31/07/15

A esquerda partidária e a questão europeia

Este post do Miguel Serras Pereira (e sobretudo o comentário do João Valente Aguiar) fez-me lembrar de uma questão - que  enquanto nos blogues, artigos de opinião, etc. se discute, à esquerda, avidamente a questão europeia (e sobretudo a questão "sair ou ficar no euro?"), esse debate parece estar totalmente ausente do processo de recomposição política (com criação de novos partidos e realinhamentos dentro dos já existentes) que está a ocorrer na esquerda. Dois exemplos:

No Bloco de Esquerda, a maioria que o dirigia desde a fundação quebrou-se, mas entre as duas facções principais (ou mesmo entre as 5 facções todas) é díficil descortinar uma diferença de política europeia (na verdade, eu desconfio que uma das duas grandes facções é mais "eurocética" - ou pelo menos tem elementos mais "eurocéticos" - do que a outra, mas nada permite ver isso nas proclamações doutrinárias que são feitas).

Já o Livre/Tempo de Avançar parace-me uma fusão entre um núcleo original que era provavelmente o defensor mais entusiasta do "europeísmo de esquerda" em Portugal com o que até então era o sector mais abertamente eurocético do Bloco de Esquerda.

[Tanto o BE como o L/TdA parecem-me muito mais preocupados com o que fazer com um governo PS do que com o que fazer a respeito da UE e do euro]

Apenas o PCP e pequenos grupos como o MRPP ou o MAS parecem ter uma posição sobre o assunto (no sentido da saída, embora mais explicitamente no caso do MRPP e do MAS do que do PC).

29/07/15

Tempo de Avançar sem Vergonha na Cara?

Que Boaventura Sousa Santos, autor de declarações como as que escreveu (ver aqui e aqui) por ocasião do atentado contra o Charlie Hebdo, não tenha vergonha na cara e se assuma agora disponível para apoiar o Livre/Tempo de Avançar, como tem apoiado também o bolivarismo venezuelano ou o "desenvolvimentismo" de Lula/Dilma, não é motivo de surpresa. O que espanta é que o Livre/Tempo de Avançar, que aparentava de início ser, apesar de tudo, uma frente da esquerda social-democrata, europeísta e civilizada, racionalista e laica, não tenha — movido por cálculos eleitoralistas aventurosos? — vergonha de fazer do desavergonhado-mor do Observatório da Justiça e régulo-mor de Coimbra seu mandatário no circulo eleitoral de Coimbra.

27/07/15

Ainda o "Plano B" de Varoufakis

As notícias sobre o Plano B de Varoufakis parecem-me algo confusas, mas, pelo que já deu para perceber, parece-me que era simplesmente o plano que há meses se fala de o Estado grego emitir "promissórias" dizendo "vale 100 euros (pagáveis quando for possível)" e usá-las para pagar despesas (nomeadamente salários e pensões), com a diferença de que em vez de imprimir papelinhos, iria-se criar uma plataforma virtual em que cada número de contribuinte teria uma password e seria associado a uma espécie de conta-corrente que seria creditada quando o Estado grego fosse fazer pagamentos a alguém (podendo depois os utilizadores transferir "euros virtuais" de uns para os outros). Atendendo a que o emprego anterior de Varoufakis era gerir um mercado de trocas de itens virtuais entre jogos de computador ("troco uma chave para abrir uma masmorra no jogo A por uma vida adicional no jogo B"), talvez a ideia tenha vindo daí.

Creio que o que está a chamar mais a atenção para o caso é a parte do hacking - como o programa da autoridade tributária grego era gerido por técnicos da troika e não pelo ministério das finanças grego, para obter a lista dos números de contribuinte para introduzir na plataforma virtual foi necessário um amigo do Varoufakis perito em informática "hackear" o programa da autoridade tributária, o que dá um ar de thriller a isto (embora no fim a ideia fosse obter informação que, em circunstâncias normais, qualquer governo teria acesso - a lista dos NIFs).

Agora a questão era se se iria conseguir que o "euro virtual" fosse aceite pelos agentes económicos como um meio de pagamento equivalente ao verdadeiro euro - mantenho a minha teoria sobre isso: o euro virtual iria manter uma cotação aproximada a 1 euro real enquanto fossem criados menos euros virtuais (via despesa pública) do que o necessário para pagar impostos (se um euro real e um "euro virtual" fossem igualmente válidos para pagar um euro de dívidas fiscais, e houvesse menos "euros virtuais" em circulação do que dinheiro a pagar de impostos, a cotação euro real / "euro virtual" iria ser próxima do 1: se o euro real valesse muito mais que o "euro virtual", na altura de pagar os impostos toda a gente tentaria trocar euros reais por virtuais para pagar os impostos em "euros virtuais" - p.ex., se o "euro virtual" fosse valorizado em meio euro, quem tivesse 100 euros a pagar de impostos iria preferir trocar 50 euros reais por 100 euros virtuais e usá-los para pagar o imposto do que pagá-lo com 100 euros reais - , fazendo subir a cotação do "euro virtual")

Adenda 1: este artigo do Varoufakis parece confirmar que se tratava realmente a implementação em formato virtual do tal sistema das "promissórias"

Adenda 2: Parece haver muito mais noticias sobre isto com títulos estilo "Varoufakis pretendia piratear dados dos contribuintes" do que com títulos "Varoufakis pretendia criar moeda paralela virtual", o que indica que é mesmo a parte do "hacking" que está a chamar a atenção (aliás, suspeito que se não fosse a história do hacking a apimentar a coisa, o assunto mal teria aparecido nos jornais, já que o resto da notícia tem a ver com uma questão bastante técnica - a ideia de uma moeda paralela virtual - que a maior parte da imprensa nem acharia apelativa).

