O resultado das eleições e as questões que eles colocam foram rapidamente ignorados face ao clamor provocado pela atitude politica de Jean-Luc Mélenchon, o líder da França Insubmissa, que recusou declarar o apoio a Macron na segunda volta. Aquilo que o Le Monde, em editorial, classifica como uma perigosa posição nii-ni » de M. Mélenchon .
Mélenchon entendeu dever consultar os seus eleitores, mais de 7 milhões, que lhe deram uma dimensão eleitoral que o torna relevante para uma solução à esquerda no contexto francês e europeu. Parece que o líder dos insubmissos não foi capaz de perceber politicamente o que se estava a passar e a dimensão das responsabilidades politicas que os quase 20% de votos lhe atribuem. Ainda ontem veio esclarecer que não iria apelar ao voto em Macron sendo certo que em Le Pen nunca votaria nem recomendaria que nela votassem.
Esta posição não impediu que Le Pen fizesse uma sistemática campanha de apelo aos insubmissos e tenha passado os últimos dias a salientar aquilo que os une. A parte que conseguir captar dos 7 milhões de votantes nos insubmissos pode ser decisiva, para ser ela a vencer as eleições. Entretanto já juntou mais cerca de 5% dos eleitores através da escolha do líder do movimento Debout la France para seu primeiro-ministro.
Este aproveitamento politico de Le Pen só está a ser possível pela posição equívoca de Mélenchon. Parece que o velho politico não é capaz de perceber que aquilo que está em questão é um conflito entre quem defende ideais fascistas e quem é, como já várias vezes dissemos, um defensor do satatus quo neoliberal que domina a Europa e cujas propostas passam quase todas pela agudização das condições de desigualdade que caracterizam a sociedade francesa.
Para derrotar Le Pen e enfraquecer desde já a posição de Macron condicionando a sua governação pela esquerda, Mélenchon tem que ser claro e não alimentar equívocos. Tem que colocar a derrota de Le Pen como primeira prioridade e apostar forte nas eleições que se seguem.
A tese dominante, do lado dos que tendem a simpatizar com a posição do líder dos insubmissos, é a de que a vitória de Macron adia Le Pen por cinco anos, mas não resolve nenhum dos problemas com que os franceses e os europeus se deparam. Esta tese já aqui a tinha defendido quando escrevi sobre a importância de haver um candidato de esquerda na segunda volta das eleições. Os resultados mostraram que caso Mélenchon e Hamon tivessem uma candidatura única não seria Macron a defrontar Le Pen. Mas essa unidade foi impossível, por razões que já foram amplamente debatidas. A geringonça em França - ou uma versão da coisa - não podia ser construída sobre os resultados eleitorais tem que ser feita antes das eleições.
Parece um profundo disparate uma opção justificada pela vontade de evitar que Le Pen chegue ao poder daqui a cinco anos mas que na práctica contribui para que ela conquiste o poder já.
Este facto tem sido, naturalmente, aproveitado pela direita e pelos socialistas mais identificados com a situação, em França, como aqui em Portugal, que não param de salientar a semelhança entre os extremos. Muitos deles viverão confortavelmente sob o domínio de Le Pen, até porque muitos deles não serão nunca capazes de admitir que tem sido o neoliberalismo e os seus defensores a alimentar os nacionalismos e os movimentos que visam desagregar a União Europeia. O Le Monde já veio desmascarar essas supostas semelhanças. Há sobretudo diferenças e alguns pontos de contacto. Mas o que cega Mélenchon é a sua obsessão com a destruição dos socialistas mais do que qualquer outro objectivo político. Acha ele que o PSF poderá recuperar se Macron ganhar e que isso não irá acontecer no caso de a vitória sorrir a Le Pen.
Que outra explicação podemos dar para perceber a atitude de um politico experiente que sabe melhor que ninguém o significado político de uma vitória dos fascistas de Le Pen? Confundir isso com uma vitória de um politico de direita, que não governará mais à direita que Hollande ou que Sarkozy, é uma manifestação de cegueira politica e não augura nada de bom.
