31/03/16

O PSD e os orgãos de soberania estrangeiros

O PSD votou contra as moções apresentadas no parlamento condenando a repressão em Angola, argumentando que são uma ingerência na justiça angolana:
Segundo Luís Montenegro, o PSD entende que os dois documentos que vão hoje a votos "fazem uma intromissão, uma ingerência numa decisão, concorde-se ou não se concorde com ela, de um órgão de soberania angolano" e vai votar contra por "razões de coerência".

No entanto (e pegando num regime aliás com grandes laços históricos com o regime de Eduardo do Santos), em tempos o PSD não teve qualquer problema em votar - e, na minha opinião, bem - a favor de uma moção que, entre outras coisas, apelava a que as autoridades cubanas libertassem todos os presos políticos em Cuba[pdf]. Pelos vistos o principio do respeito pelas decisões de órgãos de soberania estrangeiros é muito contingencial (e antes que se contra-argumente que é uma questão de o poder político não interferir com decisões dos tribunais, noto que de certeza que quase todos os presos políticos em Cuba o estarão ao abrigo da sentença de algum tribunal, nem que seja por crime de "desobediência").

Seria tentador dizer que o único partido coerente no respeito pelas decisões dos tribunais dos outros países é o PCP (que votou tanto contra as moções sobre Angola como contra a sobre Cuba), mas também não é o caso (afinal, nos tempos do apartheid sul-africano o PCP votava - e, de novo, na minha opinião, bem - a favor de moções contra execuções de condenados à morte na África do Sul).

29/03/16

Uma entrevista que abre Portas.

Portas abertas para uma compreensão daquilo que se está a passar na cidade de Lisboa. Portas abertas para que se possa perceber como fazer uma critica política, contundente, à actual gestão municipal, a partir de uma posição comum aos cidadãos que gostam de Lisboa. Uma posição fundada no amor pela cidade e pelo seu património.
Catarina Portas, denuncia a baixa de qualidade do executivo municipal - pessoas excelentíssimas, com certeza, empenhadas "para lá do que permite a força humana", mas o que está em causa são as opções e as acções concretas -  e o [nefasto] predomínio do urbanismo na gestão municipal. Isso em tese seria bom, mas trata-se da visão particular que o vereador Manuel Salgado tem do urbanismo. E isso pode não ser bom, a julgar pelas opções, como refere Catarina. Um urbanismo ao serviço do investimento turístico, que troca lojas históricas e património por hóteis. Uma opção que a prazo se revelará péssima para o turismo, como se sabe, de outros carnavais. Uma Lisboa que se irá esvaziar, ainda mais, de população, pese embora a "dinâmica" e a "competitividade" do afluxo de turistas, ao mesmo tempo que se liberta do seu carácter particular, adquirido ao longo de séculos. A cidade enquanto objecto de consumo num confronto desigual com a cidade enquanto território para  todos poderem viver.
Uma entrevista a ler obrigatoriamente, no Público.


28/03/16

As provas de aferição decididas escola a escola

Muita gente tem reclamado da decisão do Ministério da Educação de, neste ano, a decisão de realizar ou não provas de aferição ser facultativa para cada escola; curiosamente, muitos parecem-me ser os mesmos que por tudo e por nada reclamam de um suposto centralismo burocrático estalinista do Ministério da Educação.

Por isso cada vez mais me convenço de uma coisa: a conversa de ser contra o "centralismo" na educação não passa de código para defender o direito dos diretores das escolas contratarem e despedirem professores a seu bel-prazer (e, eventualmente, também poderem aceitar ou recusar alunos); afinal, os supostos defensores da descentralização só a parecem defender para contratações e matrículas, e em tudo o resto parecem ser sempre os maiores defensores de planos nacionais.

26/03/16

Marchar contra o medo, sim — mas só quando já não houver nada a temer

A "Marcha contra o Medo", marcada para domingo para assinalar os atentados na capital belga, foi desmarcada por razões de segurança, após um alerta das autoridades. "Entendemos o pedido. A segurança dos nossos cidadãos é uma absoluta prioridade. Juntamo-nos às autoridades e propomos um adiamento e pedimos aos cidadãos para não comparecerem neste domingo", disse a organização.
As autoridades belgas tinham pedido às pessoas para que não participassem na marcha por motivos de segurança, sugerindo que a iniciativa, realizada em resposta aos atentados de terça-feira, seja adiada por algumas semanas.

