09/05/10

O Toni Negri do Perry Anderson e o Mayday

Apesar de discordar com a análise de fundo (ou por causa dessa discordância), recomendo a leitura do texto de Perry Anderson que a revista Vírus traduziu e que foi primeiro publicado, creio, na London Review of Books. O texto é um pouco marcado, parece-me, pelo insuportável italianismo de Anderson, que, com destreza e clareza, parece, todavia, estar sempre preocupado em manter intacto o legado gramsciano, de tal modo que é o anti-gramscianismo das restantes esquerdas italianas que funcionará como o motor da sua crítica a essas mesmas restantes esquerdas. É um texto muito extenso e interessa-me aqui destacar as partes em que Anderson se refere a Negri.

É muito interessante verificar como a ideia de “erro” (muito presente em Anderson, tal como a ideia de “inteligência política”, coisa que, confesso, me dá ainda mais arrepios do que a invocação da inteligência artística ou outra inteligência de qualquer tipo, mas pronto) acaba por ser improdutiva para a própria análise que o autor desenvolve. Diz Anderson a dado momento: “Em meados dos 70, conscientes de que a indústria italiana se modificava mais uma vez e de que a militância das oficinas estava em declínio, Negri e os outros recorreriam à figura do ‘trabalho social' em geral - virtualmente qualquer um, empregado ou desempregado pelo capital, onde quer que fosse - como portador da revolução imanente. A abstracção desta noção foi um sinal do desespero e a política apocalíptica que o acompanhou levou esta ala do operaismo a um beco sem saída nos finais dos 70.” Mas, mais adiante: “Na encruzilhada do final dos 60, Negri seguiu na direcção contrária, defendendo não um compacto entre capital e trabalho organizado, para a modernidade, sob a égide do PCI, mas uma escalada no conflito entre trabalho não organizado - ou desempregado - e o estado, em direcção à luta armada e à guerra civil. Depois do esmagamento da Autonomia da qual tinha sido o teórico, e da sua detenção por um magistrado comunista por acusações fraudulentas de ter idealizado a morte de Moro, o exílio em França produziu uma corrente constante de publicações, a mais notável sobre Spinoza [Nota deste vosso negriano: na verdade, escrita ainda na prisão]. Aqui se preparou a metamorfose do trabalhador não fabril do fim do século 20 da Autonomia Operaia na figura do século 17 da ‘multidão' no Império, escrito com Michael Hardt, aparecendo nos Estados Unidos muito antes de se ver impresso em Itália. Desde que famoso, o impacto internacional de Negri foi mais vasto do que a sua influência nacional…”. Isto é, o "erro" dos anos 70 (é verdade que com muitas diferenças teóricas entre uma e outra conceptualização), afinal, é condição do impacto nos anos 2000... Vai-se a ver e a Vírus ainda encontra, na proveniência do Mayday e de algumas outras coisitas em que o BE se tem empenhado, uns pozinhos de autonomismo italiano.

6 comentários:

Ricardo Noronha disse...

De uma miopia desconcertante. Só um deserto político e teórico acolhe um ensaio tão vesgo com um sorriso de tranquilidades nos lábios. Ofereçam a este senhor um telecomando, com urgência, e ponham-no a interpretar a história dos últimos 30 anos a partir dos telediscos da MTV e dos documentários sobre o campeoneto do mundo de futebol. Ele bem precisa.

João Valente Aguiar disse...

Não li o texto do P Anderson. Dele prefiro as obras historiográficas ("Passagens da Antiguidade ao Feudalismo" e "As linhagens do Estado Absolutista").

Contudo, Ricardo Noronha, olha que se pode fazer boas análises das mudanças culturais e ideológicas dos últimos 30 anos a partir de videoclips. Há coisas sensacionais que nos dizem mais sobre o triunfo (temporário) do individualismo no capitalismo neoliberal do que mto pretenso manual. Há mta coisa de classe (apesar de aparentemente não o ser) nos videos pop-rock. Mesmo que esses produtos culturais (e seus produtores) não tenham a mínima consciência dessas dinâmicas. Evidentemente, cingir a análise sociológica ou histórica a esse objecto de estudo seria unilateral, mas não deixa(ria) de ter o seu interesse. Idem para o cinema de Hollywood ou, noutro domínio, os manuais de gestão de recursos humanos. É mto importante vermos como a burguesia pensa sobre o uso da força de trabalho e como a entretém. Sei que esta questão é lateral a essas disputas tribais do Negri com outros comparsas, mas analisar o capitalismo sem atender às suas formas de dominação ideológica é sempre algo de parcial.

Zé Neves disse...

Caro João Valente Aguiar,

Não há nenhuma disputa tribal entre o Negri e o Perry Anderson. Há apenas um debate político e intelectual.

abç
zé neves

João Valente Aguiar disse...

Eu sei, estava só a provocar :-)

Só sobre essa questão claro.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Não sei se ainda vai a tempo. Mas francamente Ricardo Noronha! Ainda se pode compreender o texto do José Neves ao criticar o Perry Anderson. No entanto, fica claro que o principal objectivo do artigo não é criticar as posições do Negri, que no conjunto do texto têm pouca relevância, mas sim a como o principal partido comunista da Europa Ocidental desapareceu sem deixar rasto e nisso o artigo é brilhante. Só um sectarismo proveniente de alguém que tem de certos mestres ou de movimentos uma admiração como se fossem assuntos intocáveis, se pode permitir dizer “Só um deserto político e teórico acolhe um ensaio tão vesgo com um sorriso de tranquilidades nos lábios”.É não conhecer a obra importante de Perry Anderson, veja-se o seu livro sobre o marxismo ocidental, onde ele demonstra que não é tão gramsciano como o José Neves o pinta, bem como, este mesmo trabalho que, do ponto de vista de apreciação política do que foi o comportamento político do PCI, é notável.

Ricardo Noronha disse...

Vem um pouco atrasado Jorge, mas o deserto teórico de que eu falava não era o Perry Anderson, mas de quem acolheu este texto ligeiramente senil. Nota-se que Perry Anderson elogia os "pensadores marxistas" que raciocinam nos seus termos e deprecia aqueles que pura e simplesmente não entendeu. Quando à apreciação histórica do PCI, falta-lhe um pouco de história do PCI.