Rui Bebiano:
Em quase todo o espectro partidário saltaram os disfarces. A direita que temos, «democrática» e pluralista, deixou cair a verborreia antieuropeísta e os ímpetos «nacionalistas» e ultraliberais que ainda há pouco tempo sobejavam no seu vocabulário. Activamente ou por omissão, tornou-se radical na defesa do intervencionismo externo. A esquerda à esquerda retomou alguns devaneios, queixando-se da crise mas olhando-a ao mesmo tempo como antecâmara da tomada do poder em nome revolta das massas. Por ela, aceita mesmo associar-se àqueles que da democracia apenas têm uma concepção instrumental. Pelo meio, os socialistas tornam-se ainda mais pragmáticos, tudo fazendo, sem disfarce, para conservar o seu núcleo identitário mais essencial: aquele que gere a conservação do poder pelo poder. Lá atrás, e como sempre, só os comunistas permanecem iguais a si próprios, uma vez que nunca procuraram enganar ninguém com apologias de uma «Europa europeia» fundada numa democracia não adjectivada.
Nesta paisagem, a dificuldade está em nos mantermos lúcidos, na claridade, e não nos deixarmos levar pelos ímpetos. Uma vida melhor, mais digna e mais democrática jamais se construirá tomando a linguagem do instinto como princípio de comunicação.