Dir-se-ia que a organização de uma "marcha contra o medo" nas ruas de Bruxelas só poderia ter por fim mostrar ao terrorismo islamita que há cidadãos que não admitem deixar de habitar a sua cidade e desertar as suas ruas em obediência às ameaças de morte que os agentes do referido terrorismo fazem pairar sobre as nossas cabeças. Dir-se-ia que, frente aos que não têm medo de morrer para matar, se torna necessário mostrar que existem cidadãos cujo apego à liberdade é mais forte do que o medo de morrer. Mas, aparentemente, não é assim: os organizadores da "marcha contra o medo" estão dispostos a adiá-la, acatando os conselhos das autoridades, até que não haja nada a temer. Assim, à discutível vitória da causa terrorista que foi a realização dos atentados, os organizadores capitulacionistas e as autoridades do reino da Bélgica somam uma vitória indiscutível do fascismo islâmico sobre o exercício da cidadania e as perspectivas de democratização que este poderia abrir — alvos por excelência do terrorismo islâmico.

O que terá mudado no PT entre Lula e Dilma?

Nada melhor do que escutar alguém que parece saber do que fala. Alguém que acompanhou de perto a ascensão política do PT, liderado por Lula da Silva, e que se afastou quando o Governo trocou o programa Fome Zero, que Frei Beto coordenava, pelo Bolsa Família. A troca de um programa emancipatório da pobreza, por um programa assistencialista. Uma opção funesta mas que corresponde a uma alteração política de fundo.
Uma explicação para a crise política actual, que não se pode encontrar apenas no carácter vil da direita brasileira - que não perdoa a Lula e ao PT, terem tirado 45 milhões de pessoas da miséria extrema - tão pouco no justicialismo do juiz Sérgio Moro, que não esconde as suas simpatias políticas e o seu desprezo pela separação de poderes, mas, sobretudo, nos erros cometidos pelo dirigentes do PT, com destaque para o próprio Lula e para Dilma. O PT evoluiu no sentido de ser um gestor do neoliberalismo na versão brasileira, como se viu com a aposta nos grandes eventos e nas mega-operações de deslocalização das populações mais desfavorecidas, para facilitar os projectos imobiliários com estádios dentro.
Um PT, como ele refere, que perdeu os seus três capitais simbólicos: "ser o partido da ética; ser o partido da organização política da classe trabalhadora; ser o partido das reformas estruturais"
Por isso Frei Beto defende que a operação Lava Jato não pode parar. O que não significa que possa continuar a utilizar o método da condenação à priori,  antes da acusação e do julgamento. Do mesmo modo que critica o refúgio de Lula no Governo, porque quem não deve não teme.
Não há uma corrupção boa, aquela em que os corruptos são os nossos amigos, os políticos de esquerda, os progressistas. A corrupção é um cancro que corrói a democracia e que contribui para aumentar e consolidar as desigualdades estruturais. Não há corruptos progressistas.




25/03/16

Quando Wolfgang Münchau se indigna com razão, mas se engana no diagnóstico do mal

Leio muitas vezes com interesse Wolfgang Münchau, apesar de os seus pressupostos fundamentais não serem os meus, e as suas reflexões sobre a questão europeia são, do meu ponto de vista, particularmente estimulantes. No entanto, quando ele escreve:

O acordo com a Turquia é o mais sórdido que eu já vi na política europeia moderna. No dia em que os líderes da UE assinaram o acordo, Recep Tayyip Erdogan, o presidente turco, revelou tudo: "A democracia, a liberdade e o Estado de direito... Para nós, essas palavras já não têm absolutamente nenhum valor." Naquele momento, o Conselho Europeu deveria ter terminado a conversa com Ahmet Davutoglu, o primeiro-ministro turco, e tê-lo mandado para casa. Mas, em vez disso, fez um acordo com ele - dinheiro e muito mais em troca de ajuda com a crise de refugiados 

