28/05/11

Sobre a grande maioria do "povo português", o PCP e a soberania nacional

O destaque da primeira página do Avante! de 26 de Maio último vai para a seguinte tese de Jerónimo de Sousa:

Não é possível promover e avançar com um projecto democrático, patriótico, de desenvolvimento económico e de progresso e de justiça social sem que este esteja alicerçado no pleno exercício da soberania nacional. Esta tese foi avançada por Jerónimo de Sousa, que reafirmou em seguida que só ao povo «pertence e cabe assumir e exercer a decisão quanto ao seu presente e futuro», pelo que a soberania nacional «não se negoceia, não se vende e não se cede».

As objecções são tão fáceis como múltiplas, e deixam resumir-se sem problemas de maior. Deixando de lado o aspecto patriótico (ou, se se preferir, incluindo-o também, se, na esteira de Pessoa, entendermos que o objecto do patriotismo é fundamentalmente qualquer coisa como a língua portuguesa, com a sua originalidade cultural e as suas aspirações de afirmação duradoura, etc.), não se vê por que razões — que a razão desconhece — "um projecto democrático (…), de desenvolvimento económico e de progresso e de justiça social" não será melhor garantido por uma acção à escala da Europa, levada a cabo através da conjugação dos esforços e articulação dos combates políticos das forças e movimentos que queiram mobilizar-se em torno dos objectivos gerais enunciados por Jerónimo de Sousa.

É verdade que Jerónimo de Sousa poderá responder que a "europeização" do projecto que enuncia não garante precisamente a dimensão "patriótica" da sua proposta e equivale a "desnacionalizar" a sua tese. Mas porque teremos nós de pensar que "um projecto democrático (…), de desenvolvimento económico e de progresso e de justiça social" deixará de o ser a partir do momento em que renuncie a ser também "patriótico" e solidário de uma perspectiva de "soberania nacional"? Porque teremos de pensar que seremos menos livres, menos capazes de reivindicar, menos inclinados a conquistar novos direitos de participação democrática e a combater a oligarquia financeira global, se nos assumirmos como cidadãos europeus e internacionalistas - antecipando as condições da mundialização da cidadania democrática?

Se estas objecções são concludentes e permitem refutar sem grande margem para dúvidas "a tese [que] foi avançada" pelo secretário-geral do PCP, o que, então, podemos e devemos dizer e mostrar é que tanto as liberdades cívicas e direitos sociais e políticos da grande maioria dos homens e das mulheres que constituem o "povo português" como as perspectivas mais amplas de uma democratização efectiva do poder político, em Portugal e não só, através da participação generalizada e igualitária do conjunto dos cidadãos no seu exercício, passam necessariamente pela recusa dos temas da soberania nacional e do discurso "patriótico de esquerda" de Jerónimo de Sousa e do PCP. A política, que estes últimos propõem, de "recuperação" e "preservação da soberania nacional enquanto condição para a manutenção de Portugal como país independente" é, na realidade, absolutamente contrária aos interesses da liberdade, da igualdade e da participação democráticas da grande maioria do "povo português".

10 comentários:

Anónimo disse...

Claro que o federalismo e os Estados Unidos da Europa são o grande horizonte geográfico, político e cultural para a realização das aspirações do povo português e dos outros povos da Europa.

Claro que é magnifico que a mais moderada transformação progressista da sociedade portuguesa fique cada vez mais dependente
dos humores eleitorais e simultâneos de uma maioria dos 500 milhões de eleitores europeus.

Claro que é de uma sensatez e lucidez à prova de bala estar de acordo com o reforço de mecanismos supranacionais e só depois tratar dos conteúdos das políticas depois, assim se esquecendo que se está a dar aos inimigos os instrumnentos para eternizarem e fortalecerem a imposição das suas políticas neoliberais.

Claro que por acaso até há um partido que pensa tudo isto mas depois não o diz nenhuma campanha eleitoral para as legislativas portuguesas talvez porque tenha medo que os eleitores não entendam a sua interiorizada tese de que «isto só lá vai à escala europeia».

Também podia explicar que «defender a soberania nacional» não é ser anti-europeu nem pretender sair da União Europeia e ainda menos incompatível com a cooperação entre países europeus e a solidariedade internacionalista mas não deve adiantar, isso não entra nem a ferro e fogo em certos esquemas mentais.

Miguel Serras Pereira disse...

