06/05/10

Quando o internacionalismo vira beterraba


Relativamente ao conteúdo deste post, fui sumariamente rebatido assim: “a cotação do açucar nos mercados internacionais controlados pelas regras imperialistas do que viria a ser a OMC foi subsidiada e/ou substituida pela beterraba precisamente para que houvesse uma quebra abrupta nos preços para foder a economia cubana: o primeiro exportador mundial de açúcar”.

Fazendo fé no contraditor e na sua teoria da “conspiração da beterraba”, Luís Manuel Ávila, o ministro açucareiro demitido por “deficiências no seu trabalho”, só podia ser um agente da OMC e dos capitalistas beterrabeiros. Fosse assim, logo que despachado o traste do Ávila, a luta entre a cana e a beterraba continuaria em novos moldes. Por exemplo, seguir o “modelo brasileiro” em que o grosso da produção de cana não é encaminhado para produzir açúcar mas sim etanol (competindo com os combustíveis de origem fóssil). No entanto, a surpresa estava para vir através do “Granma” (órgão central do Partido Comunista Cubano). E é este jornal oficial do partido guia da ditadura cubana que revela que o desastre da produção açucareira se deve sim à baixa estrondosa da produção e colheita de cana em Cuba, a qual, nesta última colheita, recuou para valores de há 105 anos (!) atrás. E o “Granma” aponta os dedos acusadores para as causas do estado lastimável e em degradação contínua da produção de cana cubana (estimada este ano em 1,4 milhões de toneladas, um terço da safra de 1924 e um sexto da de 1990): “ineficiência crónica”, “imprecisões”, “voluntarismo”, “falta de controle e eficiência”. E este desastre explica que só dez das quarenta e quatro fábricas de processamento da cana tenham funcionado e que das catorze províncias cubanas só duas tenham cumprido as metas atribuídas. Como consequência, Cuba que chegou a facturar quatro mil milhões de dólares na exportação de açúcar, na colheita do ano passado não ultrapassou os seiscentos milhões, valor que este ano vai verificar maior queda.

Dando de barato a treta infantil e ridícula da tese da conspiração da beterraba, o que se passa, na cana de açúcar como nos outros domínios da economia cubana, com excepção do turismo (que, como se sabe, é controlado pelas Forças Armadas), é o estiolamento e o acentuar do anacronismo do sistema e do regime. Que se reflecte na degradação da gestão e da organização e um declínio da mobilização e da vontade de trabalhar e racionalizar, a par do alastramento da corrupção e do desleixo. Conjunto este de factores que, no caso particular da cana do açúcar, se reflectiu no grande desastre de 2002/2004 em que das anteriores 156 unidades de processamento restaram 61 a funcionarem, dos dois milhões de hectares de cultivo se baixou para os setecentos e cinquenta mil e se eliminaram 100.000 (!) postos de trabalho. Ou seja, o abrandamento da exportação de açúcar cubano deve-se à queda permanente na sua produção, com menor cultivo, menor eficiência, menos empenho e menos trabalho. Luís Manuel Ávila, o ministro demitido, pagou pelos seus eventuais erros e por um sistema em decrepitude quanto a eficiência e vontades, sendo-lhe aplicado o clássico método do “bode expiatório”. Faltando-lhe, como arma de defesa, a lembrança oratória de um internacionalista lusitano que não lhe passou a tempo uma cábula inventando a maldição da beterraba para justificar o injustificável.

1 comentários:

xatoo disse...

Melhor que a “conspiração da beterraba” levada a cabo pelo bloqueio americano e respectivo cerco no comércio mundial à economia cubana é a improvável (pq s/ provas) e tunesina “conspiração do turismo-dominado-pelas-forças-armadas” (lol) que se exerce em joint ventures de multinacionais do sector, como as espanholas Sol-Meliá e a Barecelló, a francesa Accor ou a jamaicana SuperClubs e outras duas dezenas de participações estrangeiras, onde até o nosso Américo Amorim tem interesses. Tudo gerido pelos perigosos magalas cubanos, claro, ainda mais perigosos que generais da Nato.
Sobre a verborreia do açúcar e a canhestra tentativa de a ligar à queda do regime constituicional, não esquecer a queda no ridículo, porque a agricultura actualmente representa apenas 5,1% do PIB. O Turismo e até a Biotecnologia ultrapassam em muito essa importância.
Cuidado. Quando fala do destituição do ministro da Agricultura como um facto dramático, (num regime onde não existem carreirismos parasitários) parece estar a falar da venda-destruição da indústria das pescas e agricultura portuguesas às mãos dos subsídios de União Europeia reconvertidos em jeeps-todo-terreno e quintarolas de recreio.