizações de luta da classe trabalhadora erguidas em outro ciclo histórico, desse um salto para fora do que convencionamos, nos últimos anos, ser uma metodologia consequente de ação política (em nome de supostos resultados), para que a estabilidade petista não se apresentasse tão estável assim. O MPL-SP demonstrou, inclusive para muitos profissionais da militância sindical, social e estudantil, que há alternativas, sim, à ação política hoje travada somente em conselhos, fóruns, audiências públicas, redes sociais e outras instâncias de produção de consenso ou de diluição de propostas.

(…)


Hoje, como já está devidamente divulgado pela imprensa de esquerda e as mídias sociais, está em curso um conjunto de protestos pelo Brasil afora, cada qual assumindo facetas e características bastante diferentes, mas que tendem para um processo de conservadorização bastante perigoso se não forem disputados. E agora, como reagir? Entre os meios da esquerda, um pouco tardiamente, mas enfim, instalou-se o dilema: saímos das ruas ou tomamos as ruas?

Entre os anticapitalistas convém levar em conta uma dupla movimentação que acontece neste momento. Parte da esquerda acredita estarmos na iminência de um golpe de Estado fascista ou coisa do tipo. Nós não iríamos tão longe. Não porque nossas elites mais retrógadas guardem preceitos democráticos ou humanistas, mas porque isso não seria feito sem muito derramamento de sangue, o que afastaria destas terras a estabilidade necessária para os negócios. Além do mais, o fascismo não necessariamente precisa consolidar-se como regime político quando ele está suficientemente distribuído na sociedade e nas ruas.
Por sua vez, a esquerda institucional que orbita em torno do PT, apesar de estar um tanto acuada neste exato momento, constitui um campo que deve sair desgastado eleitoralmente mas, por este mesmo motivo, prolonga a ilusão em torno de seu papel no seio da esquerda em geral. É que a histeria “estamos na iminência de um golpe” deverá produzir um discurso do tipo: “não ataquemos esse governo democrático-popular, é hora de TODA esquerda — sem distinções — se unir, não devemos fazer agitações políticas que aticem a sanha da direita raivosa”, como se pode ver aqui. Devemos sair às ruas com unidade para se defender do avanço direitista, o que é muito diferente de defender o governo de Dilma. Caso contrário, voltaremos à estaca zero, ao congelamento das nossas ações.

A rua, pois, é o lugar onde devemos estar, mas é o lugar de onde nunca deveríamos ter saído. Há anos que nossas siglas às vezes contêm mais letras do que militantes ou base social. Assim, a pura e simples manutenção das manifestações, se feita de forma irrefletida, pode representar inclusive um risco para a integridade física da parca militância de esquerda. Não temos condições de fazer frente, no corpo a corpo, às marchas ufanistas que deverão seguir pelas regiões centrais e mais higienizadas das cidades. Também seria um erro convocarmos atos em que defendêssemos o abstrato direito de estarmos nas ruas por sermos de partidos e organizações de esquerda. Procederíamos ao mesmo equívoco que criticamos nas manifestações teleguiadas pela mídia.

(…)


O relato da manifestação de São Paulo ocorrida na Av. Paulista nesta quinta-feira, 20 de junho, não pode ser outro senão a operação de empresários e a extrema-direita para desestabilizar o país inspirando-se nos lockout que ocorrem na Venezuela. Não se trata de luta, mas apenas da renovação das elites do poder e demonstração do poder das elites. Aqueles que acompanharam e participaram dos grandes atos contra o aumento da tarifa organizados pelo MPL sabem bem que essas ruas já não nos pertencem mais, como antes dos protestos não nos pertenciam. Há agora um duplo desafio e um novo campo de batalha a ser travado: localmente, regressar ao trabalho de base e intensificá-lo; e, nacionalmente, construir uma plataforma de luta prática, não ideológica.

Porém, neste momento já está sendo levada a cabo uma operação de deslegitimação do MPL. “Não foi só por 0,20 que saimos às ruas!”, exclama alguém no facebook na página do Movimento. Em outro lugar o chamavam de “vendido”. Ora, o objetivo dos atos era, sim, barrar o aumento e essa era a pauta única de reivindicação. O MPL não é nem se coloca como vanguarda das mudanças sociais. Uma campanha maior pela tarifa zero começa agora. E atos com uma massa amorfa em cólera não serão um bom espaço para reivindicar que o transporte seja de fato público.