creio que passa completamente ao lado da chã realidade e perde de vista o essencial. Com efeito, a oligarquia de políticos tecnocratas e de gestores que governa a UE é levada pelos seus interesses de classe próprios a subscrever sotto voce a declaração de Erdogan que justificadamente indigna Münchau,  por muito que oficialmente tenha de prestar uma homenagem cada vez mais ritualizada e vazia aos valores que Erdogan despreza. As liberdades constitucionais, o Estado de direito e os direitos de tradição democrática dos cidadãos são aos olhos do poder político — tanto oficial como efectivo — da oligarquia da UE pesos mortos do passado, consequências de situações adquiridas, resistências à modernização e à reorganização económicas, que, não se atrevendo de momento a eliminar de uma assentada, precisa de corroer e desgastar a fim de perseguir com a eficácia que desejaria máxima os seus objectivos. Assim, o que o acordo com a Turquia põe em evidência não é que o governo da UE tenha traído os seus propósitos, mas a convergência fundamental entre a sua ideia de bom governo e a ideia de bom governo de Erdogan. E não só, para piorar as coisas, todavia. O acordo revela também a ausência de cidadania activa e de vontade de democratização que se instalou na UE, a enorme regressão civilizacional que o crescente poder da economia política governante promove, sem provocar respostas ou propostas alternativas capazes de marcar a agenda, todos os dias. Um pouco mais, todos os dias.

18/03/16

As missas nas escolas

A respeito das notícias que algumas escolas públicas servem de palco à celebração de missas durante as aulas, "o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais admitiu (...) a realização de missas durante o horário letivo nas escolas públicas, caso estas não prejudicarem a atividade educativa".

A mim parece-me que, por definição, uma missa realizada dentro do horário letivo prejudica a atividade educativa (cada minuto de missa é menos um minuto a ensinar matéria curricular).

Já agora, não me parece que o problema maior seja a tal "discriminação e exclusão" de alguns alunos (que, por os pais não terem dado autorização para serem sujeitos à missa, ficarão numa sala aparte) - afinal, seria muito pior se o sistema fosse não-discriminatório e inclusivo, e todos os alunos tivessem que levar com a missa.

Revive la Commune!



Hoje, 145 anos após a proclamação da Comuna de Paris, o colectivo ROAR publicou o número um da sua revista, dedicada a esse evento: "Revive la Commune!". Inclui os artigos:

The Commune Lives, ROAR Collective
The Evolving Form of Freedom, George Katsiaficas
The Survival of the Paris Commune, Kristin Ross
Building Democracy without the State, Dilar Dirik
Decolonizing the Commune, Richard Pithouse
Pirates, Peasants and Proletarians, Joris Leverink
Self-Reproduction and the Oaxaca Commune, Barucha Peller
Reclaiming the American Commons, John Curl
The Disobedient City and the Stateless Nation, Kate Shea Baird
Venezuela: ¡Comuna o Nada!, George Ciccariello-Maher
The Political Form at Last Rediscovered, Jerome Roos

A edição está disponível, por inteiro para os assinantes, e parcialmente para o público em geral. Neste momento já estão disponíveis os artigos de Kristin Ross e de George Ciccariello-Maher, estando prevista a disponibilidade dos restantes ao ritmo de um por semana.

16/03/16

PODEMOS e o caudilhismo pablista

Desde os primórdios do aparecimento de PODEMOS, tive ocasião de alertar várias vezes para o facto de o "poder da gente" ser concebido por Pablo Iglesias e outros destacados militantes do "partido morado" não literalmente como forma de superação da distinção entre governantes e governados, através da participação igualitária dos homens e mulheres comuns nas responsabilidades do seu próprio governo, mas como mito legitimador da hierarquia interna de um partido apostado na conquista e reforço do poder de Estado. Esta estratégia política tem como cereja em cima do bolo um projecto de poder pessoal, caudilhista, do próprio Iglesias, como monarca esclarecido e superiormente inspirado, ad legibus solutus. Independentemente dos acertos ou desacertos tácticos imediatos das suas intervenções na arena parlamentar e das negociações interpartidárias em curso, todas elas e todas as peripécias correspondentes confirmam a coerência de um tal projecto de absolutismo. Uma vez que uma busca neste blogue dos termos "pablismo", "Iglesias", "PODEMOS" e afins permitirá ao leitor interessado (re)tomar conhecimento dos meus alertas sobre os equívocos do partido morado, limito-me hoje a deixar aqui alguns excertos de uma crónica de  Juan Carlos Escudier que põe sobejamente em evidência a incompatibilidade do "pablismo" tanto com o "poder da gente" como com a democracia interna do movimento que dele se reclama, ao mesmo tempo que blinda uma lógica hierárquica — classista e estatal — em tudo oposta a quaisquer reivindicações verosímeis de democratização das instituições.

