07/05/10

Violência e Democracia

A Helena Matos diz que os gregos que atiram cocktails molotov a bancos são nazis e o Henrique Raposo diz que são fascistas. Presumo que seja uma forma de criticarem esses gregos, o que aliás permite que me congratule, desde já, com o facto de ambos utilizarem fascista e nazi para caracterizarem os seus inimigos. Não que eu achasse que a Helena Matos e o Henrique Raposo tivessem simpatias pelo nazismo ou pelo fascismo, mas em regra utilizam essas palavras para dizer que elas não devem ser utilizadas abusivamente. Quando, por exemplo, alguém pretende falar do salazarismo, não se fale de fascismo, dizem prontamente. Agora percebemos que não se deve falar de fascismo a propósito do salazarismo porque isso é coisa reservada para classificar o radicalismo da "rua" contestatária de Atenas e Salónica.

Mas vamos ao que interessa.

Manifestantes gregos atiraram cocktails molotov contra um banco. O banco ardeu (não está provado que por causa dos cocktails, mas admitamos que sim) e três pessoas morreram. Diante isto, podemos dizer várias coisas: que estamos com o protesto mas que condenamos os meios utilizados; que os meios são os fins e por isso vai tudo a eito para o caixote de lixo da história; que isto é o efeito perverso do neoliberalismo e que agora não se queixem. Eu, sinceramente, não sei bem o que dizer, a não ser duas coisas que não são sintetizáveis numa grande narrativa a que por hábito se chama "tomada de posição". As duas coisas são: lamento profundamente as mortes daqueles trabalhadores e acho que o sucedido deve levar a um debate no seio dos movimentos e grupos envolvidos nos protestos; os grupos e movimentos envolvidos nos protestos de rua, no quadro das formas de luta que até agora têm desenvolvido, contam com o meu (não lhes serve de muito, bem sei) apoio incondicional.

Mais. Eu podia estar na Grécia e, não fora o meu feitio medricas, podia estar neste momento a atirar um cocktail molotov a um edifício de um banco privado e daí poderia ter resultado uma desgraça como a que resultou. Se a minha santa avó se envergonharia de tudo isto que eu acabei de escrever? Muito provavelmente, quer pela parte do medricas quer pela parte da violência, o que aliás mostra que estas coisas são mesmo complicadas. Mas uma coisa lhe garanto, lá onde ela estiver: eu não estive nem estarei sentado a uma secretária a escrever um artigo de apoio à Guerra do Iraque e a chamar "danos colaterais" aos milhares de mortos que dela resultaram. Tal como não poderia estar na Grécia em regime clandestino a integrar uma qualquer Brigada Popular que se arvorasse em justiceira e começasse a executar directores de bancos e chefes de polícia. Tal como, diga-se, não poderia ser ministro da administração interna na Grécia, no Nepal ou em Portugal (bom, depois de escrever isto, pelo menos, fico irremediavelmente livre desta hipótese).

Eu já sei que, como diria o Gandhi ou o seu representante na terra, o meu amigo Daniel Oliveira, temos que renunciar em absoluto à violência e não pode ser olho por olho nem dente por dente e que se começamos a atirar pedras então acabamos a bombardear países, à semelhança da teoria da escalada que nos leva do leite materno à heroína passando pela coca-cola e pela imperial e pelo tabaco. Mas eu não sei o que é renunciar em absoluto à violência. O único estado de renúncia absoluta à violência é aquele em que não há vida, porque onde há vida, há poder; onde há poder, há violência; até na paz há guerra e no amor à violência. Não é preciso ser sado-masoquista para pereceber isto mesmo.

Mas para mim há diferenças importantes entre todos os níveis de violência que se encontram registadas neste post. Não digo que essas diferenças não possam ser relativizadas. Claro que podem, como acabei de dizer no parágrafo anterior. Mas eu sei que eu podia estar numa manifestação na Grécia a atirar pedras à polícia (profissão pela qual, diga-se, não nutro qualquer tipo de antipatia particular) e aos bancos. Não renuncio à violência, o que não significa que toda a violência seja aceitável. Para mim a violência aceitável é a violência que não suspende a exigência de democracia. Sendo que esta, para mim, é algo que pode e deve ser pensado à margem do Estado. Prosseguimos nos próximos dias.

