Embora com algum atraso — devido a razões ponderosas que me apresentou, mas não vale a pena aqui referir - e já depois de publicada nova crónica no Público sobre o mesmo tema, o Rui acaba de me enviar o seguinte texto, que, funcionando como introdução e resumo dos pressupostos das suas posições, continuam a poder servir de ponto de partida.
Ainda os reformulocionários
Escrevi a crónica aqui abaixo [ler aqui] a pensar numa conversa entre o Zé Neves, aqui no Vias de Facto, e o Vítor Dias no Tempo das Cerejas. Imodestamente, acho que ela (como a anterior, que se chama simplesmente "Os reformulocionários" e que está no meu blogue) toca em alguns pontos importantes para a esquerda de hoje em dia, que precisa de se reencontrar com a sua natureza de "aliança dos muitos" ou "aliança das pessoas comuns" — aquelas que não são ricas nem poderosas, enfim. Pontos esses: os laços de solidariedade entre trabalhadores, gerações, indivíduos diferentes; a constituição de alternativas concretas à "maneira como as coisas se fazem"; a superação da dicotomia entre um reformismo que está, por agora, falido, e um revolucionarismo que tem dado, com alguma frequência, frutos autoritários; a identificação de que ambos (reformismo e revolucionarismo) prometem austeridade e autoridade agora para emancipação depois; e a grande questão: como colocar a emancipação na agenda desde o início? — etc.
Entre estas várias coisas (que para o incauto correm o risco de parecer gasosas) há uma muito concreta. E essa, parecendo comezinha ao incauto, tem muito de idealista e quase espiritual. Como pode a esquerda reconstituir a base de apoio que estabeleceu na viragem entre o século XIX e o século XX e que ainda é a que lhe vai dando algum gás hoje, em particular nos sindicatos? Mas como pode fazê-lo em condições que são hoje muito diferentes, de precariado, globalização, e redes sociais assentes na internet? Resposta: pode fazê-lo como fez então: dando razões às pessoas para acreditar. Essas razões são, de forma não exaustiva: soluções concretas, laços de solidariedade, vitórias. E dou exemplos concretos, uns macro, outros micro.
Espero que gostem [da crónica] e tenho esperanças de que isto possa fazer debate.
Uma nota: o Vítor Dias, que é habitualmente um blogger atento e perspicaz, anda completamente obcecado com um tema menor nesta conversa, a saber: se eu trato bem ou mal o PCP. Na primeira crónica era porque havia uma expressão como "...todos os partidos, da esquerda à direita, devem estar a consultar o comité central ou a agência de imagem". Uma figura de estilo, evidentemente, e muito mais cruel para a direita do que para o PCP, a não ser que o Vítor Dias tenha problemas com o Comité Central (coisa que não lhe desejo!). Na segunda crónica porque descrevi, com rigor, que os iniciadores da manifestação a convocaram sem pedir licença aos partidos, sindicatos e associações. O Vítor Dias interrompe para dizer "o PCP é diferente!", "o PCP é estruturalmente democrático!" (parafraseio). Caro Vítor, isso são opiniões, e também tenho as minhas, mas tem mesmo vontade de ter a discussão em termos tão estreitos? Se eu escrever aqui sobre o Japão, vai dizer-me que o PCP não provocou o sismo?
8 comentários:
Rui Tavares,
você é um tipo inteligente e o debate que diz querer promover parece-me salutar. Contudo, quando você equipara o directório dos partidos da direita (PS, PSD e CDS) com o Comité Central isso é estar a querer dizer que as instâncias de poder do capital são mto aproximadas das do PCP. Ora, para quem diz querer um debate das esquerdas isso é um contra-senso. Esperemos é que isso não se torne num senso, num sentido do contra o debate com o PCP para a construção de alternativas à esquerda do poder dominante.
Cumprimentos
Os textos do Rui Tavares marcam uma enorme diferença face ao síndroma de politiquice profissional em que se embrenharam os líderes em colectivo do BE.
A emancipação e a solidariedade de todas as classes em luta - leitmotv central da argumentação de R. Tavares- constroem-se sobretudo e também denunciando a estrutura burocrática/piramidal dos partidos tradicionais da esfera politica,incentivando, com rigor e audácia a destruição da separação entre políticos e eleitores, governados e lideres que, implacavelmente, se insinua e irá adaptar no correr do tempo os partidos à ordem da dominação capitalista mais implacável e destruidora. De qualquer modo, a reflexão de Rui Tavares ainda está longe de suscitar grande entusiamo nas franjas autonomistas, pois isso implicará que se perfile contra a lógica real da instituição da sociedade interclassista em que vegetamos. Niet
Eu gostei muito do post. Repesquem a ideia do Miguel Madeira no artigo do Le Monde (sobre a criação de moedas locais) e tragam a debate ideias sobre mutualismos vários. E quem diz debates diz discursos de megafone na mão, nas ruas, durante as próximas manifestações laicas, apartidárias e pacíficas. Repesco o que disse ontem: os partidos de esquerda não o farão, e se o fizerem haverá muita gente a não se identificar com essas causas, automaticamente.