Sobre a proposta de "refundação da Zona Euro" apresentada por Hollande

Com Hollande, todo o cuidado é pouco e a sua proposta de formação de uma vanguarda de países apostados na refundação de uma Zona Euro, através de uma integração orçamental, fiscal, "social" e política, não deixa de ser ambígua e suscita numerosas dúvidas graves: por exemplo, Hollande ora fala de "vanguarda", ora parece referir-se a todos os membros da ZE, e a indiferença que parece estabelecer entre as duas coisas não deixa de turvar inquietantemente as águas, não sabemos em benefício de que pesca… Mas, se a ideia, desenvolvida nos termos em que o faz Élisabeth Guigou, é promover um governo económico comum para todos os países da ZE, juntamente com um Fundo Monetário Europeu, um orçamento da ZE, uma união bancária efectiva, um parlamento e um governo eleitos da ZE, salários mínimos igualizados de modo a evitar o dumping no mercado de trabalho e uma tributação harmonizada das empresas, além de um seguro europeu de desemprego, etc., etc. — então, estamos perante uma via alternativa à apresentada pelo José Maria Castro Caldas para o que este considera um programa (digamos que social-democrata) "inadiável": "pôr no centro da batalha política (…): criar emprego, apoiar os desempregados, as pessoas e empresas sufocadas por dívidas, redistribuir o rendimento com justiça, valorizar o trabalho, garantir que a saúde, a educação e o acesso à justiça são direitos respeitados" — implicando "pôr freio na austeridade e reestruturar a dívida". E, quando o José Maria diz que "as tensões que o euro alimenta inviabilizam os consensos que seriam necessárias para resolver as tenções do próprio euro. A cada acrescento que é feito ao edifício, alargam-se as rachas nas paredes. O edifício não é também transformável por uma acumulação de vitórias políticas país a país quando cada vitória enfrenta a parede e se transforma em derrota que prejudica a emergência de alternativas noutros países. Este euro é insustentável, ou temporariamente sustentável num quadro disciplinar incompatível com a democracia", o que devemos concluir não é, como ele faz, que "não se enxerga a possibilidade de o substituir por outro", mas sim, como eu próprio sugeri há pouco tempo ainda, que, "sem a emergência na base, por parte dos trabalhadores e cidadãos comuns económica e politicamente precarizados, de movimentos, autonomamente organizados, portadores de reivindicações de democratização radical, será impossível impor à economia política governante limitações 'constitucionais' que evitem o pior". Ou seja, ressuscitar a "união nacional", ainda que, como o João Rodrigues, se lhe chame "povo unido", contra "os alemães", ou, mais geralmente, reforçar o Estado-nação fazendo-o passar por condição necessária — e não mecanismo de esconjuro — desse exercício do poder por iguais e entre iguais que, só ele, merece o nome de democracia.  Tal é, com efeito, uma mistificação ideológica mosntruosa que apresenta como libertação popular o regime de opressão totalitária que nasceria fatalmente da unificação política das esquerdas nacionalistas com os partidos ou movimentos do tipo Front national ou de Beppe Grillo.


25/07/15

Êxodos

De uma troca de mensagens com o João Bernardo a propósito da situação na Grécia:

«Aconselho-vos a lerem integralmente este despacho acerca da transferência de empresas gregas para a Bulgária, que mostra que, enquanto se discute se a Grécia deve ou não manter-se no euro, os empresários gregos, esses, trataram de arranjar condições para se manter no euro. Embora a Bulgária não pertença ainda à zona euro, está na fila de espera e o lev está alinhado com o euro. Os capitalistas gregos que se transferiram para a Bulgária mudaram-se de um país em que a adesão ao euro permanecia incerta para outro em que a adesão ao euro se afigura certa e próxima. Ao mesmo tempo, notem que, enquanto o salário médio mensal líquido em 2014 era 1262 € na Grécia, na Bulgária era 325 € ou, segundo outros cálculos, 1004 € e 356 € em 2013 e 2015, respectivamente, ou seja, correspondia na Bulgária a quase 1/4 ou quase 1/3 do montante na Grécia. Conheço outras estimativas, mas todas elas dentro dos mesmos parâmetros. Assim, os capitalistas gregos conseguiram não só assegurar a sua manutenção no euro como ainda colocar a força de trabalho que deles depende num contexto de redução dos salários muito mais considerável do que qualquer coisa que estivesse a ser discutida em Bruxelas. E é nesta época de transnacionalização do capital que os meninos e meninas da esquerda retrógrada invocam as soberanias, aplaudem os referendos ou consideram uma grande vitória andar à pedrada numa praça de Atenas. Ora, só uma luta da classe trabalhadora conduzida directamente no quadro global da zona euro poderia enfrentar estratégias como a seguida neste caso pelos capitalistas gregos. Enquanto a esquerda for o que é, os capitalistas podem dormir descansados»

João Bernardo

Da minha parte acrescento apenas o seguinte. Há quem na esquerda admita que os capitalistas actuem e decidam as coisas no plano transnacional. O maior problema não está aí mas no facto de desenvolverem uma crítica nacionalista: isto é, à transnacionalização querem opor-lhe uma nacionalização política. Não por acaso estes activistas da esquerda falam sempre contra o capital europeu, a finança internacional, etc. que oprimiriam os povos e retirariam a soberania aos países. A isto acrescentam a fantasia de que a democracia apenas é possível no Estado-nação...

Em suma, a crítica de grande parte da esquerda ao capitalismo passa por um processo de transformação da economia numa mera realidade física e geográfica: capitalismo = transnacionalização/globalismo/Europa/UE, socialismo = Estado-nação/soberania nacional. Ora, a questão geográfica é simplesmente a tradução espacial de realidades que não têm aí génese. Repare-se que o que define o capitalismo em qualquer parte do mundo tem a ver com o controlo do tempo de trabalho e os mecanismos sociotecnológicos de criar mais tempo de trabalho e, por conseguinte, mais valor dentro de cada hora de trabalho. Ou seja, enquanto a dinâmica fulcral de determinação do capitalismo se opera sobre o tempo, esta esquerda "pensa" que o capitalismo se inicia a partir de um processo de controlo do solo e da geografia. Ora, esta segunda visão tem paralelismos fortes com a visão que a extrema-direita construiu no passado. Quando a esquerda reduz o capitalismo à Alemanha e processos emancipatórios/socialistas à Grécia (ou à Venezuela, à Argentina, a Cuba, etc.) verifica-se a total obliteração da divisão interna e transversal entre produtores e apropriadores de mais-valia. Salienta-se e valoriza-se assim um conflito entre nações, fundindo trabalhadores e determinadas franjas de empresários (não por acaso os situados em sectores menos inovadores e menos concorrenciais) numa comunidade nacional que se degladiaria contra outra comunidade nacional.
Na década de 30 a transnacionalização económica era ainda uma miragem e não eram poucos os capitalistas e gestores que usavam o argumentário nacionalista para resolver os seus conflitos internos. Hoje, enquanto os capitalistas mais lúcidos e as empresas mais avançadas buscam integrar-se globalmente e através de consensos internos à sua classe que extravasam as fronteiras, grande parte da esquerda faz do retalhamento nacional e do reforço das fronteiras nacionais (*) a sua bandeira.
As diferenciações socioeconómicas desaparecem para dar lugar a choques entre nações. O tempo desaparece. Fica só o espaço. A processualidade dos fenómenos esfuma-se, a cristalização telúrica e fronteira ao tribalismo ascende. O tempo desaparece, a possibilidade de mudança estrutural desaparece.

(*) O que é a soberania nacional senão o postulado do reforço do Estado nacional e da sua capacidade de determinação de decisões sobre e dentro das fronteiras? Como para bom entendedor meia palavra basta, se o Estado é simultaneamente produto e produtor de divisões sociais entre governantes e governados, então um reforço da soberania nacional - que é sempre um reforço do aparelho do Estado na economia e na vida quotidiana em geral - não equivale a uma democratização mas a um reforço de hierarquizações internas, precisamente porque mais facilmente mascaradas e diluídas no seio do discurso da unidade nacional.