La I Epístola de Pablo a los militantes ha resultado toda una premonición de lo que vendría después. La carta venía con truco porque entre el “os quiero” del líder, su canto a la belleza del proyecto y su exaltación de los besos y los abrazos de la dirigencia ya estaba encriptada la guillotina que se aplicaría después al secretario de Organización, Sergio Pascual: “Del mismo modo que un gobernante debe tomar decisiones difíciles, a veces un secretario general también debe hacerlo”, se explicaba en la carta. En medio del silencio atronador en las redes sociales de todo el partido, por lo común tan dicharachero, Pascual juraba haberse dejado la piel en los dos últimos años poco después de ser descabezado. De película de miedo, vaya.

(…)

El partido que imagina Iglesias en su epístola, esa marea de voces plurales donde no caben “corrientes ni facciones que compitan por el control de los aparatos y los recursos”, donde se toman decisiones duras “sin traicionarnos” y en el que se discute de todo sin que sus órganos se transformen en “campos de batalla”, simplemente, no existe. Es bueno además que así sea, salvo que se pretenda enmascarar con falsos debates el poder omnímodo del líder. Por mucho que se edulcore, las ideas también compiten y tratan de imponerse. Y con ellas, las personas que las defienden. En toda organización humana hay afinidades, alianzas, divisiones, recelos y odios. Sólo la administración de esas fuerzas, la aceptación de unas reglas de convivencia, garantiza cierto éxito. Lo demás, es simple palabrería.

(…)

Otra cosa son las maneras, la nocturnidad y hasta el tono del comunicado, que incluye un nos mayestático del secretario general – agradecemos el buen trabajo realizado- y una incomprensible referencia a que el defenestrado mantendrá su condición de diputado, algo que escapa por completo a las atribuciones del líder de Podemos tratándose de un cargo electo. ¿Dónde estaban anoche, por cierto, esa “marea de voces plurales” que debaten sobre todo? ¿No tenían nada que decir sobre la suerte de Pascual?

(…)

Otro Pablo, el de Tarso, envió supuestamente una carta similar a los habitantes de Colosas, en Asia Menor, para afearles su conducta. El apóstol había montado en cólera porque la comunidad local se dejaba influir por cierto predicadores que se habían atrevido a sugerir la existencia de poderes intermedios entre Dios y los hombres, por encima del propio Cristo. Tamaña herejía merecía una reprimenda semejante a los que sostienen que existen dos Podemos, uno domesticado y otro radical. “No se lo pongamos fácil y respondamos con la belleza y la dignidad que nos es propia”, proponía Iglesias”. A ver qué dice Errejón cuando vuelva de Siberia.

14/03/16

Protesto contra o encerramento dos Arquivos Lukács pela Academia das Ciências da Hungria

Os abaixo-assinados expressamos nossa preocupação ante a decisão de fechar o Arquivo Lukács. György Lukács é um dos filósofos mais importantes do século XX, intelectual de destaque nos âmbitos da filosofia política, da teoria e crítica literárias, da sociologia e da ética, além de um dos maiores ensaístas da contemporaneidade. Figura internacionalmente reconhecida, Lukács é um dos pontos mais elevados na história da rica cultura húngara, já que é o autor de uma série de obras que se integraram ao patrimônio vivo da humanidade.

O Arquivo Lukács não apenas tornou possível, durante décadas, um amplo que um amplo público acadêmico e extra-acadêmico tivesse acesso à documentação central sobre a vida e a obra do filósofo, além do que funcionou como lugar histórico, espaço de recordação de uma das figuras mais fascinantes de nossa era. Por todo o dito, queríamos solicitar, às autoridades devidas, que revisem esta medida que foi recebida com preocupação e tristeza pela comunidade científica e artística internacional.

