O PCP votou contra o apoio à Grécia e o BE votou a favor. Para o João Tunes e para o Daniel Oliveira o voto do PCP resulta do facto deste partido ser adepto do "quanto pior, melhor". Já para o Renato Teixeira o que é preocupante é o voto do BE. Que assim apoia e autoriza a política de garrote imposta pela UE e FMI à Grécia. Eu traço uma diagonal entre estes dois tipos de posições. Para ajudar à confusão, que o dia ainda vai no seu começo.
Não creio que o PCP seja defensor do "quanto pior, melhor". Esse tem sido o argumento muitas vezes utilizado quando se acusa o PCP de não pretender estabelecer pontes com o PS, mas é um argumento que me parece um pouco manco; porque o que se revela aqui é que não estamos de acordo quanto ao que é pior e ao que é melhor, nada mais do que isso. Acho por isso que a fórmula é hoje em dia mais equívoca do que esclaredora.
Se, por "quanto pior, melhor", entender-se que é preciso que as pessoas sofram para que um dia se revoltem, então eu também rejeito a frase, porque a razão tem a sua astúcia, como dizia o outro, mas o comunismo não é assim tão manhoso. Mas se a fórmula do "quanto pior, melhor" pressupõe que estamos todos (políticos de diferentes áreas, por um lado, políticos e povo, por outro lado) de acordo quanto ao que é "pior" e ao que é "melhor", então a fórmula é enganadora. Por exemplo, à esquerda tendemos a achar que o povo prefere um emprego qualquer em lugar do desemprego (felizemente, os recentes desenvolvimentos tiveram o condão de tornar isto mais problemático). Isto, porém, não é pressuposto à direita, para quem existem alguns (muitos, no entendimento de Paulo Portas) que preferem viver "à custa" do subsídio de desemprego para não terem que trabalhar. Ora, estando eu nos antípodas de Portas, entendo que, se essas pessoas existirem (e não duvido que existam), elas não devem ser objecto de nenhum tipo de censura moral ou política. E isto é desde logo um problema prático: de não admitirmos que, na hora da luta, continue a cisão entre quem está empregado e quem está desempregado. MAs aqui, é claro, há todo um debate complexo (mas absolutamente necessário) a travar em torno de trabalho, emprego, economia. Creio, aliás, que o rendimento garantido deveria ser universal na medida em que a produção, então em sociedades cada vez mais precárias e onde o tempo de trabalho e de vida se mescla, não depende de termos ou não termos emprego. Todos os que produzem devem ser pagos e nós não sabemos hoje traçar os limites da esfera da produção. A reprodução, por exemplo, é produção? O desempregado que preenche formulários e cumpre burocracias não é alguém que fornece elementos indispensáveis à estatística? A pressão que garante que o empregado trabalhe ao ritmo do patrão compreende-se se não for relacionada com a alusão do patrão ao exército de reserva que está cá fora à espera? E por aí fora.
No que respeita à Grécia, o exemplo argentino de início do século é muito interessante. Trata-se de um tempo que foi vivido como um tempo de crise e desemprego, mas também um tempo de alegria e revolta. E não apenas nos sectores intelectuais ou partidários, mas em muitos contextos populares. Vão a Buenos Aires, passeiem por San Telmo, e perguntem pelas assembleias barriais.
Já no que toca ao PCP e ao BE, bom, o essencial é não estarem a "falar de fora". E o que é falar de dentro, perguntam-se? Pois, não sei bem. Mas sei que é nestes momentos que se torna clara a falta que faz uma nova internacional, a quinta a sexta ou outra coisa que nem se chame internacional, onde as posições possam ser tomadas tendo em conta as várias realidades em luta, lá como cá, e sem termos que estar a - perdoem-me a expressão - "cagar de alto" acerca da objectividade do bem e do mal das medidas que este país tome em relação à vida dos outros. Neste sentido, espero que a tomada de posição do BE tenha sido enformada pelo secretariado da IV Internacional e que a posição do PCP tenha sido enformada por aquela rede de partidos comunistas que se reúne de quando em quando. Bom, pelo menos espero que PCP e BE se tenham lembrado, antes da votação, de consultar os seus camaradas gregos. Sem linhas cruzadas, que é para ninguém se chatear.
08/05/10
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6 comentários:
francamente não consigo perceber como é que se pode fazer uma síntese entre as duas posições. e já nem falo no momento de votar.
quanto a mim o joão tunes e o daniel têm toda a razão. o renato (e o PC) são peritos em descobrir a venalidade intrínseca do sistema (são uma espécie de padralhada fundamentalista à savonarola), não há nenhum acto da governação democrática que escape ao radar puritano dessa gente, mas já se sabe das vantagens que têm para oferecer. Quer aos gregos quer aos troianos.
rui,
uma diagonal não é uma síntese.
abç
Zé Neves,
não vejo onde estás em desacordo e onde te preocupa menos a posição da esquerda parlamentar.
Falo da importância da luta dos gregos e do que andam a dizer nas ruas.
Terás dúvidas, que na falta da tal internacional, a esmagadora maioria do movimento de protesto, está contra o aumento da dependência externa?
Verás sentido em estar solidário com a luta em Grécia e ainda assim contribuir para que as razões dessa luta se aprofundem?
Não percebo, sinceramente, a necessidade da diagonal.
Saudações.
Isto é das tais coisas que tenho grande dificuldade em ter aquilo que se chama "uma posição sobre o assunto". Se uma peca por depositar (na prática é isso), a esperança nas mãos dos que têm destruído a tal Europa social e são os responsáveis por (mais) esta crise; os outros querem deixar arder, mesmo sem perspectivas de que o rastilho de Atenas contagie outros países a ponto de fazer inflectir as políticas na Europa. Este lavar de mãos também me parece facilitista e pouco responsável.
Caro Renato,
Perguntas-me "Verás sentido em estar solidário com a luta na Grécia e ainda assim contribuir para que as razões dessa luta se aprofundem?". Mas eu não acho que a matemática do problema seja assim tão simples. A argumentação que fazes é de "laboratório". Na prática não sei se é possível ter assim tão claro o que será o efeito disto ou daquilo. E por isso não condeno a posição do BE do mesmo modo que o fazes. E o modo é muita coisa.
Posto isto, acho que há, na posição do BE, uma aspiração abstracta a uma ideia de solidariedade internacional que não é a minha. A minha ideia de solidariedade internacional não é o povo português ajudar o povo grego por via do governo português e do governo grego e mais a UE no meio. Não digo que aí não haja nada de internacionalista. Há. Mas não chega e pode até, conforme dizes, ser contrário a uma certa ideia de itnernacionalismo proletário. Mas este, por sua vez, não pode ser calculado por um militante como tu (ou eu) a juglar "de fora" o que é objectivamente em prol ou em desfavor do proeltariado grego. Daí a minha declaração de esperança de que o modo como BE e PCP chegaram à conclusão que cehgaram (apoiar e não-apoiar) possa ter sido sustentado nos contactos que ambos têm com partidos gregos.
Zé
A propósito do teu texto, deixo um longo comentário noutro lado:
http://joaoromao.blogspot.com/2010/05/internacionalismo-e-falsos-avestruzes.html
Abraço
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