Como contributo para o debate em curso sobre os acontecimentos na Líbia, aqui ficam algumas passagens de uma entrevista de Jean-Luc Mélenchon, cuja tradução e comunicação agradeço ao Rui Tavares.
Em entrevista ao Libération, o eurodeputado do GUE/NGL, candidato presidencial francês e copresidente do Parti de Gauche, que com os comunistas franceses faz parte da Frente de Esquerda, responde às seguintes perguntas sobre a Líbia.
Porque apoia os ataques aéreos na Líbia?
A primeira questão que temos de nos colocar é a seguinte: há um processo revolucionário no Magreb e no Médio Oriente? Sim. Quem faz a revolução? O povo. É pois decisivo que a vaga revolucionária não seja quebrada na Líbia. Bastaria que Kadhafi ganhasse para que a mensagem passasse a ser: "aquele que bater durante mais tempo e com mais força no seu povo durante uma revolução, ganhou". Ora isto seria um sinal desastroso, uma vitória da contra-revolução! A minha posição é constante: sou partidário de uma ordem internacional garantida pelas Nações Unidas.
Mas conhecemo-lo bastante mais crítico contra as intervenções militares… porque votou favoravelmente, por exemplo, a resolução no Parlamento Europeu?
Esta resolução, apresentada pelos socialistas, os verdes, uma parte da direita e assinada pelo presidente do meu grupo [GUE/NGL], Lothar Bisky, membro do partido alemão Die Linke, pedia à Comissão Europeia que estar pronta caso houvesse uma decisão da ONU. Votei sim por essa razão. Aprovo a ideia de que há que vergar o tirano para o impedir de vergar a revolução.
No seu campo nem toda a gente é favorável a esta intervenção. Os comunistas em particular têm denunciado o risco de uma escalada…
Claro que há o risco de um escalda, mas antes disso temos o risco de um massacre! Aprovo então o mandato da ONU, mas não mais do que isso. Sou contra uma intervenção em terra. Não estamos em guerra contra a Lìbia. Peço-lhe que compreenda: a última palavra não pode pertencer à força contra a revolução! E quais são as alternativas? Não é com comunicados que se pode abater um ato ou destruir um tanque! Se a Frente de Esquerda governasse a França, teríamos ficado a ver a revolução líbia estrebuchar como os nossos antecessores ficaram a ver os revolucionários espanhóis morrer? Não. Interviríamos directamente? Não. Teríamos ido à ONU pedir um mandato. Exatamente o que foi feito.
A sua posição não é coincidente com a sua oposição à Guerra do Golfo, em 1991, às intervenções no Kosovo e no Afeganistão…
Há uma diferença fundamental! Todas essas guerras se fizeram através de uma decisão unilateral da NATO. No caso presente, pelo contrário, a intervenção faz-se com mandato da ONU. Ora isso é decisivo: não há ordem internacional sem passar pela ONU.
No caso da Líbia, você concorda com o direito de ingerência…
Não. O direito de ingerência não existe e eu espero que nunca venha a existir. O que conta, para mim, é a referência ao dever de protecção da sua população por parte de um governo. Kadhafi dispara sobre a sua população. Em nome do dever de protecção, a ONU pede para intervir.
21/03/11
Jean-Luc Mélenchon: " Há que vergar o tirano antes que ele vergue a revolução"
por
Miguel Serras Pereira
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12 comentários:
Que eu me recorde antes da invasão do Iraque pelos americanos, havia duas zonas de exclusão aérea naquele país, uma a norte, na zona dos curdos, e outra a sul na zona dos xiitas. Ou seja qualquer avião de Saddam Hussein que quisesse penetrar naquela zona era abatido. Isto, segundo me recordo, deu grande tranquilidade aos curdos para sobreviver como grupo étnico independente. O que deveria suceder na Líbia era o mesmo. Evitar que qualquer avião de Kadafi pudesse sobrevoar as zonas da Cirenaica onde grassa a revolta. Ora o que está a suceder é um sistemático bombardeamento das estruturas militares de Kadafi, independentemente se são ou não estruturas anti-aéreas. Ou seja, está-se a apoiar militarmente um dos lados da contenda, de modo a que o outro possa vir a ganhar força. Não se está a defender as populações civis de bombardeamentos indiscriminados. Ora a as Nações Unidas não deram um mandato nesse sentido, daí a oposição da Liga Árabe e da Rússia. Por isso mais uma vez recomendo aos precipitados que se informem.