(Para subscrever o abaixo-assinado, clicar aqui.)

10/03/16

Da sacralização e da veneração atenta e obrigada/obrigatória dos discursos presidenciais

Ontem li um apelo de Hans Küng ao Papa, reclamando que este dessacralize aquilo que possa dizer ainda que ex cathedra e ponha fim à doutrina da infalibilidade papal. Por cá, em contrapartida, assisto com pasmo a uma autêntica campanha favorável, senão a que se decrete a infalibilidade do PR,  pelo menos à sacralização e veneração constitucionais da sua figura. Pessoalmente, não me aquece nem arrefece que os deputados do PCP, dos Verdes e do BE não tenham aplaudido o discurso de tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa na AR. E também não estou interessado em pronunciar-me sobre a sua habilidade política ou falta dela. Mas, ao contrário do camarada José Guinote, não considero uma falta de educação não se aplaudir um discurso com o qual não se concorda, MORMEMTE quando quem o pronuncia é um Chefe de Estado. É verdade que a leitura do José Guinote não equivale a um desígnio de sacralização e veneração atenta e obrigada/obrigatória dos discursos presidenciais. O caso, porém, muda de figura quando outros escrevem, por exemplo, como faz Luís Menezes Leitão, que a atitude dos deputados referidos os coloca no exterior do regime e da sua legitimidade. Trata-se, é claro, de um catedrático disparate, ainda que, provavelmente, tal aura heróica e "anti-sistema" não desagrade à demagogia que os partidos recém-chegados ao arco da governação não desdenham cultivar. Mas dizer que se trata de um disparate catedrático não nos deve cegar ao facto de o desígnio de sacralização da figura do Chefe de Estado ser solidário de outro, bastante inquietante e transparente. Trata-se, com efeito, de negar a legitimidade democrática às posições que contestam, não esta ou aquela medida do governo ou da AR, mas a natureza do regime (oligárquico, ainda que liberal) que nos governa e as suas instituições emblemáticas.

09/03/16

Cavaco. O último dia de uma longa carreira

Saí hoje de cena uma das personagens marcantes da  política portuguesa ao longo dos últimos trinta anos. Uma personagem que tendo sido político a tempo inteiro sempre recusou assumir essa sua actividade, recorrendo ao seu estatuto de Professor e de economista do Banco de Portugal.
Sai de cena e deixa poucas saudades. Enquanto primeiro ministro foi o responsável pelas orientações dadas ao País no período pós adesão à Comunidade Económica Europeia e ao Euro. É  o homem da aposta no betão e no desprezo pelos factores imateriais do desenvolvimento. É o homem do desmantelamento da nossa frota pesqueira e do abandono da agricultura. Foi o principal defensor do "Portugal-bom-aluno", que inaugurou uma posição subserviente em Bruxelas.
Posteriormente, já como Presidente da República, é o homem da adesão entusiástica às políticas austeritárias da Comissão Europeia. É o homem que idolatra os Mercados e aconselha a uma posição cautelosa[ uma posição medrosa] face aos humores dos Mercados. É o homem que, à revelia do que a sua vaga costela social-democrata ditaria, assiste, impávido e sereno, ao aumento brutal da desigualdade entre os seus cidadãos e ao regresso do assistencialismo legitimador dessa desigualdade.
Nas duas funções cultivou amizades que se revelaram danosas para as finanças públicas e para a saúde financeira do Estado. Amizades que actuaram como predadores do sistema financeiro e que, no BPN, no BES e no BANIF, lesaram a coisa pública em dezenas de milhares de milhões de euros. Mais ou menos impunemente.
Foi, sempre, um Presidente distante, afastado dos seus concidadãos , progressivamente menos estimado por todos eles,
Por tudo isso não merece um outro lugar na história além daquele que deve ser reservado aos que se situaram no lado errado, no lado dos que negam um futuro de progresso e de solidariedade à maioria dos seus cidadãos.
Marcelo chega agora e, facilmente, será melhor e mais justo. Capaz de ajudar a alterar a posição de Portugal no contexto europeu.
É um novo ciclo que se abre, mesmo que com velhos protagonistas.

