16/03/11

Rui Tavares sobre a Líbia: "Apenas uma certeza: aplaudir os corajosos líbios numa semana e deixar que eles se lixem na seguinte é uma indignidade"

O Rui Tavares acaba de publicar um importante post sobre a Líbia, do qual deixo aqui o "miolo", esperando que contribua para a discussão que tentei também lançar sobre o tema em vários posts anteriores - como o de hoje mesmo - sobre o assunto.

Então, que temos na Líbia?

Temos na Líbia um ditador armado até aos dentes — principalmente pela União Europeia — e um movimento democrático que nasceu dentro do país. Isto é o contrário do que aconteceu no Iraque. Em vez de "exportar a democracia à bomba", nós exportámos as bombas que estão a matar a democracia líbia.

Que fazer? Apenas uma certeza: aplaudir os corajosos líbios numa semana e deixar que eles se lixem na seguinte é uma indignidade.

O Parlamento Europeu votou na semana passada uma resolução sobre a Líbia e a única certeza que estava na minha consciência era aquela. O principal efeito jurídico da resolução é dizer que o interlocutor europeu na Líbia, a partir de agora, é o Conselho de Transição. Essa é uma grande mudança e uma bofetada de luva branca em todos os Estados-Membro da União e à sua política pró-Khadaffi.

A resolução é também favorável a sanções, ao congelamento de bens do ditador, e ao embargo à exportação de armas. A resolução foi assinada por vários grupos políticos, incluindo o GUE/NGL, a que eu pertenço.

Num voto à parte sobre um parágrafo da mesma resolução tivemos de decidir sobre a zona de exclusão aérea. Era o PE favorável ou não? O PE impôs condições para uma zona de exclusão aérea: só com mandato da ONU, envolvimento da Liga Árabe e da União Africana. Eu votei a favor dessa emenda.

Mas não há problemas com a zona de exclusão aérea? Há, evidentemente. Mas não são todos no mesmo sentido. Vou dar os dois argumentos principais, de sentido contrário um ao outro.

Por um lado, a zona de exclusão pode vir já tarde. Khadaffi passou a usar mais meios terrestres do que aéreos. Se a zona de exclusão aérea tivesse sido decretada há uma semana, talvez se tivessem poupado muitas vidas — e talvez a democracia líbia tivesse uma hipótese de nascer. Na melhor das hipóteses, Khadaffi não é estúpido e não faria sequer levantar os aviões após a zona de exclusão ser decretada, o que quer dizer que não teria ganho o avanço que teve nos últimos dias.

Mas o mundo não é feito só da "melhor das hipóteses", e quero ser honesto com os problemas que uma zona de exclusão aérea pode criar. Uma zona de exclusão aérea pode criar um casus belli e uma pressão para uma intervenção militar e/ou ocupação da Líbia. É uma preocupação legítima, mas não foi isso que o PE votou na semana passada. O PE votou uma zona de exclusão aérea, com condições que dão garantias de legalidade internacional.

Sim, nesta emenda estive em minoria no meu grupo. E daí? E, sim, o Miguel Portas e a Marisa Matias votaram contra a no-fly zone. Eu respeito as razões por que eles o fizeram, e sei que eles respeitam as minhas, como mo disseram ambos antes do voto.

Em ambos os sentidos de voto há enormes e sérias preocupações. Num dos casos, a preocupação com centenas ou milhares de pessoas cuja coragem na luta pela liberdade é imensa, e que podem vir a ser massacrados. Noutro dos casos, a preocupação com uma escalada que possa resultar numa intervenção militar e/ou numa ocupação. Mas repito: o voto era apenas sobre o primeiro dos casos (uma zona de exclusão aérea, com condições de legitimidade à luz do direito internacional — mais uma vez, ao contrário do Iraque) e, neste voto, a primeira preocupação foi a decisiva para mim.

Não quero com isto sugerir que quem se preocupa com as vidas dos líbios e as possibilidades do movimento democrática tem obrigatoriamente de votar como eu. Nem essa, nem a inversa é verdadeira. Em particular, o Miguel Portas negociou e coassinou a resolução que dá vários passos importantes perante uma crise como estas, que arrisca ser intratável, embora não tenha votado como eu na emenda da no-fly zone. Mas também o contrário vale aqui: quem votou na no-fly zone não é um defensor da guerra, nem da ocupação (até pode achar, certo ou errado, que é uma forma de as evitar). Sugeri-lo é desonestidade intelectual e não gastarei mais caracteres com isso.

Termino com o que me parece essencial. Eu não posso ser contra Khadaffi e, enquanto ele ataca os líbios com a superioridade militar que a UE vergonhosamente lhe foi concedendo, e diz que os "esmagará como ratos e cães esfomeados", limitar-me a desejar que ele se vá embora por vontade própria ou, sei lá, com um ataque de cócegas. E eu não posso dizer que apoio a luta democrática dos líbios e depois marimbar-me para o que lhes acontece. Se estes são também os vossos pontos de partida, e mesmo que discordem de mim no resto, bem-vindos a uma discussão séria.

3 comentários:

Niet disse...

Jonathan Randall, antigo grande Jornalista norte-americano do Washington Post,até há pouco tempo correspondente em Paris,acaba de declarar na "France 24.TV" que a solução da crise politico-insurreccional no Bahrain é mais " importante "(sic) do que a da Líbia...Porque o Bahrain confina com uma zona onde há muito crude e a Líbia, se bem que tenha crude de alta qualidade, possui poucas reservas...Niet

xatoo disse...

não li RT...
...mas este post foca o caso da aceitação do financiamento da eleição do Sarkozy pela Líbia em troca de imunidade face a tentativas de conquista da soberania libia??
se não foca, então temos a pseudo esquerda como activista da causa de Sarkozy, trabalhar depressa para as provas destas coisas desapareçam depressa do mapa

Diogo disse...

Há aqui uma certa ingenuidade. Já se perguntaram quem despoletou e financiou o «movimento democrático»?