18/06/10

"Pontes" e "Tolerâncias de Ponto" (outra vez)

Acho que ainda para aí uma enorma confusão entre os conceitos de "ponte" e "tolerância de ponto" (provavelmente devido à semelhança fonética), p.ex., na discussão sobre este post do Gabriel Silva.

- "Ponte" é o hábito de meter um dia de féria entre um feriado e um fim-de-semana

- "Tolerância de ponto" é o governo (no caso da Administração Pública; poderão existir situações equivalentes nas empresas privadas) dizer que num determinado dia não é preciso vir trabalhar (normalmente tal ocorre no 24 de Dezembro, 31 de Dezembro, Carnaval e tarde de Quinta Feira Santa)

A lei que se anda a falar agora tem a ver com as "pontes", não com as "tolerâncias de ponto".

É verdade que até pode acontecer o governo decidir dar "tolerância de ponto" num dia de "ponte", mas é relativamente raro (essa tolerância de ponto/ponte só costuma ocorrer quando o Natal e o Ano Novo calham a um 5º feira; no entanto, aí normalmente a regra é "só 50% dos funcionários podem gozar cada uma das tolerâncias").

Para finalizar, eu, que sou uma espécie de funcionario público (mais exactamente, trabalhador com "Contrato Individual de Trabalho" de um "Estabelecimento Público Empresarial"), quando marco as minhas férias tento sempre apanhar o mais possível de feriados dentro delas (para ter o maior periodo seguido de férias com o mínimo de dias); se fosse como me parece que algumas pessoas julgam que é, faria exactamente ao contrário – não marcar férias em semanas em que haja feriados (para não desperdiçar um dia de férias para uma data em que teria "tolerância de ponto" de qualquer maneira.

1 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Miguel,
tens toda a razão e creio que marcas indiscutivelmente o teu ponto.
No entanto, o que me pergunto acerca de tanta discussão sobre a necessidade de tanto reengineering do calendário - a respeito de "pontes", "tolerâncias de ponto", feriados laicos e religiosos, etc. etc. - é se essa discussão não funciona como uma cortina de fumo ou de ruído para silenciar e prevenir um debate político fundamental sobre o tempo de trabalho, a "partilha" do trabalho, a redução dos seus horários, a igualização das condições de exercício das actividades remuneradas ou que engendram rendimentos.
No quadro da economia política actual e do seu regime de repartiçãao de rendimentos teoricamente indexado à contribuição de cada um para a criação de riqueza - e tanto o cálculo da contribuição de cada um como as condições óptimas da criação de riqueza são incalculáveis, do mesmo modo que qualquer definição estritamente quantitativa de riqueza é arbitrária -, há e continuará a haver, postos de trabalho a menos com tempo de trabalho a mais. Para assegurar as mesmas tarefas e produzir os mesmos bens e serviços, é necessário, apesar de tudo, cada vez menos tempo de trabalho, e tanto este tempo de trabalho como os empregos correspondentes são desigualmente repartidos e em termos que engendram cada vez mais desigualdades, ao mesmo tempo que uma expansão irracional da mercadoria alastrando a domínios outrora públicos ou comuns e relevando de outras esferas que não a das transacções contratuais.
Como sabes e poderás explicar melhor do que eu sob muitos aspectos, este lado da questão económica é uma questão política maior e pelas respostas que lhe soubermos ir dando dependerá o tipo de sociedade, de condições de existência em comum, que teremos e faremos. E é por isso que não posso deixar politicamente suspeita e mentalmente redutora - para não dizer imbecilizante - esta indistência nos feriados e pontes, nas questões de calendário, relevando em parte da manobra política e da manipulação propagandística, mas sendo em parte, também e talvez mais gravemente, sintoma da naturalização da economia política dominante, erigida em última palavra da história ou seu horizonte último insuperável.
Não te parece que vai sendo tempo de abrirmos mais decididamente esta frente de combate.

Abraço libertário

miguel sp