06/05/10

Proprietário de Bicicletas

"Na Grécia, três desafortunados trabalhadores de uma instituição bancária foram incinerados vivos por uma turba de gente raivosa e artesanalmente armada, à frente, ou nas margens, de uma multidão de outros desafortunados trabalhadores em justo protesto contra o roubo de que são alvo." Mais um post em que Francisco Oneto se dedica a chamar animais aos demais humanos que se encontram abaixo da clareza racional que será a sua. Para Oneto é tudo claro: os maus são a "turba" de "gente raivosa", que ou são vanguarda ou são marginais; os bons são os que trabalham, seja quando estão a trabalhar seja quando dão o corpo a um protesto que o Oneto (e eu também) considera "justo". Que os "maus" e os "bons" andem juntos nas ruas será apenas fruto da esperteza dos primeiros e da ingenuidade dos segundos, coitados, os manipuladinhos que preferem o caos à ordem alternativa que os intelectuais críticos do neoliberalismo têm para oferecer à malta. Enfim, a descrição do Francisco Oneto não só é intelectualmente desonesta (mas o que é que ele sabe sobre o que se passou que lhe permita botar a sentença que bota?!?!) como é politicamente bloqueadora.

Eu não tenho nenhuma dúvida que as mortes que sucederam são lamentáveis, que devem levar a um debate e reflexão sobre métodos de acção, e por aí em diante. Mas não dou de barato que: 1) tenham sido resultado directo dos cocktails molotov; 2) tenham sido causadas pela turba e não pela multidão (distinção que é apenas e só Le Bon em versão sofisticadinha); 3) que se possa atribuir intencionalidade a essas mortes; 4) que se possa acompanhar o que está a acontecer na Grécia fazendo uso simplista, de novo, da distinção entre os "violentos" e os "não-violentos".

Em relação à Grécia, e aos movimentos de revolta a que vimos assistindo, digo isto: são manifestações "justas", como diria Oneto, e num contexto em que ocorrem confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes, não tendo eu qualquer vontade política de fazer uma crítica de princípio aos que são parte desse conflito violento e fazem uso da violência. Falo de violência, sublinho, no contexto - mesmo que à "frente" ou à "margem", para utilizar a topografia manhosa de Oneto - do movimento. Não falo de violência terrorista, de crimes cometidos por "brigadas vermelhas", em jeito de execução ou de atentados bombistas ou afins. O que é mesmo importante é não utilizarmos as lutas sociais como qualquer coisa que é simplesmente insturmentalizável para, na nossa argumentação intelectual contra os chamados intelectuais liberais e neoliberais que tanto preocupam os Ladrões de Bicicletas (e a mim também), provarmos que afinal temos razão e que se não nos ouvem levam com o caos da multidão e a raiva da turba.

6 comentários:

Luís disse...

Tenho dificuldade em compreender como podem leituras enviesadas desta natureza contribuir para melhorar a qualidade do "debate" proposto. Retirar afirmações do seu contexto discursivo também não me parece particularmente honesto.

Deixo, além disso, um link que pode ajudar. E que, na minha opinião, vai ao encontro daquilo que o Francisco Oneto sugere, no post inteiro - não nesta parcela. Dos anarquistas de Skaramanga: http://www.occupiedlondon.org/blog/2010/05/06/280-statement-by-the-skaramanga-squat-in-athens-regarding-todays-events-the-murderers-mourn-their-victims/

Talvez fosse melhor apontar para problemas mais vastos e menos localizados. Talvez, quem sabe, discutir as enormidades escritas num blog como o Alphaville do FT, ou em blogues paroquiais que sugerem algumas das direcções que este país tomará, caso apareçam aí os salvadores liberais da pátria - parece que já há um a espreitar, com a respectiva rede clientelar a deitar as garras.

Até entendo que se discutam estas questões discursivas e categorizações que obnubilam o carácter estratégico e não-espontâneo dos processos de mobilização - qualquer estudante de movimentos sociais sabe isso e percebe que o Le Bon só persiste na cabeça, lá está, dos editores do Jornal de Negócios, do Henrique Raposo e do Financial Times. Incensar um post inofensivo como o do Francisco Oneto parece-me uma boa forma de desviar as atenções de problemas candentes. Só uma ideia.

Anónimo disse...

Caro ZNeves: A " coisa " em discussão teórica mexe com Le Bon e os seus comentaristas declarados ou não: C. Schmitt, o "tenebroso", e o "expontâneo" Sartre. Entre as doutrinas de hostilidade relativa e absoluta do primeiro e o grito insustentável de euforia de Sartre- " Il faut toujour un ordre, et quand il n´y en a pas d´évident, il faut en inventer un ", a escolha da opção libertadora só pode ser uma.Os " intelocratas " fazem muita vezes o jogo inconsciente do poder...do Estado, da violência organizada e do anti-desejo castrador da vil " multitude ", conceito que já circulava nas cartas de Bakounine contra os adversários de Mazzini. Salut et Égalité. Niet

Zé Neves disse...

Caro Luís,

Não vejo o que há de inofensivo em chamar a manifestantes "turba de gente raivosa". E, por favor, não me venha com a conversa de que criticar os críticos do neoliberalismo é apoiar o neoliberalismo. Se fosse assim, o post de Francisco Oneto mereceria ser igualmente criticado por dividir os críticos do neoliberalismo entre os bons e os maus manifestantes.

Anónimo disse...

Caro Z. Neves: Enviei um comentário. Ele não saiu. Tem o meu e-mail: fa.ribeiro@onlinehome.de

Eu respondi ao C. Vidal sem fazer concessão alguma. Como é claríssimo! O MS Pereira é que me rebaixou e marginalizou, como é por demais evidente. E eu aceitei o desafio para lhe demonstrar que estava errado!E isto nós sendo companheiros de geração !Agradeço que me conte o que se passa! Fraternalmente, FAR/Niet

Anónimo disse...

O Niet não consegue- perdeu a password- " cimentar "o nickname. Já tentei dezenas de vezes.É uma questão técnica,claro. E a minha concubina experto também não consegue...Vamos lá ver da próxima...Entretanto, falei ao TLM com o MS Pereira -e cimentámos a nossa fraternidade revolucionária. Ponto final! Niet

Manuel Vilarinho Pires disse...

O facto de não ser de esquerda confere a qualquer pessoa que não seja de esquerda o bom senso de perceber que, quando vê um bando de arruaceiros, cobardes que a sós não seriam capazes de olhar nos olhos o caixa de um banco, mas em grupo são capazes de lhe pegar fogo, tal como um skinhead se borra de medo à vista de um preto mas em grupo é capaz de o matar à paulada, está a ver um bando de arruaceiros, cobardes que a sós não seriam capazes de olhar nos olhos o caixa de um banco, mas em grupo são capazes de lhe pegar fogo, tal como um skinhead se borra de medo à vista de um preto mas em grupo é capaz de o matar à paulada.
E o facto de ser de esquerda não impede ninguém de ver o mesmo, a não ser que não queira mesmo ver.