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro Z.Neves: Enquanto houver Estado- " violência organizada " da classe dominante e exploradora- a violência de oposição/ de contra-poder nunca é legítima, nem admissível. Seja em que regime for, como bem sabe.Como dizia M.Bakounine em dois pontos magistrais contra a lógica do Estado:1) " O Estado não quer e nem pode senão querer a escravatura das massas populares"; 2)" E a legalidade, dita democrática, constitui a consagração jurídica do privilégio e da injustiça".Niet

Anónimo disse...

À Helena Matos, deixemo-la de parte de discussões sobre violência, pois já sabemos de que lado da barricada está. Agora todas as pessoas que se revêem na Esquerda têm de perceber até onde podem ir as consequências de uma Revolução. Seria lícito interromper o 25 de Abril se alguns dos capitães fossem mortos por agentes ainda fiéis a uma Autoridade prestes a desaparecer no calor daqueles dias? Será lícito aceitar que a polícia de choque grega desmobilize pessoas aos milhares, para que estas vão para casa e esperem pelas próximas eleições para manifestar o seu desagrado, de um modo educado, ordeiro e politicamente correcto?

Embora os acontecimentos dos 3 trabalhadores sejam lamentáveis, ocorreram num dia que pode ter sido o prenúncio de algo maior, a julgar a quantidade de gente que saiu às ruas. Assim o esperemos.

Manuel Vilarinho Pires disse...

O facto de não ser de esquerda confere a qualquer pessoa que não seja de esquerda o bom senso de perceber que, quando vê um bando de arruaceiros, cobardes que a sós não seriam capazes de olhar nos olhos o caixa de um banco, mas em grupo são capazes de lhe pegar fogo, tal como um skinhead se borra de medo à vista de um preto mas em grupo é capaz de o matar à paulada, está a ver um bando de arruaceiros, cobardes que a sós não seriam capazes de olhar nos olhos o caixa de um banco, mas em grupo são capazes de lhe pegar fogo, tal como um skinhead se borra de medo à vista de um preto mas em grupo é capaz de o matar à paulada.
E o facto de ser de esquerda não impede ninguém de ver o mesmo, a não ser que não queira mesmo ver.

Zé Neves disse...

caro manuel vilarinho pires,

grande binóculo esse que lhe permite ver daqui até à Grécia...

infelizmente, estas coisas não se resolvem nem à pedrada nem à "coragemzada".

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Zé Neves,

Não é preciso usar binóculo para ver o que aconteceu.
Um crime colectivo é um crime à mesma, acessível a quem não tem coragem para o cometer individualmente e com uma probabilidade maior de escapar à justiça, mas não mais que um crime.

Tal como não é preciso fazer uma electro-encefalografia ao Raposo do Expresso para perceber porque lhes chama de "fascistas".
Ele não simpatiza com eles, nem antipatiza com o fascismo, de modo que a designação não é para consumo dele: é para vosso.
Ele, por ele, provavelmente chamar-lhes-ia de "comunas", mas como parece escrever para suscitar reacções de desagrado a "comunas", e se usasse este termo só conseguiria suscitar neles reacções de agrado, designa-os antes de "fascistas" para chatear os "comunas" que se sentem desagradados com a associação.
A frequência com que é citado aqui faz-me desconfiar que tem algum sucesso...

Ricardo Noronha disse...

Não percebo sinceramente em que é que a coragem ou a sua ausência podem contribuir para analisar o que se passou.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Se calhar não contribui, mas foi um insulto que me agradou utilizar com aquele bando de assassinos.

O que se calhar é relevante para análise é o facto de pessoas que, isoladas, não são capazes de fazer mal a uma mosca, no meio de uma multidão, se tornarem capazes de assar três bancários, ou de aplaudir quem os assa, ou de os ver assar sem fazer nada.
E estas acções de massas revoltadas, que tanto entusiasmam aqueles que sempre sonharam com revoluções feitas por massas revoltadas, ao ponto de se inibirem de classificar os homicídios como homicídios (e como ficam parecidos com os militares e os seus "danos colaterais" quando o fazem...), não transformam os revoltosos em revolucionários, mas sim em homicidas.
Por esse motivo, talvez os admiradores deste tipo de acção devessem rever as suas fantasias, pelo menos se têm alguns dos valores que eu penso que têm.
Se não têm, paciência...