Caro Jorge Nascimento Fernandes,
penso, como V., que o mandato das Nações Unidas deve ser respeitado e que devemos denunciar quaisquer medidas que o excedem a coberto de o cumprir.
Digo bem: a coberto ou a pretexto de o cumprir.
Mas, por outro lado, creio também que os movimentos democráticos e radicais da UE deveriam, independentemente das Nações Unidas, exigir dos seus governos que tratassem como aliados os revoltosos, reconhecessem o seu campo como "governo legítimo" ou equiparado, lhes fornecessem armas e outros meios - embora sem ocupação do território líbio ou invasão.
Não vou repetir as razões em que baseio esta tomada de posição - imperativo de solidariedade democrática com os que pegam em armas contra uma ditadura, num quadro de guerra civil; necessidade de não nos resignarmos à "Europa realmente existente" e à sua secundarização global (processo que tem alimentado e sido alimentado pela apatia democrática reinante). Estão aí os posts em que, desde o início da revolta líbia, apresentei - tanro do ponto de vista líbio como do ponto de vista europeu e global - os meus argumentos.
Cordiais saudações democráticas
msp
Mas Miguel, exactamente o que é que nós sabemos acerca dos "revoltosos líbios" para que o apoio à sua luta seja incondicional e consideremos os seus objectivos inequivocamente justos?
Ricardo,
não falo em apoio incondicional, nem digo que devemos atender ou ecoar indiscriminadamente tudo o que os insurrectos possam dizer. Sei que devemos apoiá-los na luta contra Kadhafi em torno de um programa mínimo de instauração de liberdades e direitos "democratizadores". Como fizemos em relação ao Egipto e à Tunísia, e espero que estejamos prontos a fazer em relação a Marrocos, à Arábia Saudita, ao Irão e a tutti quanti.
Abraço
miguel (sp)
Mas no caso da Tunísia e do Egipto não apoiámos nenhum bombardeamento Miguel. O caso é mais complexo do que isso. E, como estão as coisas, qualquer coisa que vá no sentido de bombardear o Irão seria positivamente brincar com o fogo.
Os "insurrectos Líbios" parecem festejar esta intervenção militar, mas ainda é cedo para avaliar o seu impacto. Existe o perigo real de ela vir a fortalecer Kadhafi no plano político, na exacta medida em que o enfraquece no plano militar. E nesse caso - gerando-se uma solidariedade com base em elementos de identidade étnica, religiosa e regional - estes bombardeamentos podem bloquear o processo em curso.
Um abraço para ti também.
Na " mouche ", R.Noronha. O foguetório USA/UK/F. sobre os homens e as instalações de Kadaphi-parece ser um aviso para os hard-liners no poder no Irão.E numa espiral de terror também para a Síria, os taliban dos dois lados da fronteira do Afganistão, o Herzbolah de Beirute, a Síria, and so on. Niet
Ricardo, sim, as apreensões que exprimes são mais do que justificadas - ma digamos que "o processo em curso" correria também sérios riscos com o esmagamento da revolta por Kadhafi - que seria um exemplo e um precedente para todos os ditadores da região.
Por outro lado, se, no Egipto, uma fracção substancial das forças armadas, dispondo do controle do grosso do material bélico e da força aérea, tivesse ficado com Mubarak e a repressão desse lugar a uma guerra civil, tu excluirias à partida que exigíssemos apoio logístico, exclusões aéreas, etc., ao outro lado? A diferença é que Mubarak foi abandonado e não houve necessidade de uma guerra civil para obrigar os EUA a mudarem de política a seu respeito - enquanto foi necessário esperar pelos primeiros confrontos na Líbia - entre os agentes da repressão e os rebeldes que não capitularam - para que o nosso governo, o de Berlusconi, o de Sarkozy, etc., etc., deixassem de apostar em Kadhafi e na "especificidade" líbia.
Como escreve alguém que não se conta habitualmente entre os meus comentadores preferidos e cujas posições políticas genéricas não partilho:
"Ha sobrevivido, pero ya no va a sobrevivir. Ahora su chantaje se ha terminado y no precisamente porque lo hayan decidido los chantajeados, hartos de aguantarle. No, sus amigos forzosos tenían todo el aguante del mundo, el que dan el dinero y los intereses, y no iban a mover ni un dedo para que cambiara. Más bien al contrario: preparaban la continuación del negocio bajo la batuta de su hijo más educado, este Saif al Islam, falsificador de tesis universitarias. Tampoco sus enemigos más declarados, los israelíes, por ejemplo, querían despacharle. Hay enemigos benditos por el cielo, que hacen su maldita tarea con eficacia insuperable: toda la gestualidad hostil requerida y nula eficacia práctica en la obtención de resultados políticos.