A maioria dos críticos mais à esquerda também ignora as potencialidades das pautas do MPL. Se, por um lado, a luta para barrar o aumento da tarifa de transporte é parte de um momento mais amplo de acúmulo de força e discussão, por outro, a questão do transporte se relaciona ao acesso à cidade em sua integralidade, à ruptura das barreiras sociais impostas pela segregação geográfica que o sistema de transporte excludente ajuda a fortalecer. Cabe lembrar o papel central da mobilidade urbana assumido nas lutas sobre o transporte, cujo protagonismo cabe a um trabalho de quase 10 anos de organização, estudo e militância. Desta maneira, a bandeira levantada pelo MPL incide sobre o como se pensar a estruturação da cidade em moldes mais democráticos, questionando a própria estrutura de classe subjacente a este aspecto. Mas as coisas não param por aí: ao propor a tarifa zero como horizonte de luta, o MPL ao mesmo tempo também questiona implicitamente a própria existência de espaços e acessos privatizados, incidindo na discussão sobre os modelos de estruturação da sociedade como um todo.

Assim, posições que buscam associar o próprio MPL-SP a posições de direita, por supostamente já ser “semicoxinha” em sua base social, são uma tentativa caluniosa de esconder o fato óbvio de as pautas e demandas do MPL incidirem mais diretamente sobre a população mais precarizada e marginalizada, sem contudo, se restringirem a ela. Se isto não bastasse, tais insinuações não mencionam o fato de o movimento ter antigo e prolongado trabalho de base nas mais variadas escolas e bairros de São Paulo, sendo, portanto, a preocupação com os trabalhadores mais pobres um de seus temas mais relevantes.
Outra crítica digna de nota foram as tentativas de certa esquerda, tanto partidária como independente, que durante o crescimento da luta se esforçou por sequestrar o movimento para suas respectivas bandeiras partidárias, como as PECs, as reformas políticas, a não privatização, etc., bem como as vãs tentativa de minar a credibilidade do MPL-SP com alusões descabidas a um suposto abandono da luta diante de um suposto golpe militar em curso, imaturidade e irresponsabilidade políticas.

As correntes que assumem tais críticas revelam, contudo, um ressentimento guardado por não terem sido elas a conseguir esta vitória, que em seu aspecto mais relevante diz respeito às formas e métodos de organização da luta, pautado em princípios não autoritários, horizontais, apartidários e independentes.

Assim, é importante destacar a legitimidade alcançada pelo MPL-SP como movimento preferencial para estas lutas, que saiu reforçado em sua posição pelo êxito conseguido na sua última campanha de redução da tarifa, algo que não poderá mais ser ignorado por todo campo de esquerda, abrindo novos horizontes à organização da luta anticapitalista.

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2 comentários:

Anónimo disse...

" O proletariado foi uma classe revolucionaria ", Castoriadis,1968. Parece indiscutivel que o MPL tomou em mãos- de forma descentralizadora e plurifacetada ideologicamente - o avanço do contraditorio processo historico da luta de classes no Brazil. Os erros estrategicos clamorosos do PT podem vir a custar-lhe o poder: mais concessões `a burguesia predadora e affairista são da ordem do impensavel,prefigurando um harakiri socio-politico muito mais sinistro do que aquele que Cristina Kirchner anda a incentivar na Argentina. Niet

Anónimo disse...

O pior esta´ sempre para chegar! Os jornais Telegraph (UK) e Express(Be) - que grandes blogues relatam na Europa Central... - alertam hoje para uma nota confidencial do Mediobanca, o maior banco italiano, que adverte para o gravissimo risco( probabilidade) da Italia ter vir que recorrer a um plano de socorro, tipo Troika. Os sinais da crise economica italiana são arrepiantes, com os principais indicadores a cairem numa espiral aterradora. E a crise argentina pode empurrar o cenario...Niet