Leio muitas vezes com interesse Wolfgang Münchau, apesar de os seus pressupostos fundamentais não serem os meus, e as suas reflexões sobre a questão europeia são, do meu ponto de vista, particularmente estimulantes. No entanto, quando ele escreve:
O acordo com a Turquia é o mais sórdido que eu já vi na política europeia moderna. No dia em que os líderes da UE assinaram o acordo, Recep Tayyip Erdogan, o presidente turco, revelou tudo: "A democracia, a liberdade e o Estado de direito... Para nós, essas palavras já não têm absolutamente nenhum valor." Naquele momento, o Conselho Europeu deveria ter terminado a conversa com Ahmet Davutoglu, o primeiro-ministro turco, e tê-lo mandado para casa. Mas, em vez disso, fez um acordo com ele - dinheiro e muito mais em troca de ajuda com a crise de refugiados
creio que passa completamente ao lado da chã realidade e perde de vista o essencial. Com efeito, a oligarquia de políticos tecnocratas e de gestores que governa a UE é levada pelos seus interesses de classe próprios a subscrever sotto voce a declaração de Erdogan que justificadamente indigna Münchau, por muito que oficialmente tenha de prestar uma homenagem cada vez mais ritualizada e vazia aos valores que Erdogan despreza. As liberdades constitucionais, o Estado de direito e os direitos de tradição democrática dos cidadãos são aos olhos do poder político — tanto oficial como efectivo — da oligarquia da UE pesos mortos do passado, consequências de situações adquiridas, resistências à modernização e à reorganização económicas, que, não se atrevendo de momento a eliminar de uma assentada, precisa de corroer e desgastar a fim de perseguir com a eficácia que desejaria máxima os seus objectivos. Assim, o que o acordo com a Turquia põe em evidência não é que o governo da UE tenha traído os seus propósitos, mas a convergência fundamental entre a sua ideia de bom governo e a ideia de bom governo de Erdogan. E não só, para piorar as coisas, todavia. O acordo revela também a ausência de cidadania activa e de vontade de democratização que se instalou na UE, a enorme regressão civilizacional que o crescente poder da economia política governante promove, sem provocar respostas ou propostas alternativas capazes de marcar a agenda, todos os dias. Um pouco mais, todos os dias.
25/03/16
Quando Wolfgang Münchau se indigna com razão, mas se engana no diagnóstico do mal
por
Miguel Serras Pereira
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1 comentários:
Saiu hoje ujma entrevista em Istambul com Tariq Ali - ao diário BirGun - em que ele sinaliza que, o estado-maior da Nato, caso o plano de contenção dos refugiados falhar, vai impelir o exército turco a afastar Erdogan. E diz mais:as referências e citações de Erdogan vão de Hitler a GW. Bush; e vitupera a politica de terra queimada de Erdogan contra a minoria curda, pois, no seu entender," só favorece os extremistas do TAK e do Isis, acabando por enfraquecer os planos de reconciliação promovidos pelo partido curdo moderado HDP".Tarik Ali mostra-se muito céptico sobre as possibilidades de êxito do plano da União Europeia e da Nato para a contenção dos fluxos de refugiados no Mediterrâneo, pois, diz, a politica de duplicidade é sempre perdedora. Niet
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