PS- O BE e o PCP deviam ter vergonha pelo comportamento mal educado que os seus deputados adoptaram na tomada de posse de Marcelo. Velhos tiques. A menos que o silêncio fosse justificado pela responsabilidade que reconhecem ter tido na sua eleição.

08/03/16

O que NÃO aconteceu a 8 de março

Não houve nenhuma greve de operárias textéis que tenham sido aprisionadas na fábrica e queimadas vivas.

Já agora, algumas coisas que realmente aconteceram (embora nenhuma neste dia):

Em 1909 houve um protesto espontâneo das operárias da Triangle Shirtwaist Factory em Nova Iorque (que saíram da fábrica contestando qualquer coisa - ignoro qual o motivo inicial da revolta); esse protesto inicial nem teve muita expressão direta, mas quando as noticiais chegaram às outras fábricas foi declarada uma greve geral das operárias téxteis novaiorquinas, que durou de novembro de 1909 a fevereiro de 1910.

Em 27 de fevereiro de 1910, em Nova Iorque, celebrou-se um "Dia Internacional da Mulher",  organizada pelas mulheres do Partido Socialista, e com a participação das organizações que lutavam pelo direito de voto das mulheres (essa manifestação possivelmente teve a participação de muitas das mulheres que tinha estado em greve até há poucos dias).

A 23 de março de 1911 houve um incêndio na Triangle Shirtwaist Factory em que muitas trabalhadoras (123, e mais 23 trabalhadores) morreram, e parte do número tão elevado de mortes foi porque a fábrica mantinha as portas trancadas (segundo algumas versões, para impedir os trabalhadores de se esquivarem ao trabalho.


Com o aparecimentos dos mails e do facebook, esses 3 eventos (e mais outros lendários, como outra greve que teria havido em 1857) juntaram-se numa única história, transmitida em cadeia todos os anos, no dia de hoje ("Trabalhadoras em greve tentaram sair da fábrica, mas os patrões fecharam as portas e queimaram-nas lá dentro").

05/03/16

Eleições irlandesas - finalmente os resultados

Ao fim de vários dias, finalmente foram eleitos todos os deputados irlandeses (o sistema eleitoral deles é peculiar):

Fine Gael (direita, governo) - 50 deputados
Fianna Faíl (direita, oposição) - 44
Independentes/Outros - 18
Sinn Fein (esquerda) - 23
Partido Trabalhista (centro-esquerda, governo) - 7
Aliança AntiAusteridade / Pessoas Antes do Lucro (esquerda) - 6

Independentes pela Mudança (esquerda) - 4
Sociais-Democratas (centro-esquerda, oposição) - 3
Verdes (centro-esquerda, oposição) - 2
Ação dos Trabalhadores e Desempregados (esquerda) - 1

Ao contrário dos outros países entroikados, aqui a direita conseguiu a maioria (pelo menos 94 deputados em 158), provavelmente graças a ter um partido no governo e outro na oposição. Somando Sinn Fein, a Aliança AntiAusteridade / Pessoas Antes do Lucro, os Independentes pela Mudança e a Acção dos Trabalhadores e Desempregados, a esquerda anti-austeridade conseguiu pelo menos 34 deputados (seria o equivalente ao Bloco e à CDU terem eleito 49 deputados em 230, em vez de 36 - mas aqui a diferença é capaz de ser mais o sistema eleitoral, que permite que os votos nos pequenos partidos não sejam desperdiçados).

04/03/16

Os Concursos Públicos.