23/07/15

As alterações à lei da IVG

A respeito das alterações votadas ontem às leis que regulamentam a IVG, parece-me que se está a dar atenção demais (sobretudo na imprensa) a um ponto - o fim da isenção de taxas moderadoras - que é pouco mais que um fait divers (pessoalmente, até suspeito que essa isenção foi pouco mais que um acidente), quando o problema fundamental é mesmo a obrigatoriedade da consulta com um psicólogo e com um assistente social, que pode estreitar demasiado os prazos e criar uma situação em que muitas mulheres só acabam de fazer as consultas todas depois das 10 semanas de gravidez, ilegalizando na prática a IVG.

As leis que foram votadas (e creio que aprovadas) ontem:

- Projeto de Lei 1021/XII (abolindo a isenção de taxas moderadoras)

- Projeto de Lei 790/XII (instituindo a obrigatoriadade da consulta psicológica, de assinar numa cópia da ecografia, etc.)

22/07/15

Era uma vez, ...


...uma manhã muito cedo, numa sala de espera de um aeroporto do sul. Eu procurava um jornal do dia. A menina da loja propôs-me o único que tinha acabado de chegar. Uma coisa com o nome de Jornal de Negócios. Como é que eu posso ler um jornal com aquele nome? E não é que, na primeira página do pasquim, uma foto me atrai a atenção? A Mariana Mortágua em entrevista! Comprei! E li as duas ou três páginas da entrevista, com umas púdicas fotos glamour da deputada da extrema-esquerda à mistura. A Mariana Mortágua é uma mulher inteligente. Diz muitas coisas justas, bem ditas, fala dos bancos, da fusão entre o sistema financeiro e o mundo político. Enfim, fala do único país no mundo onde, apesar de Fátima, o espírito santo foi à falência! Ela fala pouco de capitalismo, provavelmente para não molestar os clientes do Negócio que são alérgicos a palavras feias, explica que não há que se fixar no Salgado, que não é uma questão de indivíduos, que o problema é o sistema. Tenho de reconhecer que, no pequeno país, palavras destas são raras e trazem um ar fresco agradável. No fim da leitura fica uma ideia central na qual a Mariana Mortágua acredita. A possibilidade de controlar o sistema, o mundo do lucro, de o regular, de o tornar mais justo e mais humano. Um erro que pode ser comprovado pelo movimento da História e a evolução das sociedades. O capitalismo não pode ser regulado, é um sistema desequilibrado, instável, violento. Tal é a sua dinâmica e ele nunca poderá vir a ser um sistema humano. Podemos recusá-lo, lutar contra ele e, em situações históricas particulares, participar da sua subversão. A única força que podemos pretender controlar é a da nossa própria actividade colectiva contra o sistema. A partir daí outros possíveis se abrirão. Mas acreditar que um grupo, um partido, pode influenciar as forças complexas e potentes do capitalismo afim de modificar a sua natureza, é uma ilusão voluntarista, que se paga caro. Não há volta a dar e acaba por ser o sistema que dá a volta aos que entram nas instituições com ilusões. Como observamos hoje na Grécia. E se aqui ao lado ainda há dúvidas é justamente porque o motor de Podemos é ainda alimentado, e em parte controlado, pela energia e pela dinâmica de um movimento colectivo que revindica princípios horizontais e de democracia de base.
Mas porque razão, com que objectivo, a Mariana Mortágua anda a falar com esta gente dos negócios ? Obviamente, são as necessidades da política que o explicam, a necessidade de ser reconhecida por eles como alguém de sério e responsável, provar que possui os atributos que o famigerado sistema exige para fazer política no quadro que é imposto e que ela e os seus amigos aceitam. Há também a necessidade de justificar o seu trabalho de política junto dos seus eleitores. E, do outro lado da mesa, porque razão os homens dos negócios se interessam pela Mariana Mortágua? Diria eu que, paradoxalmente, também eles partilham esta mesma ideia da utopia invertida, de um bom capitalismo, justo. O que ela diz acaba por lhes servir de boa consciência a eles, eles que, no fundo, sabem que só pode ser assim e que nada mudará.
E depois, há o poder da comunicação social. Dizia um conhecedor que no meio de comunicação social a mensagem é o meio de comunicação social. Isto é, não há ali conteúdo separado da forma, e a forma do meio de comunicação social é, por si mesmo, o conteúdo do que é dito, escrito, que orienta, impõe as regras e os limites, canaliza, manipula. Falámos do Podemos. Para ilustrar a vivacidade e a vigilância que animama base do partido,aqui deixo uma citação de um texto de uma amiga que, num dos blogues do movimento, discute justamente o papel da comunicação social na vida política: «agentes políticos de primeiro plano que impõem a ordem dos trabalhos e a hierarquia dos temas; que põem o selo da verdade em certos acontecimentos e negam a existência de outros; que dão voz a quem consideram relevante, enquanto condenam outros ao silêncio, construindo assim a realidade que nos é oferecida, o desenho imaginário do mundo em que vivemos.»
Descolagem, as nuvens, o céu azul infinito, e esqueço o Jornal de Negócios. (…)

[Ler a continuacão da crónica Felizmente continua a haver luar ! no último número do MAPA. Um jornal que se encontra nas boas livrarias e outro lugares de convívio, e que pode e deve ser também apoiado por assinatura.]

Liberdade para os Presos Políticos. JÁ !!!



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20/07/15

O Círculo Vicioso da Dívida

O Governo Grego terá hoje recebido o empréstimo de emergência de 7,16 mil milhões de euros. Esse dinheiro vai directamente para os bolsos dos credores. Ficam disponíveis uns míseros 960 milhões que, rapidamente, serão engolidos por um outro qualquer pagamento. Esta é a equação mortífera da austeridade. Cada vez mais dívida para pagar o serviço da dívida anterior e ficar cada vez mais endividado e a exigir cada vez mais sacríficios para tornar a dívida... sustentável. Um poço sem fundo.

15/07/15

Muitas maneiras de sair do euro?

A respeito da análise de João Valente Aguiar e de João Bernardo à proposta do Antarsya para a Grécia saír do euro, Nightwish comenta que "uma saída do euro assim é tão ridícula como a austeridade".

Mas será que, a partir do momento em que se decide sair do euro, há muitas outras opções?

