05/02/11

E a geração que não estudou?

A respeito da nova música dos Deolinda, tem-se falado muito da "geração que estudou e agora não arranja emprego" (bem, já se falava muito, mas agora ainda se fala mais)

Eu gostaria de abordar outra questão - e a geração que "não estudou"? Os cerca de 1/3 de jovens que não chegam a completar o secundário, e mais os que só têm o secundário (que, no conjunto, são, suponho, a maioria dos jovens portugueses), e que também passam a vida em contratos aqui e ali, e no desemprego pelo meio? É verdade que a taxa de desemprego entre os jovens licenciados é maior do que entre os jovens não-licenciados, mas interrogo-me se isso não será largamente uma ilusão estatística motivada por no conjunto "indivíduos entre os 16 e os 24 anos com uma licenciatura" a proporção de indivíduos que acabaram de entrar no mercado de trabalho ser naturalmente maior do que no conjunto "indivíduos entre os 16 e os 24 anos com o 9º ano de escolaridade". E os licenciados-precários ao menos ainda podem alimentar a esperança "um dia hei-de arranjar um emprego de jeito na minha área e livro-me desta vida de call centers e balcões de lojas"; os não-licenciados nem isso (e com o fim do ensino nocturno e a sua substituição pelas "novas oportunidades", até têm largamente fechada a via para melhorarem a sério as suas habilitações, embora mais facilitada para obterem uns papelinhos que ninguém leva a sério).

E, apesar do elevado desemprego juvenil entre os licenciados, é de esperar (a atender às estatísticas globais do desemprego) que ao longo da sua vida venham a estar menos tempo desempregados que os não-licenciados.

Eu não tenha nada contra os licenciados (sou um) nem contra os licenciados sem remuneração (foi um durante 3 anos, saltando de formação profissional para formação profissional, e mais um ano dando aulas 5 horas por semana e ganhando 30 contos/mês), mas às vezes cheira-me a um certo elitismo inconsicente nessa conversa dos licenciados-que-não-conseguem-arranjar-emprego (como se um licenciado tivesse mais direito a um emprego que qualquer outra pessoa).

8 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

É o que eu chamo o post certo no momento certo, meu caro M.M.
É preciso desnaturalizar a hierarquia e as suas evidências.
Nunca denunciaremos bastante a falácia que sustenta que o desemprego de um licenciado é mais injusto ou chocante do que o de um outro qualquer menos diplomado. Ou a que sustenta - é no fundo a mesma - a que um tipo que estudou, arranjou emprego na sua área de formação, pode encontrar um mínimo de satisfações intrínsecas no trabalho, deve ganhar mais do que um que não estudou, tem um trabalho sem qualificação, embrutecedor e tóxico, puramente alimentar.
Quando nos países nórdicos da época dourada da social-democracia, o leque dos salários e rendimentos foi significativamente reduzido, Castoriadis e outros faziam notar que o efeito dessas medidas niveladoras fosse uma apetência maior pelos trabalhos menos qualificados (com toda a gente a procurar um lugar de varredor de rua ou vendedor de bilheteira e a fugir dos cursos de medicina, de arquitectura ou de línguas estrangeiras como da peste). E ainda há uns anos, num debate, durante os Encontros de Abrantes de 1997 (Trabalho, Emprego e Cidadania) o sempre saudavelmente céptico Manuel Villaverde Cabral explicava a quem o queria ouvir que ainda que não ganhasse mais ou até mesmo ganhando um pouco menos preferiria sempre ser professor ou médico do que contínuo ou membro de uma equipa de recolha do lixo.
Excelente post, camarada.

Abraço libertário

msp

IO disse...

Tambem lamento o facto de haver tantos desempregados com ou sem licenciatura... mas quanto aos licenciados..que licenciatura?.
Temos.. ciencias da educação.. psicologia..comunicação..e mais de 200 cursos de engenharia sem nenhuma relação com a realidade do país,"alguns nem com a realidade", além das artes..

purpurina disse...

"É verdade que a taxa de desemprego entre os jovens licenciados é maior do que entre os jovens não-licenciados"

isto não é verdade. os números (para 2008) estão aqui: http://blog.oecdfactblog.org/?p=194#more-194

Miguel Madeira disse...

Cara purpurina,

vou ao seu link e não encontro números nenhuns sobre o desemprego entre os jovens (as estatísticas que lá aparecem referem-se ao desemprego dos 25 aos 64 anos).

Em 2005, segundo o Banco de Portugal, a faixa educacional com o desemprego juvenil mais elevado era, exactamente, os jovens licenciados (23,7% contra 16,1% em média) - ver aqui[pdf].

Acerca de, no conjunto da população, a taxa de desemprego entre os licenciados ser inferior à média, é exactamente o que eu queria dizer com "pesar do elevado desemprego juvenil entre os licenciados, é de esperar (a atender às estatísticas globais do desemprego) que ao longo da sua vida venham a estar menos tempo desempregados que os não-licenciados".

Um ponto adicional - quando comecei a escrever este post, eu estava efectivamente convencido que o desemprego entre os jovens licenciados era inferior à da tal "geração que não estudou", e tive que o reformular depois de ver que as estatísticas iam contra os meus pressupostos iniciais.

maria disse...

sensatos os do norte , preservam a diversidade social ( é tão vital como a bio ) não se aproveitando dela para criar desigualdades. afinal todas as funções são igualmente importantes. e as básicas talvez as mais.

purpurina disse...

ui, culpa minha! peço desculpa. tinha visto o outro gráfico mesmo antes de ler este post e nem me apercebi das diferenças.

esse gráfico do relatório anual é muito interessante, no entanto vale a pena olhar para o relatório de 2009 (pág. 103; não consigo colocar aqui links limpinhos, directos à página certa).

nota-se que o aumento do desemprego no último ano afectou principalmente os jovens com menor escolaridade. aliás, a taxa de desemprego diminuiu para os jovens licenciados tendo aumentado para todos os outros. e do link que enviei antes o que se nota é que a longo prazo compensa estudar*.

a diferença nesta faixa dos 15 aos 24 anos não terá também um pouco a ver com o facto de os jovens licenciados considerados nestes números terem entrado na população activa muito mais tarde? acredito que o ine tenha estas coisas todas em consideração, eu realmente não percebo muito disto e estou só a olhar superficialmente.

*estudar mais compensa sempre, mesmo não se considerando taxas de desemprego e diferenças salariais. e claro que isto é uma visão romantizada da coisa. toda a gente precisa de comer e infelizmente passar 15 ou 20 anos na escolinha não está ao alcance de todos.

purpurina disse...

ahaha! eu só me enterro.

caro miguel madeira, parece que temos exactamente a mesma opinião - e tanto o gráfico que enviei ontem como o do relatório do meu comentário de hoje a suportam.

vou ver se agarro uma mancheia de neve e esfrego a cara com força. acho que ainda não acordei...

Miguel Madeira disse...

Já agora, um link direito à pagina é assim:

http://www.bportugal.pt/pt-PT/EstudosEconomicos/Publicacoes/RelatorioAnual/Publicacoes/Cap4_09_p.pdf#page=7