Os concursos públicos são uma das garantias - ténue, é um facto - de que o Estado, nas suas aquisições de bens e serviços e nas nomeações a que está obrigado, para garantir o seu funcionamento, segue padrões razoáveis - falar em elevados seria manifestamente excessivo - de transparência e adopta prácticas que diminuem a corrupção e o tráfico de influências.
Vem isto a propósito da argumentação, por interposto jornalista, entre o deputado José Soeiro - do BE - e o recém-nomeado gestor do CCB, Elísio Summavielle, sobre Concursos Públicos.
Na origem da dita está a demissão abrutalhada -para dizer o mínimo - do engenheiro* António Lamas, presidente do CCB, pelo novo ministro da Cultura, João Soares.
O BE, dentro do estilo que o caracteriza nesta fase, concorda com uma parte da posição do Governo e discorda da outra.  Acha José Soeiro que a não aprovação do Plano Estratégico Ajuda-Belém valida a decisão do ministro de correr com Lamas. Correr é a palavra adequada, atendendo ao  tempo e ao modo. Uma interpretação curiosa, esta do deputado José Soeiro. Qualquer dirigente a quem um Governo solicite a elaboração de um Plano para a gestão de uma área da cidade, de um equipamento cultural ou da relação entre uma área da cidade e os equipamentos nela existentes, passa a saber que, caso o resultado não agrade ao Governo, será naturalmente demitido. Ou melhor, corrido com o máximo estardalhaço, no modus operandi de João Soares. Para tornar factos como este insusceptíveis de serem notícia, José Soeiro, propõe que "a nomeação do sucessor de Lamas só deveria acontecer depois de estar definido um novo Plano Estratégico. E a seguir deveria ser aberto, no seu entender, um concurso público internacional para escolha do gestor que pudesse "dar corpo" a esse plano, implementando-o". Mas, Soeiro não esclarece, quem iria elaborar esse Plano? E um concurso Público Internacional significaria que na Administração Pública Portuguesa ou mesmo fora dela, seria impossível encontrar alguém qualificado? Os outros países europeus também recorrem a concursos internacionais para escolherem os seus gestores públicos?

Enquanto não se clarificam as razões que levaram José Soeiro a fazer esta proposta, regista-se o comentário que elas mereceram no agora nomeado Elísio Summavielle. "Essas ideias são politicamente corretas mas politicamente iníquas". "Acho que há um grande concurso público que são as eleições e os resultados obtidos", acrescentou. "Sou funcionário público há 35 anos e tenho as maiores reservas aos concursos públicos. As equipas devem ser da escolha de quem lidera."
Esta ideia das eleições enquanto "grande concurso público" são uma contribuição teórica de grande valor dado pelo novo gestor do CCB. De acordo com esta "teoria política", nas eleições o povo decide atribuir ao vencedor o direito a escolher quem muito bem quiser para os lugares públicos e, presume-se, a desrespeitar o que a Lei determina sobre a disciplina aplicável quer à contratação pública quer aos procedimentos que são aplicáveis à nomeação de pessoal dirigente. Ficaria assim definitivamente arrumado o eterno conflito que coloca frente a frente, de um lado, a necessidade de despartidarizar a Administração Pública e, do outro, a necessidade de ter a gerir projectos políticos relevantes, para um dado Governo, pessoas que estejam em sintonia com esse Governo, e com as quais exista uma relação de confiança política.

Diga-se que este eterno conflito tem sido resolvido, por sucessivos Governos, com prejuízo da componente da despartidarização da Administração Pública, mais Cresap ou menos Cresap.
Mais grave ainda é o facto de em termos de contratação pública os sucessivos Governos terem legislado de forma a que a excepção aos concursos públicos passasse a ser a regra. Refiro-me aos ajustes directos. Esta é a forma pela qual a Administração Pública preferencialmente adquire os serviços. Trata-se de um poder atribuído - desde o Presidente de uma Câmara, passando por qualquer dirigente intermédio da Administração - de determinar a quem é que se vai adjudicar este ou aquele serviço, pagando o limite que a lei permite, invocando, em noventa e nove por cento dos casos, como razão para essa opção, o facto de não se encontrar ninguém com capacidade para efectuar esse fornecimento ou prestar esse serviço. Uma mentira na quase totalidade dos noventa e nove por cento dos casos. Entre a esquerda antiga [antes de Costa], a direita radical de Passos e Portas, a Troika e a esquerda nova [de Costa, Catarina e Jerónimo] ninguém colocou um ponto final nesta porcaria. Com a "teoria Summavielle" ela tenderá a tornar-se numa "Teoria Universal" dispensando justificações de ocasião.


* - refiro aqui  a profissão de António Lamas porque, por razões que desconheço, mas das quais suspeito, os jornalistas passaram a referir-se ao homem como Dr.