É que um novo dracma teria que seguir um de dois modelos:

- Ou é uma moeda com um câmbio flexivel determinado dia a dia pelos mercados, e nesse caso vai ter uma desvalorização brutal, que representará uma enorme transferência de rendimento do trabalho para o capital: as empresas de certeza que continuarão a valorizar os seus produtos em euros (mesmo que ponham as etiquetas em dracmas, provavelmente manterão um "preço mental" em euros e atualizarão todos os dias o preço em dracmas de acordo com o câmbio, tal como era comum nalguns países sul-americanos com o dólar nos anos 80 - e hoje em dia concerteza que em poucas horas apareceria uma app para fazer isso automaticamente), e quem irá ver os seus salários dracmizados serão os assalariados (cujo salário está fixado por contrato, e , normalmente, não podem ir ter com o patrão dizendo "o dracma ontem desvalorizou 50% face ao euro, portanto o meu ordenado em dracmas duplica a partir de hoje"

- Ou é uma moeda com um câmbio fixo, fixado administrativamente, e em que portanto o banco central grego precisa de manter reservas em moeda estrangeira suficientes para poder converter (para pagar as importações) dracmas em euros ao câmbio estabelecido (há muitas expressões com que estamos familiarizados que praticamente quase que só fazem sentido num sistema de câmbios fixos - "fuga de capitais", "obter divisas", etc.); num sistema dessas, para as reservas de euros (e dólares, rublos, etc.) não se esgotarem em três tempos, seria necesário introduzir limites à convertibilidade da moeda que imagino que nunca seriam muito diferentes dos propostos pelo Antarsya

Aliás, em larga medida o modelo "dracma com cambios fixos" é o que a Grécia já está a viver hoje em dia - com os controlos de capitais em vigor (nomedamente a impossibilidade de transferir dinheiro dos bancos gregos para bancos fora da Grécia) o "euro na Grécia" já não é efetivamente a mesma moeda que o "euro no resto da zona euro"; são duas moedas diferentes, com limites à conversão de uma na outra, e com um câmbio de 1 para 1 (diga-se que pode ser argumentado que, em muitos aspetos, o euro nunca foi uma verdadeira moeda única, mas sim 19 moedas diferentes, cada qual com o seu banco central e com moedas e mesmo notas ligeiramente diferentes de país para país, mas com um câmbio fixo de 1 para 1 entre elas, e que só se mantêm sem crises enquanto houver confiança que a união monetária - e a equivalencias entre os euros de cada país - é irreversível).

14/07/15

O FMI contra Schäuble (actualizado)


Entretanto, o relatório secreto do FMI sobre a imperiosa necessidade de reestruturar a dívida grega está a ser visto como uma condição para o Fundo apoiar o terceiro resgate grego. De acordo com o New York Times, o Fundo Monetário Internacional propôs aos credores europeus que ponderem um alívio significativo da dívida grega durante a maratona de negociações que decorreu este fim de semana. O FMI defende um perdão parcial (“write off”) da dívida de Atenas ou pelo menos a carência de reembolsos por 30 anos. No entanto, uma fonte anónima citada pelo jornal, revela que os responsáveis europeus recusaram a proposta do FMI para aliviar a dívida.

Também o jornal britânico Telegraph diz que o relatório entregue pelo FMI representa um sério aviso aos líderes europeus de que o Fundo não vai entrar no novo resgate grego, caso a Alemanha e os credores institucionais europeus continuem a recusar uma reestruturação substancial da dívida grega que irá ultrapassar os 200% do PIB nos próximos dois anos


Actualização (15.07.2015):


Entretanto, Schäuble e a sua facção parecem persistir em querer empurrar, por meio de um conselho de amigo de Peniche (os ious), a Grécia para fora da ZE. O tiro pode sair-lhes pela culatra e estreitar-lhes a base de apoio e o campo de acção. A ver vamos. Para já,

o Ministério das Finanças alemão indicou esta manhã que deu uma sugestão que permitiria, pelo menos, diminuir o montante que o fundo da UE vai emprestar à Grécia (7 mil milhões): o recurso pela Grécia a notas de crédito, conhecidas pela sigla anglo-saxónica IOU.

Garantindo que esta medida não equivaleria a um mini-Grexit, o Ministério de Wolfgang Schäuble explicou que a emissão de notas de crédito poderia ser uma forma de garantir parte das necessidades de financiamento da Grécia até meados de agosto. O receio de alguns especialistas é que, a partir do momento em que essas notas de crédito fossem emitidas (para suportar pagamentos internos, por exemplo, como salários e pensões), passariam a funcionar quase como uma moeda alternativa. E, aí, a saída do euro poderia ficar muito mais próxima.

Aparentemente, a resposta da Comissão Europeia já foi encontrada, ainda que Schäuble e os seus aliados possam atrasar o processo para aumentarem as chances de o governo grego se ver tentado pelo desespero a seguir a sua recomendação. No final da notícia infra, novo episódio de vaudeville: Cameron apoia a reestruturação da dívida da Grécia, apesar de, ao mesmo tempo e até ao momento, a posição do governo britânico ser a recusa de participar no financiamento.

A Comissão Europeia propôs que o financiamento ponte, a ser entregue à Grécia já durante o próximo mês, seja de 7 mil milhões de euros. Atenas precisa urgentemente de liquidez para fazer face aos compromissos, que incluem pagamentos aos credores – só ao FMI o governo de Tsipras já está a dever duas tranches, que deviam ter sido pagas no final de Junho e na passada segunda-feira, dia 13 de Julho.

Num documento a que a agência Reuters teve acesso, a Comissão propõe que o dinheiro venha do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, algo a que a Grã-Bretanha se tem oposto veementemente. Aliás, ainda esta terça-feira, durante uma reunião dos ministros das finanças da União Europeia, George Osborne afirmou que não estaria disponível para libertar a verba ao abrigo do Fundo.  Em 2001, David Cameron conseguiu que os líderes europeus assumissem o compromisso de não utilizar este mecanismo para resgates europeus.

No entanto, o dierito comunitário nota que o compromisso foi apenas político e, como tal, é possível quebrá-lo tendo em conta a urgência da situação. A Grécia tem que pagar ao BCE mais de três mil milhões de euros no dia 20 de Julho, e o resgate que actualmente está em cima da mesa não deverá ser aplicado até Setembro, daí a necessidade deste financiamento ponte.

A proposta da Comissão Europeia chega no mesmo dia em que Tsipras tenta legislar no parlamento grego as seis medidas prioritárias do programa de austeridade acordado com os credores, sob fortes protestos. Os bancos gregos mantêm-se fechados por ordem do ministério das Finanças helénico, que afirmou que as instituições deverão abrir portas amanhã, dia 16 de Julho. Os bancos gregos estão fechados praticamente há três semanas, e os levantamentos de dinheiro estão bloqueados a 60 euros diários por pessoa.

Entretanto, em Londres, David Cameron defendeu publicamente um perdão da dívida grega. O primeiro-ministro inglês disse concordar com o Fundo Monetário Internacional - que defende uma reestruturação sgnificativa da dívida grega, por considerá-la impagável.

"O princípio de que deve haver um alívio da dívida está correcto. É do interesse do Reino Unido, no âmbito da União Europa, que se perceba como é que isto pode ser feito. É preciso resolver esta questão, e muito rapidamente", afirmou o responsável ao final desta manhã, em conferência de imprensa.







O poço sem fundo. A proposta de saída do euro do Antarsya comentada pelo João Bernardo

Numa troca de mensagens sobre a actual conjuntura europeia, o João Bernardo escalpeliza os becos que o grupo de extrema-esquerda Antarsya procura induzir no cenário político grego, com as teses da saída do euro. Com a sua autorização reproduzo as suas palavras. Antes, para se perceber o contexto da sua sagaz reflexão, reproduzo em primeiro lugar a proposta do Antarsya, publicada no Infobref nº394, p.5.

