É instrutivo, e ajuda à necessária separação das águas, ver como certos sectores que se reclamam como vanguarda, consciência organizada e direcção histórica da esquerda e do campo popular e dos trabalhadores desvalorizam a vaga democrática que se levanta em Espanha e dela promete — e oxalá não se fique pela promessa — alastrar por toda a Europa e não só.
Uma das vozes blogosfericamente mais impressivas desses sectores, a de Bruno Carvalho, acaba de intervir com um post publicado no 5dias para nos alertar contra a tentação anarquizante de "de noticiar o que se passa em Madrid e apagar o que aconteceu hoje entre o Largo do Calvário e a residência oficial do Presidente da República", acrescentando que "Essa é, aliás, a tónica geral: destacar o que se passa no estrangeiro, apagar o que acontece aqui". É caso para perguntar ao Bruno de Carvalho se tantas movimentações suspeitas não terão sido, pelo menos em parte, orquestradas no país vizinho como uma manobra apostada em tirar visibilidade à manifestação da CGTP.
Na sua perspectiva "patriótica e de esquerda", a coisa torna-se ainda mais grave, uma vez que aqueles que parecem prontos a alinhar em aventuras inspiradas pelo que se passa "no estrangeiro", esquecem ou querem fazer esquecer que "a realidade portuguesa" é muito mais avançada no que "aquela que vivem os trabalhadores espanhóis, sem uma ferramenta de classe ao serviço dos explorados", e bem poderia servir-lhes de exemplo. Em suma, o "rumo à vitória" almejada por Bruno Carvalho exije combater aqueles que, em seu entender, seguem o "espontaneísmo" de Maio de 68, esquecendo ou querendo fazer esquecer que "para que não haja derrota há que pensarmos noutras derrotas" e que "O Maio de 68 foi uma delas".
Não se pode dizer que a mensagem peque por obscura. Mas a resposta a Bruno Carvalho não deve ser menos clara. Não há "vitória final" fora dos trabalhos e dos dias de cada dia, nem vitórias quotidianas que possam conseguir-se sem a multiplicação de "derrotas" como Maio de 68. Ou seja, de intervenções autónomas e auto-organizadas dos cidadãos que reivindicam a extensão das suas capacidades políticas e do seu direito a mudar e decidir desde já, recusando-se a alienar a direcção do movimento em benefício de partidos ou estados-maiores compostos de representantes cuja representatividade é inversamente proporcional ao (contra)poder político da grande maioria das mulheres e dos homens comuns que somos nós.
19/05/11
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13 comentários:
MSP: "Ou seja, de intervenções autónomas e auto-organizadas dos cidadãos que reivindicam a extensão das suas capacidades políticas e do seu direito a mudar e decidir desde já, recusando-se a alienar a direcção do movimento em benefício [...]"
Como é que se aliena a direcção de um movimento de "intervenções autónomas e auto-organizadas dos cidadãos"?
Ou melhor: um movimento de "intervenções autónomas e auto-organizadas dos cidadãos" tem "direcção" (conjunto de directores, centro de autoridade)?
... e entretanto, aqueles que na realidade não se importam de noticiar os movimentos "rebeldes" lá fora, mas que boicotam diariamente as notícias das lutas que se passam cá, ficam a rir-se a bandeiras despregadas. Entre outras coisas... com este post.
«Ordem e Bem Estar
As coisas são simples. Depois de ter visto funcionar o socialismo e o capitalismo, durante este século, as pessoas convenceram-se, com razão, que o sistema que melhor funciona é o capitalismo ou ainda a economia de mercado.»
Daniel Cohn-Bendit dixit, em "O Prazer da Política", 1999, Editorial de Notícias
Eis o pensamento de um ícone do Maio 68, 30 anos e algumas mordomias depois.
Destes "trabalhos de cada dia" do MSP é que nem vale a pena espremer, que não sai nada.
Anónimo Que Assina Miguel,
se alienar a sua direcção a representantes, se em vez de mandatar delegados consentir dirigentes, o movimento deixa de ser autónomo e autogovernado - é óbvio,
Mas isto não significa que o movimento não possa dirigir-se a si próprio, que não se coordene nem organize. Se se trata, para o movimento de assegurar a participação igualitária e responsável dos cidadãos no exercício do poder, isso só pode ser visado não por um movimento "desgovernado", mas por um movimento autogovernado, antecipando a perspectiva de uma sociedade cujos membros exijam como condição de serem governados a plena participação na condição de governantes.
Como diria Castoriadis, só "posso dizer que sou livre (…), se tiver a possibilidade efectiva (e não apenas no papel) de participar na discussão, na deliberação e na formação d[as] leis. O que significa que o poder legislativo tem de pertencer efectivamente à colectividade".
E Castoriadis acrescentava: "Qual o futuro deste projecto de autonomia? Esse futuro depende da actividade da enorme maioria dos seres humanos. Já não podemos falar em termos de uma classe privilegiada, que seria por exemplo o proletariado industrial, que se tornou de há longa data muito minoritário na população. Podemos dizer, em contrapartida, e é o que eu digo, que toda a população, excepto uns 3 por cento de privilegiados na cúpula, teria um interesse pessoal na transformação radical da sociedade em que vive" .