Ahora, por más que gallee, [Kadhafi] está en las últimas. Sorprendido y desconcertado, es verdad. No puede caberle en la cabeza que no se le permita hacer lo que ha venido haciendo durante tantos años sin mayores problemas. Menos todavía que quienes le festejaron y aplaudieron sean los que le bombardean y exigen su rendición.
Quienes han puesto pie en pared y han terminado con este sainete siniestro de sangre y dinero han sido los jóvenes árabes que se han rebelado contra sus respectivos dictadores y contra sus manías compartidas. Todos ellos eran corruptos, todos querían hacerse suceder por sus hijos y todos practicaban parecidos chantajes con el terrorismo, la inmigración y el petróleo. La intervención militar que empezó el sábado en aplicación de la resolución 1973 del Consejo de Seguridad es hija directa y obligada de las revueltas árabes, mucho más que de la voluntad hasta ahora escasísima de europeos y americanos".
(http://blogs.elpais.com/lluis_bassets/2011/03/gadafi-y-sus-amigos.html)
Abrç
miguel(sp)
A frase é vistosa, convenhamos. Mas Mélenchon vale quase zéro.E vive de " golpes mediáticos". Era socialista " miterrandista" nos golden days; e metamorfoseou-se afastando-se do PSF por cálculos eleitoralistas. Juntou-se ao PCF, aos seus destroços e grita tanto nos meetings e nas mesas-redondas, que, a classe política francesa, o crismou de " pit-bull"...Com a sua " ambição " sedenta e atabalhoada vai tentar criar um problema no eleitorado " socialista", como em 2002 o realizou J-Pierre Chevenement que " queimou " Lionel Jospin " , projectando involuntariamente Le Pen para a 2.a volta das Presidenciais daquele ano...Mélenchon não vale 5 por cento nas sondagens. Niet
Grande Mélenchon!
Ola,
Quanto a mim, duas importantes questões, entre as varias que se levantam, são as seguintes :
1. Como é que podemos esperar controlar o cumprimento do mandato da ONU, e também de futuro estar atentos às limitações desse tipo de mandatos, se desacreditamos por principio a resolução a pretexto que se trata de uma jogada imperialista ?
2. Como é que podemos acreditar no respeito efectivo do direito internacional humanitario se excluimos ab initio que ele possa requerer limitações à reserva de soberania dos Estados.
De uma maneira concreta e bastante pratica : em que é que os gritos folcloricos da esquerda ajudam os objectivos que ela declara querer proteger (que, presumo, não consistem apenas em favorecer o regime de Kadhafi) ? Para não ir mais longe, a reacção epidérmica não é a maneira mais evidente de ocultar que existe uma diferença substancial entre a Resolução agora votada e a Resolução ao abrigo da qual se deu a invasão do Iraque (da segunda vez, porque da primeira, em 1990, julgo que todos concordaremos que se tratava de repelir uma agressão internnacional) ?
Boas
Ricardo Alves: Parece que o que resta do P.C.F.- e o seu presidente, Paul Laurent-vão deixar cair Mélenchon e o seu micro-partido,o dito Partido de Esquerda! Com efeito, o actual lider do PCF particiou num arraial num barco-peniche- atracado nos cais do Seine em Paris, com as líderes do P.Socialista e da Europa Ecologia.Por outro lado, segundo o semanário fundado por J-F.Khan, o PCF parece que exigiu do Ministério do Interior a separação dos votos contados com o PG, na primeira volta das Cantonais. Importa discutir, claro. Faço-o só por isso, como fui o único a defender o MS.Pereira quando foi vitima de hediondos ataques,há dez dias atràs. Salut! Niet
O Mélenchon - que se tinha oferecido ao PCF para candidato presidencial...-tem a escola sindical completa, e foi membro das seitas trotskistas lambertistas, a OCI, de tristíssima memória " entrista " e "manipuladora", ao arrepio de toda a belíssima tradição erguida a ferro e fogo pelo Léon Bronstein. Niet
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