17/02/11

O espectro da Direita

Quer o Daniel Oliveira, quer o Rui Tavares, em textos em que criticam o anúncio da moção de censura ao governo pelo BE, indicam como uma das razões da sua posição o risco de constituição dum governo de Direita como consequência de novas eleições legislativas. Para além do facto, já salientado por Francisco Louçã, de tal argumentação denotar uma inusitada aversão ao princípio democrático - o governo deve reflectir a vontade do povo, parece escapar ao Daniel Oliveira e ao Rui Tavares que um governo apoiado no PSD (e CDS), mesmo que com maioria absoluta na assembleia da república, não terá necessariamente mais capacidade para implementar políticas de direita do que o actual (e anterior) governo. Não tenho dúvidas que um governo PSD (+/- CDS) tentará impôr políticas ainda mais à direita do que o actual governo, principalmente nos aspectos cultural, laboral e social, não tanto no que se refere a medidas de cariz económico e financeiro. O que não é para mim de todo claro é que um tal governo consiga efectivamente implementar essas políticas. É que não basta ter o apoio duma maioria absoluta de deputados na assembleia da república para se fazer o que se quiser, mesmo em Portugal. Como foi demonstrado nos reinados de Cavaco e Sócrates I, é possível na rua (entendida como palco da toda a acção extra-parlamentar) combater as intenções de governos arrogantes e ganhar, obrigando-os a recuar.

Ora, neste momento, uma parte significativa daqueles que estariam dispostos a vir para a rua combater políticas governamentais de direita não o fazem, porque consideram-se simpatizantes do PS, sentindo-se divididos nas suas intenções. Uma vez o PS fora do governo, muitas destas pessoas irão rapidamente radicalizar o seu discurso e acção. Ou seja, um governo PSD (+/- CDS) até pode tentar ir mais longe do que o actual governo na implementação de políticas de direita, mas também irá de certeza encontrar muito maior oposição na rua, não só porque tais políticas afectariam ainda mais as pessoas, mas também porque muitas ficariam libertas da sua ligação partidária ao governo. Ainda, felizmente temos uma Constituição que nos protege de grande parte do radicalismo de Direita, impedindo que um governo PSD (+/- CDS) consiga ir tão longe nos seus intentos como gostaria. Aliás, é quando o PS está no governo que existe um maior risco de certas medidas neo-liberais radicais, como por exemplo acabar com a necessidade de justa causa no despedimento individual, serem implementadas, pois apenas com o beneplácito do PS - muito mais provável estando no governo - é que a Direita consegue mudar a Constituição. Um dos candidatos a ideólogo da Direita portuguesa, José Manuel Fernandes, tem dito o mesmo. Não me espantaria que preferisse uma vitória tangencial do PSD nas próximas eleições legislativas, o que muito provavelmente originaria um governo PSD+PS, a uma maioria absoluta do PSD (+/- CDS).

Em resumo, a saída do PS do governo dará ainda mais força à oposição na rua a políticas governamentais de direita, podendo mesmo tornar inviáveis políticas que este governo, mesmo minoritário, conseguiria implementar. Nos sistemas democráticos representativos, para se ter a certeza que certas políticas mais radicais são implementadas e se tornam permanentes, nada melhor do que assegurar que é a "oposição" parlamentar que se responsabiliza por tal. Portanto, não acho credível o medo da ascensão do PSD ao governo que o Daniel Oliveira e o Rui Tavares parecem querer incutir nos seus leitores.

3 comentários:

AP disse...

É extraordinariamente perigosa a defesa do quanto pior melhor, seja em que contexto for. Se é certo que, lições da história, um estado ditatorial leva, invariavelmente, a convulsões sociais e a uma revolta de rua generalizada (vide o Egipto), não é por isso que devemos, em qualquer momento, defendê-lo. Por uma razão muito simples: o entretanto e as consequências para as pessoas. Tiques radicais clássicos das "direcções revolucionárias" que devem ser desmistificados. Os fins não justificam os meios.
Neste caso, uma moção de censura só pode ser aceite se tiver o objectivo claro de derrubar um governo que não faz melhor que um qualquer outro de direita - que é o caso do PS. A moção apresentada pelo Bloco, já de si com o objectivo de ser chumbada (!?), é só mais uma jogada táctica pateta (e com resultados adversos) a que o Bloco nos tem habituado nos últimos anos.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,
muito bem. Enquanto não pode romper com regime da actual divisão do trabalho político, no sentido da democracia igualitária em que a política e o governo daquilo que é matéria que reclama governo comum seriam assunto de todos, direito e dever de todos, o campo da democracia não está condenado à inactividade nem impossibilitado de travar a oligarquia e fazer avançar liberdades e direitos. Por isso, sublinho o que dizes quando escreves: "Não tenho dúvidas que um governo PSD (+/- CDS) tentará impôr políticas ainda mais à direita do que o actual governo, principalmente nos aspectos cultural, laboral e social, não tanto no que se refere a medidas de cariz económico e financeiro. O que não é para mim de todo claro é que um tal governo consiga efectivamente implementar essas políticas. É que não basta ter o apoio duma maioria absoluta de deputados na assembleia da república para se fazer o que se quiser, mesmo em Portugal. Como foi demonstrado nos reinados de Cavaco e Sócrates I, é possível na rua (entendida como palco da toda a acção extra-parlamentar) combater as intenções de governos arrogantes e ganhar, obrigando-os a recuar".

Abrç

miguel (sp)

Pedro Viana disse...

Caro Miguel,

É essa mesma a mensagem central que pretendo passar. Neste momento, a oligarquia no poder, não só em Portugal mas um pouco por todo o mundo, perdeu o interesse no compromisso. Porque os recursos estão a ficar escassos, e essa oligarquia decidiu açambarcar enquanto pode. Daí ter-se tonado imposssível induzir qualquer mudança no sistema, mesmo que superficial, sem lutar, na rua, contra essa oligarquia. Mas para que essa luta tenha possibilidade de sucesso precisamos de gente, tanta quanto fôr possível, na rua. E com o PS fora do governo, há em princípio um maior número de pessoas dispostas a vir para a rua. Não tenho dúvidas que um governo PSD/CDS sofrerá muito maior contestação na rua do que o actual governo, **mesmo que as políticas que tente implementar sejam rigorosamente as mesmas**.

Um abraço,

Pedro