Pois bem, na direcção acima indicada, só a auto-direcção, o autogoverno, a auto-organização democrática das tarefas de democratização, nos podem conduzir. É isso o que está aqui em causa - não lhe parece?
Saudações democráticas
msp
Caro fjsantos,
a sua citação não prova nada.
Ou sob a forma de contrainterrogação: o facto de, por exemplo, Otelo, esse ícone do 25 de Abril, fazer meia-dúzia de declarações desgraçadas, anulará, por acaso, o alcance histórico e a significação política do que se passou na região portuguesa em 1974-1975?
Mas há mais: o facto de hoje D.C.-B. adoptar posições a que poderíamos chamar social-democratas e apostar na via parlamentar-reformista das quais me sinto longe, esse facto, dizia eu. não impede que as palavras que V. cita sejam em grande medida uma descrição adequada da realidade. É um facto que o imaginário capitalista é culturalmente hegemónico e que, sob diversas variantes, tem conseguido a adesão ou pelo menos consentimento da maioria das populações. Trata-se de uma situação que, para a combatermos, teremos de começar por reconhecer. Caso assim não fosse, a democratização das relações de poder a todos os níveis já teria dado de há muito cabo do capitalismo e da sua economia política. A repressão directa - e/ou a ameaça dela - existe, sem dúvida, muito mais do que os Estados que a administram gostam de confessar, mas não seria suficiente para manter os actuais regimes oligárquicos perante uma efectiva vontade democrática da maioria dos cidadãos.
Saudações republicanas
msp
O Miguel Serras Pereira, num dia em que se reuniram 50.000 pessoas contra o FMI/austeridade faz um post deste calibre. É isso, não é?
O Chalana rematou duas vezes: uma para as nuvens e outra enfiando a bola na própria baliza.
1. Eu não escrevi uma linha contra a manifestação da CGTP, e não considero que o 15M a desautorize.
2. O Chalana que pergunte ao BC o que o levou a escrever, no dia em que "insubmissão" espanhola começou a alastrar e a prometer reduzir as fronteiras nacionais a riscos no papel. o post que escreveu.
msp
Talvez o silenciamento que a comunicação social fez da luta dos trabalhadores (precários ou não, mas todos a serem conduzidos para uma cada vez maior precariedade) e o destaque a outras lutas, com outras características, dando ideia de que com tamanha ofensiva em Portugal não se luta!
O MSP em vez de se atirar à opinião e descontentamento de BC devia reclamar por em Portugal se silenciar a luta, sempre que esta surge enquadrada em organizações que rejeitam a inevitabilidade que nos é imposta.
Deixe os seus azedumes particulares de fora e seja mais democrata. Só lhe fica bem...
... o Miguel é um desbaratador de palavras ! Só isso.
Miguel Serras Pereira:
o seu ódio anti-comunista está muito bem documentado neste blog e não vale a pena perder muito tempo com isso. Não escreveu uma palavra contra a manif da CGTP? Não seja hipócrita! Não lhe dedicou uma linha e optou por mais um post anti-comunista.
Se o Miguel Serras Pereira não faz parte da Maçonaria com essas suas "saudações republicanas" e essa verborreira pseudo-libertária (pois nem libertária é), então disfarça muito bem.
Saudações Comunistas!
Caro Miguel Serras Pereira,
Admitindo que a minha citação nada diz, parece-me que a comparação entre os "ícones" citados é pífia. Pelo menos se atendermos ao trajecto "pós-revolucionário" de ambos; que quanto ao período pré-revolucionário do "dono do 25A" não vale a pena falarmos.
De qualquer forma achei interessante a forma como "amacia" a intervenção política de DC-B nos últimos 40 anos, incluindo-a numa categoria social-democrata parlamentar reformista. Olhe que, embora com mais de 10 anos, a entrevista concedida por DC-B a Lucas Delattre e Guy Herzlich é bastante elucidativa e, em alguns passos, o revolucionário de 68 vai muito além dessa via reformista.
Quanto às questões relacionadas com a sua referência à "repressão directa", acho que o trabalho de Naomi Klein sobre a «Doutrina do Choque» é muito instrutivo no que diz respeito às virtudes e supremacia hegemónica do capitalismo neoliberal.
Aceite as minhas saudações não adjectivadas
FS
Caro FJSantos,
não digo que D.C.-B. se possa arrumar dizendo que é social-democrata, reformista, etc. Que, no entanto, me parece privilegiar demasiado a via parlamentar e a "política profissional" - é verdade.
Também concordo consigo na chamada de atenção que faz para as leituras de NK.
O problema é que eu não sou marxista nem crente em qualquer doutrina, pelo que quando falo em social-democracia, reformismo ou revolução não sinto estados de espírito demasiado exaltados. Permita-me que, em vez de me repetir aqui, o remeta, se estiver interessado, para o meu post de há tempos sobre o que entendo por uma plataforma mínima na base da democratização (http://viasfacto.blogspot.com/2010/11/da-democratizacao-como-plataforma.html )- que retomo também noutros lugares (por exemplo: http://viasfacto.blogspot.com/2011/01/alternativas.html e http://viasfacto.blogspot.com/2011/04/contra-as-plataformas-redutoras.html )
Cordialmente
msp
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