Vítor Dias,
proponho-lhe a seguinte experiência mental: pense numa greve geral, numa plataforma reivindicativa, numa exigência constitucional de orientação participativa e democratizadora no quadro de uma UE, ainda que governada pelo arco do costume, mas tendo levado a cabo a integração orçamental e dado alguns passos constitucionais suplementares (acompanhados por uma maior importância de organismos eleitoralmente controlados), etc. - não lhe parece que a federação das lutas, iniciativas, propostas de alternativas (quer no plano sindical/social, quer no institucional e do exercício da cidadania) potenciaria fortemente a acção política imediata, as suas dinâmicas continuadas e as suas perspectivas de desenvolvimento, melhorando ao mesmo tempo as condições da democratização?

Do mesmo modo, não lhe parece que seria preferível uma constituição europeia medíocre, mas explícita, que limitasse o poder arbitrário e incontrolável dos actuais mecanismos governamentais e para-governamentais da UE?

Finalmente, não creio que possa negar que "mais Europa" significa menos "soberania nacional", embora possa e deva (mas não garanta po si só, de acordo) significar mais poder e mais participação dos cidadãos - pelo que a insistência na "recuperação" da soberania plena de "Portugal como país independente" sugerem "menos Europa", menos integração política e orçamental, menos dimensão "europeia" na intervenção cívica. E não vale a pena responder-me que esta UE tem uma direcção conservadora e ultra-liberal, defensora da oligarquia financeira e dos seus privilégios, etc., pelo que não merece ser defendida. Porque, se aplicar o mesmo argumento ao caso português, a mesma conclusão seria inaceitável aos seus olhos, levando-o a responder-me provável e acertadamente: "Sim, é verdade, mas é por isso que queremos transformar as condições políticas e as relações de poder que fazem com que assim seja". Pois bem, tal é também a minha resposta quando passamos da consideração de Portugal à da Europa.

Suponho que não terei conseguido convencê-lo, mas espero que estas observações em resposta às suas contribuam para clarificar os termos do debate. O qual também V. reconhecerá não ser coisa de somenos.

msp

Anónimo disse...

Será que o PCP está a abandonar a herança leninista mais vital- a do internacionalismo proletário- e, ainda por cima, na contra-corrente do auge da Globalização económica e institucional dos Cinco Continentes? Não será mais uma deriva oportunista- um " delírio nacionalista ", como dizia Rosa Luxemburg-uma forma ideológica- acrescentava ela em 1918...- destinada a ajudar a travar e boicotar uma possível revolução mundial do proletariado? Lénine falava dos vendilhões dos social-nacionalistas que tinham renegado- e Kautsky foi mesmo um dos mentores- a ideia do internacionalismo proletário! Niet

the revolution of not-yet disse...

é de bom tom ter estômago para folhas de propaganda editadas por Albertos Joões sejam mais vermelhas ou mais laranjas

Diogo disse...

Absolutamente de acordo.

Grunho disse...

Com o Durão Barroso em Bruxelas temos o "nosso" nacionalismo bem servido.

Wegie disse...

“we cannot simultaneously pursue democracy, national determination, and economic globalization. If we want to push globalization further, we have to give up the nation state or democratic politics. If we want to maintain and deepen democracy, we have to chose between the nation state and international economic integration. And if we want to keep the nation state and self-determination, we have to chose between deepening democracy and deepening globalization”

samuel disse...

Sim... já que é para sermos tramados, então que seja à escala europeia.
Que seja uma coisa em grande! :-)))

Miguel Serras Pereira disse...

O anti-semita e negacionista Diogo escusa de aparecer aqui e em muitos outros sítios disfarçado de radical porque não engana quem se dê ao trabalho de ler o seu blogue ou aqueles dos seus comentários mais "violentistas" que incitam à elaboração de listas negras de personalidades ora a abater a tiro, ora a processar, ora a atacar das duas maneiras ao mesmo tempo.
O denominador comum das suas posições - ainda quando tomadas de empréstimo noutros quadrantes - é o ódio à democracia e à sua racionalidade emancipatória. E infelizmente não é um caso isolado - razão pela qual entendo ser preferível não deixar passar em claro o assunto.

msp

Luis Rainha disse...

E daqui a uns dias, quando o tal "povo" (ou 85% de quem votar) voltar a eleger os amigos da tróica para mandar em nós, que dirá Jerónimo?