«Si comme Antarsya le préconise, la banque centrale grecque était réquisitionnée il faudrait émettre une nouvelle monnaie inconvertible dont la parité échapperait aux marchés financiers et établir le monopole étatique du commerce extérieur. Si le gouvernement grec émettait, via la banque centrale, une nouvelle monnaie inconvertible : • les dépôts grecs seraient convertis en nouvelle monnaie (appelons là drachme) • les détenteurs de monnaie étrangère (dont l’euro) ne pourraient pas convertir leur monnaie en drachmes, et donc s’approprier les ressources produites en Grèce • Le commerce extérieur serait contrôlé par les autorités publiques. Les exportations grecques permettraient d’obtenir des devises étrangères qui permettraient de financer les importations (payées en devises étrangères). Personne ne dit que ce serait facile car la réaction des autres pays de la zone Euro serait terrible, mais ce pourrait être le début de quelque chose, d’un vrai mouvement d’émancipation et de solidarité internationale entre travailleurs de toute l’Europe. En tout cas c’est la seule voie acceptable du point de vue des travailleurs C’est ça ou l’austérité accrue et la misère assurée pour les grecs».

Num breve comentário às tais propostas, a inconvertibilidade da nova drachma significaria antes de mais 1) que o governo fixaria uma taxa de equivalência entre os depósitos em euro e as drachmas desfavorável aos depositantes; ora, como os grandes capitalistas têm muitas possibilidades de iludir os controlos, isto representaria uma taxa sobre os pequenos depositantes. Por outro lado, 2) como, segundo The Economist, na Grécia cerca de 46 milhares de milhões de euros estão entesourados por particulares fora dos bancos, e admitindo que uma parte considerável está debaixo de colchões e não nas Bahamas, decerto os detentores desses euros entesourados não quereriam trocá-los por drachmas segundo a equivalência espoliadora estabelecida pelo governo. Assim, estaria criada a infra-estrutura financeira necessária para sustentar um mercado paralelo de dimensões colossais. Ora, no mercado paralelo, como em tudo o mais, a existência de oferta não implica a existência de procura, mas a existência de procura acarreta sempre o aparecimento de uma oferta, se o preço for adequado. E o enorme volume de euros entesourados implicaria que esses preços poderiam ser satisfeitos. Nesta situação, 3) o governo seria obrigado a usar uma feroz repressão para combater o mercado paralelo, já que não poderia combatê-lo com medidas económicas, pois haviam sido as suas próprias medidas económicas a fomentá-lo.
Se os estrangeiros não poderiam converter os euros em drachmas, como propõe o segundo ponto, isto significa o fim imediato do turismo, que é na Grécia uma actividade económica muito importante e um dos principais meios de obtenção de divisas estrangeiras. Se, em alternativa, o governo aceitasse turistas com a condição de na fronteira converterem os euros em drachmas consoante a taxa de equivalência fixada pelo governo, esta medida espoliadora seria por si só suficiente para afastar os turistas.
Esta asfixia do turismo dá toda a dimensão ao terceiro ponto, que limita as importações ao volume de euros e dólares conseguido pelas exportações. Dada a baixa competitividade das exportações gregas, além do seu reduzido volume, isto significo o estrangulamento da própria actividade produtiva interna, que necessita de meios de produção e matérias-primas oriundos do estrangeiro.
Uma segunda Coreia do Norte à beira do Mediterrâneo, eis o programa. Como a Antarsya organizou a manifestação de ontem à noite em Atenas e irá provavelmente substituir o Syriza nos amores da extrema-esquerda míope, acho que vale a pena gastar um pouco de tempo com esta questão.

João Bernardo


Claro como água

Theodoros Karyotis publicou na revista ROAR um artigo de opinião com o qual estou completamente de acordo, em particular no que concerne ao caminho a percorrer de agora em diante. Alguns extractos, por mim traduzidos do original em inglês:

"(...)Durante cerca de três anos, os movimentos sociais populares na Grécia tiveram sentimentos profundamente contraditórios relativamente à ascensão eleitoral do Syriza. Por um lado, a perspectiva de um governo de esquerda era uma oportunidade para levar o conflito a um nível institucional; afinal de contas, muitas das reivindicações das lutas estavam refletidas no programa do Syriza e o partido sempre teve uma atitude positiva para com os movimentos sociais.

Por outro lado, o Syriza tem sido um agente de desmobilização, terminando a crise de legitimação que deu protagonismo à criatividade social e auto-determinação dos movimentos, e promovendo a institucionalização das lutas, a marginalização das reivindicações que não se encaixam no seu projeto de gestão do Estado, e a restituição da lógica da representação política e da delegação, o que promoveu a inacção e a complacência.(...)

O fracasso do Syriza em cumprir qualquer das suas promessas de campanha ou em inverter a lógica da austeridade levanta o véu da ilusão a respeito de soluções institucionais, impostas de cima para baixo, e deixa os movimentos de base exatamente onde eles começaram: como a principal força que se opõe ao assalto neoliberal da sociedade; a única força capaz de conceber um mundo diferente que vai além das instituições falidas do mercado capitalista predatório e da democracia representativa.(...)

Uma tragédia europeia

The project of a European democracy, of a united European democratic union, has just suffered a major catastrophe.’

13/07/15

PODEMOS: reivindicações de "horizontalidade e abertura" contra o princípio hierárquico do "pablismo" (3)

Entretanto, nas Canárias:

Bases críticas de Podemos en Canarias han aprobado un manifiesto que incluye nueve medidas para recuperar los principios y compromisos fundacionales ante la "deriva" que creen que experimenta y que puede convertir a este partido en uno semejante a los "viejos aparatos tradicionales". El manifiesto fue suscrito el domingo en Las Palmas de Gran Canaria por 52 seguidores de la organización en esta isla y en Tenerife, bajo el título "Podemos desde la bases, desde la gente", según ha explicado a Efe uno de sus firmantes, Adolfo Padrón. Padrón ha señalado que han fijado un plazo de una semana para que el manifiesto pueda ser ratificado por personas que no se pudieron desplazar ayer de Tenerife y del resto de las islas. Según este escrito, facilitado a Efe, el cambio político solo es posible si se perfeccionan los espacios de participación real ciudadana y si se crean mecanismos que propicien el "empoderamiento". Sus firmantes critican el modelo de primarias por el que ha optado la dirección, porque, "lejos de fomentar la cohesión y la confluencia, ha generado heridas y fracturas", así como la metodología en la toma de decisiones políticas importantes porque no "están resultando coherentes con la filosofía original del proyecto renovador que transmitió Podemos". En el manifiesto se reprocha la "desmedida prioridad dada a la maquinaria electoral", que entienden que ha llevado a que el discurso oficial se haya movido como "veleta al viento, en función de los potenciales votantes a los que se dirige". Así mismo, los críticos lamentan que no se haya favorecido la confluencia de las diferentes sensibilidades que concurren en Podemos para favorecer una "hegemonía irrespetuosa y avasallante de la marca avalada por el secretario general (Pablo Iglesias), que ha copado los órganos de representación y las candidaturas electorales a las instituciones".

