O Rui Tavares acaba de publicar um importante post sobre a Líbia, do qual deixo aqui o "miolo", esperando que contribua para a discussão que tentei também lançar sobre o tema em vários posts anteriores - como o de hoje mesmo - sobre o assunto.
Então, que temos na Líbia?
Temos na Líbia um ditador armado até aos dentes — principalmente pela União Europeia — e um movimento democrático que nasceu dentro do país. Isto é o contrário do que aconteceu no Iraque. Em vez de "exportar a democracia à bomba", nós exportámos as bombas que estão a matar a democracia líbia.
Que fazer? Apenas uma certeza: aplaudir os corajosos líbios numa semana e deixar que eles se lixem na seguinte é uma indignidade.
O Parlamento Europeu votou na semana passada uma resolução sobre a Líbia e a única certeza que estava na minha consciência era aquela. O principal efeito jurídico da resolução é dizer que o interlocutor europeu na Líbia, a partir de agora, é o Conselho de Transição. Essa é uma grande mudança e uma bofetada de luva branca em todos os Estados-Membro da União e à sua política pró-Khadaffi.
A resolução é também favorável a sanções, ao congelamento de bens do ditador, e ao embargo à exportação de armas. A resolução foi assinada por vários grupos políticos, incluindo o GUE/NGL, a que eu pertenço.
Num voto à parte sobre um parágrafo da mesma resolução tivemos de decidir sobre a zona de exclusão aérea. Era o PE favorável ou não? O PE impôs condições para uma zona de exclusão aérea: só com mandato da ONU, envolvimento da Liga Árabe e da União Africana. Eu votei a favor dessa emenda.
Mas não há problemas com a zona de exclusão aérea? Há, evidentemente. Mas não são todos no mesmo sentido. Vou dar os dois argumentos principais, de sentido contrário um ao outro.
Por um lado, a zona de exclusão pode vir já tarde. Khadaffi passou a usar mais meios terrestres do que aéreos. Se a zona de exclusão aérea tivesse sido decretada há uma semana, talvez se tivessem poupado muitas vidas — e talvez a democracia líbia tivesse uma hipótese de nascer. Na melhor das hipóteses, Khadaffi não é estúpido e não faria sequer levantar os aviões após a zona de exclusão ser decretada, o que quer dizer que não teria ganho o avanço que teve nos últimos dias.
Mas o mundo não é feito só da "melhor das hipóteses", e quero ser honesto com os problemas que uma zona de exclusão aérea pode criar. Uma zona de exclusão aérea pode criar um casus belli e uma pressão para uma intervenção militar e/ou ocupação da Líbia. É uma preocupação legítima, mas não foi isso que o PE votou na semana passada. O PE votou uma zona de exclusão aérea, com condições que dão garantias de legalidade internacional.
Sim, nesta emenda estive em minoria no meu grupo. E daí? E, sim, o Miguel Portas e a Marisa Matias votaram contra a no-fly zone. Eu respeito as razões por que eles o fizeram, e sei que eles respeitam as minhas, como mo disseram ambos antes do voto.
Em ambos os sentidos de voto há enormes e sérias preocupações. Num dos casos, a preocupação com centenas ou milhares de pessoas cuja coragem na luta pela liberdade é imensa, e que podem vir a ser massacrados. Noutro dos casos, a preocupação com uma escalada que possa resultar numa intervenção militar e/ou numa ocupação. Mas repito: o voto era apenas sobre o primeiro dos casos (uma zona de exclusão aérea, com condições de legitimidade à luz do direito internacional — mais uma vez, ao contrário do Iraque) e, neste voto, a primeira preocupação foi a decisiva para mim.
Não quero com isto sugerir que quem se preocupa com as vidas dos líbios e as possibilidades do movimento democrática tem obrigatoriamente de votar como eu. Nem essa, nem a inversa é verdadeira. Em particular, o Miguel Portas negociou e coassinou a resolução que dá vários passos importantes perante uma crise como estas, que arrisca ser intratável, embora não tenha votado como eu na emenda da no-fly zone. Mas também o contrário vale aqui: quem votou na no-fly zone não é um defensor da guerra, nem da ocupação (até pode achar, certo ou errado, que é uma forma de as evitar). Sugeri-lo é desonestidade intelectual e não gastarei mais caracteres com isso.
Termino com o que me parece essencial. Eu não posso ser contra Khadaffi e, enquanto ele ataca os líbios com a superioridade militar que a UE vergonhosamente lhe foi concedendo, e diz que os "esmagará como ratos e cães esfomeados", limitar-me a desejar que ele se vá embora por vontade própria ou, sei lá, com um ataque de cócegas. E eu não posso dizer que apoio a luta democrática dos líbios e depois marimbar-me para o que lhes acontece. Se estes são também os vossos pontos de partida, e mesmo que discordem de mim no resto, bem-vindos a uma discussão séria.
16/03/11
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3 comentários:
Jonathan Randall, antigo grande Jornalista norte-americano do Washington Post,até há pouco tempo correspondente em Paris,acaba de declarar na "France 24.TV" que a solução da crise politico-insurreccional no Bahrain é mais " importante "(sic) do que a da Líbia...Porque o Bahrain confina com uma zona onde há muito crude e a Líbia, se bem que tenha crude de alta qualidade, possui poucas reservas...Niet
não li RT...
...mas este post foca o caso da aceitação do financiamento da eleição do Sarkozy pela Líbia em troca de imunidade face a tentativas de conquista da soberania libia??
se não foca, então temos a pseudo esquerda como activista da causa de Sarkozy, trabalhar depressa para as provas destas coisas desapareçam depressa do mapa
Há aqui uma certa ingenuidade. Já se perguntaram quem despoletou e financiou o «movimento democrático»?
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