11/04/17

"Fake news": um não-assunto

De há uns tempos para cá, tornou-se moda dizer que as fake news difundidas pelas redes sociais foram respnsáveis pelo Brexit, pela vitória de Trump ou até que estarão a por em perigo a democracia (!).

Mas haverá alguma evidência disso? Há várias razões que me levam a pensar que a influência das fake news não passa, ela própria, de uma fake new.

Em primeiro lugar, quase não há qualquer indicio sólido que "fake news" terão afetado os resultados, do género "no dia X começou a ser partilhada a falsa história Y sobre Hillary Clinton, e nos dias a seguir todos os agregadores de sondagens mostraram um subida das intenções de voto em Trump"; em segundo lugar, quase não há referências a "fake news" concretas que possam ter afetado o resultado (durante a campanha, o que mais se falava era dos e-mails de John Podesta e do DNC divulgados pelo Wikileaks e da investigação do FBI - por mais polémicos que esses assuntos sejam, não eram "fake") - o mais parecido será o "pizzagate", que praticamente só começou a circular depois das eleições; em terceiro lugar, praticamente só se começou a falar em "fake news" após as eleições (dados do Google Trends):


Há efetivamente um pequeno aumento nos dias antes das eleições (nesses dias começaram a surgir noticias de que a cidade macedónia de Veles viveria de produzir fake news), mas o conceito só começa a receber atenção depois das eleições (e os artigos da wikipedia sobre o assunto só foram criados ou re-criados cerca de uma semana a seguir às eleições), o que indicia uma justificação criada à posteriori, não algo que tenha mesmo tido um impacto visível durante a campanha; durante a campanha, e mesmo nos dias a seguir às eleições, as criticas dos apoiantes de Clinton - p.ex., os artigos de Paul Krugman - dirigiam-se sobretudo à decisão do FBI de reabrir o inquérito ao caso do e-mail e apresentavam isso até como a causa da vitória de Trump; só depois é que se lembraram da história das fake news (talvez por a partir daí a estratégia dominante entre os Clintonistas ter passado a ser procurar uma aliança com o deep state contra Trump, logo tiveram que arranjar outra alvo que não o FBI).

E, de qualquer maneira, se olharmos para os movimentos das sondagens, são perfeitamente explicáveis sem precisarmos de ir buscar a explicação "fake news" - primeiro Hillary apresentava uma pequena vantagem sobre Trump (da ordem dos 3 pontos percentuais), depois quando foi a história do "grab them by the pussy" a vantagem ampliou-se, e depois reduziu-se quando do anúncio do reinicio da investigação do FBI; no final, Clinton ficou à frente por 2 pontos percentuais, mais ou menos o que as sondagem previam, pelo que o resultado final pode ser perfeitamente explicado com base na sucessões de histórias verdadeiras (umas mais favoráveis a Clinton, outras a Trump) que foram sendo divulgadas durante a campanha.

Finalmente, em quarto lugar, o que me parece ser o argumento definitivo - quer o Brexit, quer a votação em Trump, quer a votação na extrema-direita europeia (veja-se as eleições austríacas na mesma altura) tiveram o seu pico de apoio entre as pessoas mais velhas e nas zonas rurais e pequenas cidades; exatamente as mesmas que é suposto passarem menos tempo na internet (pela demografia, imagina-se mais facilmente o típico eleitor de Trump ou de Hofer no café do bairro a queixar-se que "os miúdos de hoje estão sempre agarrados à máquina e já não fazem desporto nem convivem" do que no Facebook até às 3 da manhã a partilhar links) - note-se que no caso de Brexit poderia efetivamente ser argumentado que os votantes pela saída serão os que mais lêem tablóides, mas não é esse ângulo de crítica às "fake news" que mais tem sido feito (o alvo é a internet e as redes sociais, não a imprensa sensacionalista).

Para justificar a teoria das "fake news", por vezes vêm-se com argumentos do estilo "uma grande percentagem dos eleitores de Trump acredita que..." (qualquer absurda ou escabrosa), mas isso não distingue causa e efeito: essas pessoas apoiam Trump porque acreditam em montes de coisas muito provavelmente falsas? Ou são as suas simpatias ideológicas pre-existentes que os levam a votar Trump, por um lado, e a ser fãs do Infowars, por outro?

Portanto, de onde é que vem a fascinação pela teoria das fake news? Ocorre-me várias hipóteses, não necessariamente exclusivas:

- Negação: recusam-se a acreditar que grande parte dos votantes simpatiza mesmo com as ideias e valores protagonizados por Trump, e por isso têm que se convencer a si próprios que a culpa é de estarem mal informados (ou seja, não querem acreditar que 40 e tal % dos votantes são mesmo deploráveis, preferindo acreditar que eles são é facilmente enganados)

- Recusa em reconhecer que Hillary Clinton era uma péssima candidata - recorde-se que ela perdeu as primárias Democratas de 2008 para um quase desconhecido, ia perdendo as de 2016 para um candidato que nem está inscrito no partido, e finalmente perdeu as gerais de 2016 para um semi-louco; sou só eu que noto um padrão?

- Interesse dos media estabelecidos em denegrir a concorrência, dando a entender que o melhor é as pessoas cingirem-se às fontes mainstream.

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