José Pacheco Pereira e o "risco do voto dos portugueses não servir para nada"

José Pacheco Pereira tem decerto razão ao alertar constantemente para o facto de a transferência de soberania do Estado português para instituições europeias não eleitas e que escapam aos mecanismos da representação comportar o "risco do voto dos portugueses não servir para nada, visto que o nosso parlamento tem cada vez menos poderes". Mas, deixando de parte a insuficiência democrática — para não dizer pior — do seu ideal de governo representativo, o mesmo Pacheco Pereira parece incapaz de compreender que, se os cidadãos portugueses votassem para eleger, juntamente com os restantes cidadãos da UE, um parlamento e um governo europeus, o seu voto contaria um pouco mais.  O suficiente? Não, muito longe disso, porque continuariam a votar só de quando em quando, em alternativas pré-formatadas, ao mesmo tempo que, a menos de começarem a lograr por transformações institucionais profundas, continuariam, a coberto da autonomia sistémica da economia (Habermas dixit), excluídos de participar na decisão de questões tão essenciais para as suas condições de existência como todas as que têm a ver com a produção, o trabalho, a gestão micro e macro, entre muitas outras, que pertencem hoje a uma economia que lhes não pertence. Mas um pouco mais, apesar de tudo, do que elegendo o parlamento e o governo de um pequeno Estado formalmente soberano que não pode fazer mais do que interiorizar e mascarar ideologicamente, perpetuando-a de cima para baixo e agravando as suas condições, a situação de dependência de centros de decisão a cuja acção não é possível fugir, embora decerto devamos enfrentá-la e transformá-la. É onde está a rosa que é preciso dançar.

O que se podia ter feito na Grécia

Nuns comentários mais abaixo, Sérgio Pinto pergunta (a Miguel Serras Pereira) o que seriam as opções viáveis para o Syriza.

O que na minha opinião se deveria ter feito na Grécia:

Em primeiro lugar, acho que a estratégia seguida até há umas 3 semanas foi a correta (a derrapagem começou aqui) - adiar o embate até ao último momento, o que poderia ter dado tempo para preparar uma estratégia de resistência.

No Facebook tenho visto muitos comentários a dizer que o governo devia ter tomado mais cedo medidas contra a "fuga de capitais" - mas o que essas pessoas estão se a esquecer é que, enquanto o BCE autorizava o Banco da Grécia a financiar os bancos gregos, a "fuga de capitais" (isto é, os levantamentos massivos de depósitos) era a melhor coisa que estava a acontecer à Grécia.

Explicando melhor o que estava a acontecer:

Imagine-se um banco grego com o seguinte balanço (os números, claro, são claramente imaginários - isto é só um exemplo estilizado).

Ativo
Empéstimos concedidos 9.000
Dinheiro em reserva 1.100
Total 10.100

Passivo
Depósitos 10.000

Capital Próprio 100

[Para quem não perceba esta terminologia contabilística - o "Ativo" são os bens que uma empresa possui; o "Passivo" são as dívidas dessa empresa (no caso de um banco, os depósitos são "passivo" - é dinheiro que o banco deve aos clientes - e os empréstimos "ativo" - é o que os clientes devem ao banco); o "Capital Próprio" é a diferença]

O que acontecia quando alguem levantava 100 euros? O banco dava os 100 euros ao cliente (-100 euros no dinheiro em reserva e também -100 euros nos depósitos) e depois pedia emprestado algum dinheiro (p.ex., 90 euros) ao Banco da Grécia para cobrir a redução das reservas; o Banco da Grécia imprimia os 90 euros (que eram contabilizados como uma dívida de 90 euros do Banco da Grécia ao BCE) e enviava-os para o banco em questão. Agora o balanço do banco era:

Ativo
Empéstimos concedidos 9.000
Dinheiro em reserva 1.090
Total 10.090

Passivo
Depósitos 9.900
Dívidas ao Banco da Grécia 90

Capital Próprio 100

E era isto que nos últimos meses estava a acontecer - cada dia que passava os bancos gregos tinham menos depósitos e mais dívidas ao Banco da Grécia (e este cada vez devia mais ao BCE). E isto era bom porquê? Imagine-se o caso extremo de todos os depósitos nos bancos gregos terem sido levantados antes do BCE cortar o financiamento à banca grega - nesse momento, o BCE tornava-se uma pistola de água: mesmo que cortassem o financiamento, que mal isso faria? As pessoas já teriam lavantado todo o dinheiro que teriam para levantar; o único resultado de uma rutura entre o BCE e a Grécia seria o BCE correr o risco de nunca vir a ver o dinheiro que o Banco da Grécia lhe deve. Infelizmente o BCE cortou (ou não aumentou o limite, o que é quase o mesmo que cortar) o financiamento num momento em que ainda havia dinheiro depositado nos bancos, mas provavelmente o efeito negativo disso para a economia grega seria muito maior se as pessoas ainda não tivessem feito reservas de euros nos colchões (como terão feito nestes últimos meses).

Na verdade suspeito que a ambiguidade semântica em torno da palavra "dinheiro" contribui para algumas confusões na perceção do que se passou e está a passar na Grécia: conforme o contexto, "dinheiro" tanto pode se referir ao valor contabilístico dos depósitos bancários, como ao dinheiro físico (notas e moedas) que está efetivamente nos cofres dos bancos; como se ouve e lê notícias dizendo "nos últimos meses, foi levantado muito dinheiro dos bancos gregos" e outras dizendo "os bancos gregos estão quase sem dinheiro" há uma tendência para ligar uma coisa à outra, esquecendo que "dinheiro" significa coisas diferentes aqui (no primeiro caso refere-se ao valor contabilístico dos depósitos, e no segundo às notas e moedas físicas existentes nos cofres - enquanto o BCE manteve o financiamento, a redução do "dinheiro" no primeiro sentido não significou uma redução do "dinheiro" no segundo sentido).

Mas agora vamos ao que interessa - quando finalmente chegou o momento da verdade e a Grécia não pagou ao FMI, o que deveria ter sido feito?

