Há quem descubra hoje, com grande comoção, que a vida pode ser complexa. Que, mesmo face a assuntos que em nada influenciamos enquanto indivíduos, por vezes não conseguimos chegar a certezas confortáveis. E nem vemos forma de aplicar as fórmulas que ainda há dias funcionavam sempre.
Uma intrusão na Líbia não era à partida desejável mas acaba por ser bem-vinda.
Um estado é soberano, mas a tal “responsabilidade de proteger” pode mesmo ultrapassar muitas outras considerações.
Já houve ocasiões que pediam intervenções similares? Já; mas isso agora é entrave para todas as acções, por mais justificadas que pareçam?
Kadafi é um déspota irracional? Certo, mas não é líquido que não disponha do apoio de muitos líbios.
A zona de exclusão aérea parecia uma medida justa e prudente, no entanto agora dá mostras de ser uma camuflagem para ataques a favor de um dos grupos em guerra.
Esta manifestação de força também funciona como um aviso a países pouco aquiescentes aos interesses ocidentais, como o Irão; mas outros governos com vontade de esmagar a dissensão popular terão agora mais dados em que ponderar.
O civilizado “Ocidente” busca um controlo apertado dos recursos petrolíferos do país? Mas não era o mesmo ditador sanguinário visto ainda há semanas como um simpático e útil parceiro de negócios?
As respostas, os princípios, as fórmulas de sempre hoje parecem mesmo insuficientes. Em que ficamos? Negamos todas as intervenções em países soberanos, independentemente do que por lá se passe, da legitimidade dos seus líderes, da violência perpetrada sobe o seu povo? Abrimos excepções agora, tendo em vista estas tão simpáticas “revoluções” no mundo árabe? Quem vai decidir a próxima intervenção similar? E quem, no meio da confusão que parece ser a cadeia de comando desta operação, decide quando interromper esta?
Eu não sei. E duvido que alguém hoje consiga responder a tanta questão com a clareza que os simples de espírito exigem. Felizmente que não estou em posição de tomar decisões relevantes para o futuro dos líbios – resta-me o parco consolo de reconhecer que eles também não têm estado nessa posição há décadas, o que agora tem vindo a mudar. Portanto, resta-me esperar.
Esperar que as vítimas civis não se acumulem em totais impensáveis, que a missão não acabe por deixar um dos lados desprotegido e à mercê da vingança do outro. Que tanto imponderável acabe, miraculosamente, por resultar em qualquer coisa de benéfico para os líbios. Embora receie que tal seja quase o mesmo que agitar as peças de um relógio dentro da sua caixa desejando que tudo acabe por encaixar no sítio certo.
22/03/11
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2 comentários:
Completamente de acordo com o seu post, com um pequeno mas.
Mas, não sabemos já o que aconteceu das outras vezes em que agitámos as peças do relógio?
Cumps
Claro que sabemos. Daí o escasso optimismo reinante por aqui. A não ser que se contem nesse número de eventos coisas como a declaração de guerra do Reino Unido à Alemanha Nazi – então, os resultados eram ainda mais imprevisíveis, porque globais. Mas tivemos alguma sorte, apesar de tudo.
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