01/11/10

Elogio da Proposta Inadequada

O Nuno Teles respondeu e diz que “a realidade existe e as teorias e análises devem ser testáveis”. Acho que não concordo. Por certo que a realidade existe mas a ideia de que as teorias e análises devem ser “testáveis” remete para um entendimento da política em que esta é fundamentalmente tida como um exercício de adequação à realidade. A realidade existe mas as teorias e análises não são o que vem depois dessa realidade existe. São tão parte da realidade que existe como tudo o resto, de modo que é complicado discutir a legitimidade de teorias e análises tendo por base os resultados de um qualquer teste à sua adequação. Os riscos que este tipo de lógica comporta são dois: o risco do reformismo que nada muda e o risco de um radicalismo que é meramente idealista. Quando são confrontados com críticas anti-capitalistas, vários intelectuais e dirigentes políticos gostam muito de responder aos críticos dizendo que estes, por mais justas que sejam as suas críticas, não têm nenhum modelo alternativo para contrapor ao capitalismo. Uma boa parte da esquerda anti-capitalista tem procurado provar, com superior inteligência e trabalho árduo, que este argumento é inválido porque, na verdade, existem modelos alternativos válidos. Ora, este esforço de prova deixa na sombra o mais importante. E o mais importante é afirmarmos a nossa própria recusa da lógica subjacente ao desafio formulado pelos intelectuais e dirigentes do “sistema”. É que nem as “alternativas” vivem apenas num tempo futuro nem o que é dominante esgota o tempo “presente”. Não nos serve uma concepção tão homogénea de um e de outro tempo. Existem dois riscos que devemos evitar: o risco de não apresentarmos propostas e o risco de apresentarmos propostas que se adeqúem à realidade.

4 comentários:

maria disse...

eu aprendi que a teoria são os óculos com que a gente lê a realidade. e gosto desta definição. há quem use ray ban e quem compre no vendedor ambulante. ele há lentes rosa , lentes vermelhas... e ele ainda há quem não precise de óculos.

Niet disse...

Bom texto e bom ângulo de visão anti-sistema, claro. Niet

mescalero disse...

Devemos evitar o risco de apresentar propostas que se adeqúem à realidade? Não entendo como é que esta conclusão convive com aquela outra afirmação que diz, e com esta estou de acordo, que as alternativas existem já na sociedade presente.
Acho que a coisa posta nestes termos é, em última instância, acabar por concordar com os adversários quando rotulam essas propostas de fantasistas e utópicas.
Tanto o momento destrutivo como o construtivo têm de estar presentes, mas o construtivo não se deve limitar a teorias e muito menos sustentar-se em teorias não testáveis. Logo para começar, por uma questão de adequação entre os fins e os meios.
Como é que se pode argumentar convincentemente a não ser tendo como linha condutora do discurso um conjunto sólido de teorias testáveis, enquadradas com o sentimento e as estruturas sociais que resistem dentro do capitalismo?

Justiniano disse...

Caríssimo Zé Neves, secundando o caro Niet, bom texto e bom angulo de visão, mas sem o anti-sistema!!
De um ponto de vista Kantiano, a que talvez o Nuno Teles dê concordancia, poder-se-ia dizer, para além de que a realidade existe, que a realidade deve existir! Deve, segundo uma ideia de justiça que se há-de esclarecer!!