Sobre a nota de Rui Tavares:
1. Eu tenho o direito de nos textos dos outros escolher as partes ou temas que mais me interessam e se R. Tavares acha que escolhi uma questão menor eu respondo-lhe que escolhi uma questão que considero grossíssima do ponto de vista de cultura democrática.
2.O Rui Tavares, em vez de me citar, resolve parafrasear-me, como caminho mais directo (e mais indecente, diria eu) para deturpar o que realmente escrevi.
Se eu algum dia, por absurdo,eu lhe fizesse o mesmo calculo quanto ele gostaria e apreciaria.
3. Por mim, confio que os leitores que releiam os meus «posts» recentes sobre afirmações de Rui Tavares e os compaginem com esta nota do mesmo autor rapidamente recenseiem a quantas coisas ele não respondeu e em quantas precipitações e ligeirezas não foi capaz de dar a mão à palmatória.
Caro Vítor,
Não pensei causar-lhe tal agastamento. O Vítor não me disse que as paráfrases fossem incorretas. Quanto ao resto, já algumas vezes comentei no seu blogue "dando a mão à palmatória" sobre erros que acertadamente me apontou. Não terá sido de todas as vezes, porque o tempo não dá para tudo, mas enfim.
O que lhe quero dizer é o seguinte. Quando estamos a falar de precariado, emancipação e democracia, parece-me estreito ficar a discutir só PCP, PCP e PCP. Ainda por cima quando, na verdade verdadinha, eu nem sequer ataquei o PCP (uma referência ao comité central e outra aos partidos não me parece grande coisa por aí além). Vai desculpar-me mas parece um daqueles casos em que quem quer ver porcos até as moitas lhes roncam.
Caro Rui Tavares:
Pensei que se intuia, mas se não, então digo-lhe agora: as suas paráfrases são totalmente incorrectas, sem fundamento e objectivamente deturpadoras do que eu escrevi.
Pela mesma razão que não faz nenhum sentido que tenha agora vindo afirmar que « Quando estamos a falar de precariado, emancipação e democracia, parece-me estreito ficar a discutir só PCP, PCP e PCP.»
É QUE, CARO RUI TAVARES E CAROS LEITORES, NO CORPO DO MEU SEGUNDO POST SOBRE A SUA SEGUNDA CRÓNICA NEM UMA FEZ FALEI DO PCP.
É ver ou tirar as dúvidas aqui em http://tempodascerejas.blogspot.com/2011/03/desculpem-la-outra-vez-rui-tavares.html
Vítor Dias,
claro que você é livre de privilegiar e ler em voz alta preferencialmente as passagens que entender dos autores que entender. Reconhecendo-lhe, contudo, esse direito, gostaria de lhe fazer notar que se tem limitado nas suas intervenções de hoje a discutir uma nota do texto do Rui Tavares, uma observação feita en passant e à margem do essencial da sua (dele, Rui Tavares) proposta "reformulocionária", bem como das questões importantes e afins sobre as quais V. há tempos interpelava o Zé Neves.
m linguagem clássica, se o objectivo é a democratização revolucionária do poder político (sob as suas formas governamental e económica, etc.) e, por conseguinte, um regime de exercício do poder igualitário e igualitariamente participado, que supere a sociedade de classes, qual o papel dos partidos, quais as suas relações com a auto-organização dos trabalhadores e movimentos populares? As organizações de militantes deverão ter por vocação o exercício do poder político, a tomada do poder, ou antes a proposta e a intervenção nas acções em vista da construção de outro tipo de poder? Bem vê, são questões fundamentais e que podem e devem ser discutidas desde o início se não quisermos avançar ao acaso ou apostar no movimento pelo movimento.
Seu leitor compenetrado
msp
Enfim,
Mais uma conversa que começou interessante e que se perdeu no diz-que-disse polémico em detrimento do essencial.
Quanto a mim (que sou mais da casta reformadeira dos Tavares, admitindo embora que esta postura tem limites), gosto da ideia da reformuloção, e o que gosto particularmente nessa ideia é que a acho perfeitamente adaptada aos tempos que correm porquanto :
1/ O nucleo da esquerda, que é o realismo, exige que as propostas politicas se afiram pelos resultados que alcançam. Revolucionarios e reformistas de esquerda não discutem objectivos, discutem meios.
2/ A alternativa entre reforma e revolução é uma alternativa, e não um dilema. O reformismo sem pressão popular perde o rumo. A revolução sem clareza acerca dos objectivos a atingir e a consolidar não pode ter nenhuma eficacia.
3/ A crise politica, a de hoje, as de ontem, as de amanhã, revelam isso mesmo : se existirem objectivos concretos num protesto (exemplos meramente hipotéticos : regularização retroactiva dos falsos recibos verdes com reconstituição dos seus direitos sociais, penalização das fraudes ao fisco e à segurança social praticada pelas empresas) tornando visivel e palpavel a alternativa, então o poder - o nacional, mas também o europeu - é que se vê confrontado com um dilema : ou vai a bem (reforma), ou vai a mal (revolução).
As melhoras...
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