10/05/10

O Restelo ali tão perto e os “velhos de Belém” a reunirem-se ao lado em conclave dos cínicos descarados

Estaria tudo bem, quanto ao exercício do direito de reunião e lobbying, se em vez de engravatados tivessem estado reunidos em Belém, incluindo o anfitrião, de baraços feitos de sisal entrançado amarrados ao pescoço, imitando o velho Moniz que fazia da honra a sua ética. Mas trata-se de gente cínica e descarada esta que vergonhas não conhecem. Os responsáveis pelos desconcertos, pelos remendos, pelas faltas de projectos, pelo estado a que nos levaram, enfim pela incompetência ao verem a crise a construir-se sem disso se darem conta porque cegos estavam a curtirem as contabilidades de ocasião e proveitos eleitorais e partidários, estão agora armados em senadores do carpir sob o palio cavaquista. E só têm sinais de stop para mostrarem como sabedoria, parando o futuro e carregando mais em cima dos que menos têm, cavando mais desigualdades. Faltou-lhes as companhias dos Mexia & comandita de nababos COE’s para que o festim solene das sanguessugas tivesse sopa, pratos e sobremesa. Um dia, a malandragem descarada ainda vai ser obrigada a trabalhar, cumprindo serviço cívico a organizarem as contabilidades de micro empresas, as do estatuto das suas sapiências. Porque o cinismo, um dia, vai ter mais castigo dos cidadãos que o prémio passageiro dos holofotes que iluminam os palácios. Só (lhes) falta o povo decidir ser justo.

(também publicado aqui)

4 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João,
deixa-me subscrever este teu post, recordando uma observação que o George Steiner, que não é propriamente um extremista, fez por ocasião da sua última ou penúltima passagem por cá. Dizia ele que não compreendia como não havia trabalhadores que, vendo os seus patrões "falirem" as empresas, para os mandarem para o desemprego, e irem depois apanhar sol e reabri-las noutro lado, empreendessem liquidá-los, sequestrá-los, e assim por diante. Bom, justamente, o Steiner falava do ponto de vista moral, e não aconselhava politicamente as acções evocadas. E suponho que, tal como eu, também tu não aconselharias a passagem à vingança directa em casos que tais. Mas é importante que digas qualquer coisa que se parece com o que o Steiner disse e que revela a iniquidade irremediável até mesmo dos regimes mais "soft" que o planeta conhece. O que indica bem que, se quisermos ir mais longe do que nos pode levar o desespero e a revolta moral - individual ou de pequeno grupo -, estamos moralmente obrigados a passar da moral à política.

Abrç

msp

LAM disse...

Grande prosa, João Tunes. Parabéns.

João Tunes disse...

Miguel,

Não é uma impossibilidade, embora não seja fácil, ser-se um reformista radical. E se abomino a violência como via de soluções políticas é porque ela é sempre parteira de poder de minorias (inevitavelmente opressora) pelo que ela só se justifica, transitoriamente, como meio de derrube de ditaduras (qualquer ditadura). Mas na base da escolha segundo o princípio de "um homem, um voto", única legitimidade cívica que reconheço, toda a radicalidade deve ser permitida, sobretudo se usada para premiar os oprimidos e excluídos e castigar os cínicos, os infames e os injustos.

Miguel Serras Pereira disse...

Caríssimo,
só não sei se interpretamos da mesma maneira "reformismo" e "revolução". Por mim, tenderia a dizer-me apostado em ser um "democrata radical". No sentido de estar interessado numa transformação radical das instituições e da relação que os cidadãos mantêm com elas.
A questão da violência, por outro lado, não deve ser equacionada apenas com a perspectiva da tomada do poder por uma minoria esclarecida que se pretenda legitimar pelos seus propósitos ou programa.
Uma transformação radical pode ser posta em marcha e instituir os seus princípios sem derramamento de sangue, embora os seus protagonistas - a grande maioria dos cidadãos - devam estar preparados para aceitar pegar em armas, enfrentar a luta de morte, em sua defesa, se a demonstração por outros modos da sua força não bastar como dissuasão.
E uma reforma mesmo reformista (no sentido das palavras de Tancredo no Gattopardo: mudar alguma coisa para que não mude o essencial) ou uma contra-reforma, que de radical só tenha o seu horror à democracia, podem recorrer à violência e causar banhos de sangue.
Creio, contudo, que, embora sendo importante afinarmos, irmos afinando, a terminologia, estamos de acordo no fundamental: só modos de acção intransigentemente democráticos poderão fazer a democracia e opor-se à reciclagem, reprodução ou reconstituição agravada da dominação classista e hierárquica que, de outra maneira, não deixará de se verificar após uma, duas, muitas explosões.

Saúde e liberdade

miguel