29/04/17
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5 comentários:
O Le Monde é um jornal hoje ultra-liberal que apoia Macron desde a primeira hora da sua " aparicäo " pública com o lancamento do movimento " En Marche ",há cerca de um ano. Tem ainda muitos recursos económicos e conseguiu estancar a " fuga " de grandes jornalistas escaldados com o processo de expulsäo de Aude Lancelin do Nouvel Obs, outro dos antigos titulos prestigiosos do Grupo, que fez correr rios de tinta por ter sido um inqualificável processo de saneamento e censura politica levado a cabo pelo triunvirato de managers que controlam a maioria do capital social . O Obs vive uma agonia assustadora e, mesmo no diário vespertino, as coisas podem-se tornar muito incontroláveis se os planos de rentabilizacäo e economia agravarem o ambiente em pé-de-guerra que se vive no quotidiano da redaccäo...Mas,claro, ainda há um surplus de isencäo e ideologia democrática nas páginas do Le Monde, quando a generalidade dos seus concorrentes - La Pariseen, Les Echos e o Le Figaro-é controlada pelos próceres e valetes do partido()s da Direita. Isencäo comprovada só se pode encontrar nas páginas do Libération e da revista Politis,para lá da TV da France Insoumise no Youtube, mas existe também ainda uma miriade de tv´s por cabo muito dinâmicas e de alta qualidade. Justamente no Libé On Line deste week-end surge uma entrevista muito importante com Thomas Piketty, de apoio a Macron...por razöes tácticas:"Quanto maior for o score de Macron na segunda volta, mais se torna evidente que näo foi o seu programa que venceu, mas a extrema-direita que foi derrotada ",frisa. Piketty diz que Macron parece ser o candidato do" status quo" de Bruxelas," o que é um impasse",pois pode contrariar as indispensáveis alteracöes de Justica Fiscal e Social que urge implementar. Niet
Meu caro Niet, aqui chegados, com Le Pen e Macron frente a frente, não há a possibilidade de escolher e de votar num candidato de esquerda e que defenda uma Europa dos cidadãos e do progresso. Macron é o que é, um politico de direita, situacionista, um outro Manuel Valls.
Mas a análise de Piketty que aqui traz é, para mim, de uma clara limpidez. Votar em Macron tem razões que passam em primeiro lugar por derrotar os fascistas da Frente Nacional. Claro que a direita sózinha não o consegue fazer. Eu acho que Mélenchon devia desde o primeiro momento valorizado o seu extraordinário resultado mobilizando cada um dos seus votantes para derrotarem Le Pen. Teria sido um posicionamento politico inatacável.
A vitória de Macron não coloca a França do lado dos que defendem uma mudança na politica europeia. Infelizmente. Isso apenas seria possível com uma união das esquerdas. Mas o impasse que tenderá a arrastar por cinco anos é um quadro politico mais ou menos favorável do que ter Le Pen no comando, desde já?
Carissimo: Mélenchon foi ontem ao jornal da noite da TF1 e reclamou a Macron que revogasse os principios da sua futura Lei do Trabalho, de forma a que os adeptos da
France Insoumise pudessem votar nele na segunda volta. Tudo enunciado com muito fairplay e de forma cristalina. Entretanto, surgem sketches medonhos e manipulados na Net pelo partido da Le Pen e o clima de confrontacäo politica está ao rubro, mas Macron mantém altas cotas nas sondagens. JL. Borloo, um advogado de negócios muito conceituado centrista e liberal associado a Tapie,anunciou o seu apoio e colaboracäo total a Macron. O republicano Le Maire também
declarou apoio ao lider do En Marche, o que perfaz com Villepin, Juppé, Sarkozy, Fillon e Copé, as tendências do novo partido gaulista e liberal na totalidade sintonizadas com o antigo minisro da Economia. Salut! Niet
Essa posição do líder da França Insubmissa é ou não entendida como um pretexto para não declarar o apoio a Macron, o que é diferente de aprovar a politica de Macron? É que a Lei do Trabalho de Macron é uma aberração da dimensão do que Valls defendeu e praticou no governo de Hollande. Esse combate pode ou não ser feito depois das eleições? Afinal Macron sem partido vai ter que governar com apoios vários e não poderá esquecer quem o elegeu. Uma brutal viragem à direita de Macron criará ainda melhores condições para a esquerda.
Justamente, Macron está em vias de construir um partido com os elementos mais dinâmicos e empertigados do PS, do LR, do MODEM, and so on. Directa ou encapotadamente para näo ferir sensibilidades. Aliàs, a adesäo de Borloo- elemento de topo da mouvance centrista - é sintomática: ofereceu-se de alma e coracäo com disponibilidade total para todo o servico.E é relevante o facto de ser um rival de Bayrou, o que nos revela o enorme e desaustinado sucesso que a figura de Macron está a suscitar no seio das franjas mais aguerridas e iconoclastas do centro e da direita francesas. Mélenchon deve ir organizar o processo das legislativas no seu movimento e, por isso,veio a terreiro delimitar o campo das futuras manobras eleitorais resgatando uma alteracäo significativa no dispositivo estratégico de Macron.
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