- Suspender os pagamentos ao credores e apresentar uma proposta de reestruturação da dívida (isto foi feito)

- Caso o BCE cortasse o financiamento aos bancos, congelar ou limitar os levantamentos bancários (de novo, feito)

- Anunciar uma proposta radical de reestruturação do sector bancário, em que a parte dos depósitos que ultrapassasse o valor das reservas de dinheiro físico nos cofres dos bancos fosse convertida em obrigações dos bancos (essas obrigações seriam como obrigações normais que rendem um juro periódico e ao fim de alguns anos são reconvertidas em dinheiro, podendo os seus donos vendê-las antes disso, se encontrarem comprador); a partir do momento em que o valor dos depósitos fosse correspondente ao valor do dinheiro físico que os bancos detinham, já não havia o perigo dos bancos não conseguirem dar aos depositantes o seu dinheiro, nem necessidade de apoio do BCE

- Até há poucos meses a Grécia tinha um superavit primário (isto é, tirando os juros da dívida recebia mais de impostos do que as despesas que tinha); se ainda o tivesse o Estado grego não precisaria dos credores para nada (já que não teria que pedir dinheiro emprestado), mas provavelmente já não o tem (ainda mais com a crise dos últimos dias). Assim, parte dos salários dos funcionários públicos seriam pagos não em dinheiro mas em "vales" dizendo algo como "Vale 100 euros (este documento é válido para pagar impostos devidos ao Estado grego e poderá ser convertido em dinheiro quando for possível)" - reconheço que é duvidoso que tal situação se pudesse manter muito tempo (enquanto o Estado emitisse menos vales do que recebesse em impostos, provavelmente esse "euro escritural" valeria quase o mesmo do que as verdadeiras notas de euro, mas a partir do momento em que houvesse mais "vales" em circulação do que os contribuintes precisassem para pagar impostos os "vales" começariam a desvalorizar - ou seja, ao fim de alguns meses, ou o Estado grego conseguia um superavit primário, ou teria que começar a pensar em lançar uma nova moeda)

- Convocar um referendo sobre o acordo com os credores (isto foi feito), explicando claramente qual era o plano a seguir (isto é, os pontos acima) em caso de vitória do "não" (isto não foi feito, até porque já se percebeu que não havia plano nenhum)

Depois, esperar para ver (ver se a economia grega começava a recuperar e se o superavit regressava; ver se apareciam movimentos de massas a favor da reestruturação geral das dívidas no espaço da UE; ver se o Podemos em Espanha e o BE e o Livre tinham grandes votações em Portugal, etc.)

Um sistema em desagregação

Slavoj Žižek, no artigo de opinião divulgado pelo Ricardo Noronha, apresenta uma interpretação que me parece certeira do que tem acontecido na União Europeia nos últimos meses, em particular, em torno da situação na Grécia. No entanto, abstém-se largamente de reflectir sobre os possíveis caminhos à nossa frente.

O futuro é sempre resultado da trajectória passada, e das condições no presente. Sob este perspectiva, que vemos? Uma cada vez maior instabilidade sócio-económica, que tem como resultado principal o esboroar, quando não o colapso, da configuração de organização social designada por Estado. Como em muitas outras épocas históricas, a desintegração da organização social dominante acontece primeiro na periferia territorial, sendo acompanhada por uma retracção na abrangência e capacidade de controlo no centro. O colapso dos Estados previamente instalados nos territórios periféricos origina inevitavelmente conflitos, que podem envolver a violência extrema, como aqueles que ocorrem hoje no Médio Oriente e na maior parte da África. Mas também na Europa, onde a violência faz o seu caminho, na acção e no discurso, na periferia a sul, que vai da Ucrânia a Portugal. Enquanto isso, nos centros de Poder, tenta-se freneticamente fazer qualquer coisa. Aplicando-se quantas vezes forem necessárias receitas que se sabe não funcionarem. Na norte da Europa, na China, no Japão, nos EUA. Fazem-no porque sentem o tapete a fugir-lhes debaixo dos pés. Fazem-no também porque sabem que é a crença que sustém o modo como nos organizamos, sendo por isso essencial ao Poder demonstrar que crê, que sabe o que tem de fazer para sustentar a esperança de que amanhã vai ser melhor do que hoje.
 

O que o episódio grego põe à vista


Para romper o círculo vicioso dos nacionalismos cúmplices e rivais, que assolam a Europa, seria necessário que a UE se decidisse a avançar para a integração, acompanhando-a de medidas audaciosas, digamos que de tipo social-democrata, que reconciliassem os eleitores com a UE, passando a ver nela um horizonte de “prosperidade” em vez de um sinónimo de austeritarismo para uns e de punções fiscais para outros. Não vejo que as forças políticas que poderiam fazê-lo tenham determinação para tanto e, quanto à pressão que a esquerda poderia fazer sobre elas, incitando-as a reformar o sistema para evitar rupturas “revolucionárias”, estamos conversados: a “esquerda da esquerda” está minada pelo nacionalismo e o soberanismo, um anti-europeísmo incondicional e uma espécie de terceiro-mundismo reciclado, que a tornam com frequência bem mais reaccionária do que os tecnocratas esclarecidos, eao mesmo tempo que cúmplice da extrema-direita à la mode du Front national. Até quando? Não sabemos. O que deveríamos saber é que, sem a emergência na base, por parte dos trabalhadores e cidadãos comuns económica e politicamente precarizados, de movimentos, autonomamente organizados, portadores de reivindicações de democratização radical, será impossível impor à economia política governante limitações "constitucionais" que evitem o pior — esse, sim, que o episódio grego põe à vista, excepto dos piores cegos, confirma-se que de momento cada vez mais numerosos, para os quais vale tudo, a começar por arrancarem os olhos dos outros, para continuarem a não ver.

Do assassínio e do suicídio provisórios como panaceias políticas

Ao ler isto: — Em caso de não acordo para um terceiro resgate ao país, é dito que "deveriam ser oferecidas à Grécia negociações rápidas" para que o país saia temporariamente da zona euro, "com possível reestruturação da dívida" — lembrei-me da passagem de um breve texto do João Bernardo, publicado neste blogue, em Novembro de 2012, que rezava o seguinte: Entretanto, há dias li um comentador no Vias de Facto que propunha que abandonássemos provisoriamente o euro. Isso deu-me a ideia de matar provisoriamente uma vizinha com quem embirro.

A ideia de Schäuble, da extrema-direita finlandesa e do chauvinismo conservador é, com efeito, tanto um convite ao assassínio provisório da Grécia como uma exortação ao suicídio provisório da UE. E vale a pena sublinhar, uma vez mais, que o abandono por parte da Grécia da zona euro, completada eventualmente por uma reestruturação da dívida, têm sido dois temas maiores da esquerda europeia anti-"europeísta" e soberanista.

12/07/15

Um triste sinal dos nossos tempos



Aquilo que se revela tão irritante em Varoufakis não é o seu radicalismo mas a sua humildade pragmática racional – se olharmos de perto as propostas do Syriza, não podemos deixar de reparar que foram em tempos parte do modelo de uma qualquer agenda social-democrata (na Suécia nos anos 60, o programa de governo era bem mais radical). É um triste sinal dos nossos tempos que hoje em dia seja necessário pertencer à esquerda radical para defender essas mesmas medidas – um sinal dos tempos escuros, mas também uma oportunidade para a esquerda ocupar o espaço, que durante décadas, foi do centro-esquerda. [...]   
Existe, então, qualquer coisa de hipócrita nas garantias de humildade dos propósitos do Syriza: este quer efectivamente algo que não é possível dentro das coordenadas do actual sistema global. Uma escolha estratégica séria terá de ser feita: e se chegou o momento de deixar cair a máscara da humildade e defender abertamente uma mudança muito mais radical, necessária nem que seja para assegurar uma conquista modesta? Muitos críticos do referendo grego invocaram que este não passava de uma estratégia demagógica, afirmando ironicamente que nem sequer era claro o seu propósito. O referendo não era sobre o euro ou o dracma, sobre a Grécia na UE ou fora dela: o governo grego repetiu enfaticamente o seu desejo de permanecer na UE e na zona Euro. De novo, os críticos transformaram a questão política chave colocada pelo referendo numa mera decisão administrativa sobre medidas económicas específicas. [...]

