03/06/10

"A única democracia do Médio Oriente"

Um dos argumentos que os defensores de Israel usam frequentemente é que é "a única democracia do Médio Oriente".

Bem, e se fosse? Imagine-se que eu sou agredido por um grupo de individuos; que diferença me faz a mim se eles têm um chefe incontestável que mandou agredir-me ou se decidiram por votação democrática agredir-me? O facto de uma organização ser ou não uma democracia pode ser relevante no que diz respeito à forma como a organização trata os seus membros; quando estamos a falar das relações dessa organização com elementos exteriores, a forma como internamente a organização funciona parece-me irrelevante para decidir quem tem razão.

Mas será que Israel é mesmo "a única democracia do Médio Oriente"? E o Líbano, também não é uma democracia (é verdade que o sistema eleitoral libanês é um bocado estranho, e nas ultimas eleições o bloco eleitoral mais votado ficou em minoria no parlamento, mas isso também aconteceu nos EUA nas eleições de 2000)?

E, mais importante ainda, não me digam que afinal o Iraque não é uma democracia? Eu pensei que era...

Além disso, se definirmos "democracia" como um sistema em que "o governo é escolhido pelos governados", Israel não é uma democracia - os árabes dos territórios ocupados estão submetidos à autoridade do governo israelita mas não votam para ele (atenção, estou a falar dos árabes dos "territórios", não dos de "Israel dentro da linha de cessar-fogo de 1948") - considerar Israel um democracia é um pouco como considerar a  antiga África do Sul uma "democracia", em que o governo também era eleito em eleições competitivas, pelas pessoas que consideradas "cidadãos", mas em que havia uns milhões de não-cidadãos sem direito a voto que também estavam submetidas a esse governo (essa contradição notava-se mais na África do Sul por os não-cidadãos serem demograficamente mais que os cidadãos, ao contrário do que se passa em Israel).

E, para finalizar, será que as pessoas que são a favor de Israel porque "Israel é a única democracia do Médio Oriente", durante a guerra de 1947/49 estariam contra Israel (OK, ainda não eram nascidos provavelmente, mas nas discussões sobre o conflito do Médio Oriente são recorrentes os argumentos "isto é justo porque, na guerra de [1948/1956/1967/1973/1982/etc.] alguém fez aquilo", logo a opinião sobre guerras passadas acaba por ser relevante)? Afinal, em 1948 a Síria e o Líbano eram democracias, enquanto Israel tinha um governo em larga medida auto-nomeado (a "Agência Judaica" basicamente proclamou-se "governo provisório de Israel", estilo "movimento de libertação").

3 comentários:

André Carapinha disse...

Não esquecer a Turquia.

Bruno Aguiar disse...

É obvio que o argumento de que por algo ser democratico, é bom. Basta lembrar de Hitler, que conseguio o seu poder democraticamente.

A população deu 230 cadeiras pros nazistas no "senado",e foi esse "senado", juntamente com presidente, que fizeram leis e decretos que concederam poderes a Hitler, lider do partido nazista.

Unknown disse...

Bom, até há uns minutos, o meu mapa situava Israel no Levante mediterrânico, zona historicamente denominada Palestina. Nunca percebi bem que ideia singela de Oriente é proposta por quem debate este tema de uma forma oca e instrumental. A situação do povo palestiniano, reduzida a mote e móbil de conferências do episcopado blogosférico, com sinceridade, torna-se patética.