O Não no referendo da Grécia foi assim muito mais que uma simples escolha entre duas estratégias diferentes à crise económica. O povo grego resistiu heroicamente à vergonhosa campanha de medo que mobilizou os instintos mais baixos de auto-preservação. Foram capazes de ver através da manipulação brutal dos seus adversários que falsamente apresentaram o referendo como uma escolha entre o euro e o dracma, entre a Grécia na Europa e o “Grexit”.



Mais um capítulo da tragédia grega.

A reunião do Eurogrupo não foi capaz de aceitar a proposta grega. Apesar dos níveis de austeridade aceites - muito mais do que recusara dias antes do referendo - pelo governo, os pró-austeritários não se consideram saciados. Querem mais sangue, mais sofrimento, mais miséria, mais castigo. Sabe-se agora que  em muitos países do Euro se defende o Grexit. O falcão germânico divulgou mesmo, estrategicamente, antes da reunião, um documento que defende uma saída da Grécia por um período de cinco anos. Esperto como é sabe que nunca mais voltará, já que depois será impossível cumprir os critérios de convergência.
Varoufakis publicou um artigo de opinião em que acusava os alemães de ostensivamente quererem punir a Grécia, empurrando-a para fora da Europa.
Based on months of negotiation, my conviction is that the German finance minister wants Greece to be pushed out of the single currency to put the fear of God into the French and have them accept his model of a disciplinarian eurozone.
No mesmo dia o The Guardian dava conta de duas iniciativas largamente simbólicas mas com a sua importância. Um artigo do NYT que denuncia a hipocrisia alemã na crise grega, recordando a assinatura  em 27 de fevereiro de  1953 , em Londres, do acordo que permitiu cortar, nesse exacto momento, metade da dívida alemã. Acordo muito defendido por Keynes, entre outros, e que se traduziu num sucesso económico, possibilitando que a economia alemã se reerguesse do caos em que mergulhara com a guerra. A outra iniciativa foi uma petição assinada entre outros por Piketty que instava Merkel a mudar de rumo e a apoiar de facto a permanência da Grécia na zona euro. Nesta petição fazia-se a mais clara síntese daquilo que parece ser o objectivo dos que mandam na Europa:
The Greek government is being asked to put a gun to its head and pull the trigger. Sadly, the bullet will not only kill off Greece’s future in Europe. The collateral damage will kill the eurozone as a beacon of hope, democracy and prosperity, and could lead to far-reaching economic consequences across the world.
A uma velocidade surpreendente os falcões que dominam a Europa aumentam a sua força e a sua pressão. As dúvidas que pairavam sobre o formato final do acordo com a Grécia - a inclusão ou não da renegociação da dívida - são chão que já deu uvas. A questão foi deslocada, por decisão de Schäuble, para o campo da saída da Grécia, atentas as questões da "falta de confiança" a que os falcões são tão sensíveis. Ou isso, ou 50 mil milhões em activos transferidos para as mãos dos credores internacionais. Os alemães parece que querem mesmo fazer à Grécia muito pior do que fizeram os seus antepassados durante a Segunda Guerra Mundial.

Alerta máximo

A convergência entre os faclões do austeritarismo liderados por Schäuble e da extrema-direita europeia — Front national, UKIP, Verdadeiros Finlandeses, etc. —  e as esquerdas nacionalistas e ou soberanistas europeias no objectivo de fazer com que a Grécia saia da Zona Euro devia ser motivo de alerta máximo para todos os que ainda não esqueceram que a extensão e conquista de liberdades e direitos é via e condição necessária do combate contra o austeritarismo e da criação de uma alternativa efectivamente democrática capaz de fazer recuar a oligarquia de tecnocratas e gestores que procuram impor e consolidar sobre toda a sociedade do governo ad legibus soluta da economia política dominante.

11/07/15

A vitória da austeridade?

Segundo parece a aprovação do pacote austeritário proposto pelo primeiro-ministro grego representa um acréscimo de austeridade sem paralelo na história recente. Digamos que os gregos tinham já experimentado o pior que este mundo da austeridade lhes podia dar a provar. Darão agora um amargo passo em frente. Esta aprovação provocou um importante abalo nas hostes do  Syriza. Todas as forças políticas com assento no parlamento apoiaram esse pacote austeritário com excepção dos comunistas e dos nazis.
Este é um resultado político desastroso. Defendendo a manutenção no Euro e na UE não encontro mérito algum em aí permanecer atrelado à defesa dos mecanismos e das políticas austeritárias.
Espero pelo resultado final. Se Tsipras não conseguiu uma renegociação da dívida com uma diminuição importante do que o país paga para o serviço da dívida, capaz de pelo menos equilibrar o acréscimo de austeridade, estamos perante uma derrota colossal da esquerda, supostamente, anti-austeritária.  Tsipras saltará instantaneamente para uma galeria de políticos requentados onde já se encontram os Samaras e os Venizelos deste mundo. Esperemos, ainda, pelos contornos finais do acordo.
PS - a vitória da austeridade em toda a linha potenciará a ascensão dos nazis da Aurora Dourada. A uma UE cega, surda e muda, perante os apelos que vieram de muitos lados juntou-se um Governo grego que parece ter sido incapaz de se manter de espinha direita.

Mais um trilema impossível?

Uma ideia que me ocorreu - para os países periféricos da zona euro provavelmente é impossível (na ausência de solidariedade internacional significativa) ter estas três coisas ao mesmo tempo:

- romper com a austeridade
- permanecer no euro
- ter um sistema bancário com reservas fracionárias

A Grécia tentou, mas ao fim de 15 dias acabou por desistir do primeiro ponto; se não fizessem isso, provavelmente em breve teriam, ou que começar a emitir moeda própria, ou reformarem radicalmente o sistema bancário (transformando os depósitos não cobertos por reservas noutra coisa que não depósitos).

08/07/15

Ainda sobre o absurdo da convocação do referendo e o beco da vitória do Não

Neste momento, tudo leva a crer que haverá, na UE, um acordo entre o governo grego e os seus sócios. (até Rajoy acha que as actuais ofertas gregas representam um avanço e fazem, pitoresca expressão, ouvir outra música). No entanto, como previ, tudo indica também que será um acordo negociado em piores condições do que antes e com laivos mais punitivos . Pelo que a vitória de Tsipras no referendo acabou, como era de esperar por enfraquecer a sua posição, confirmando ao mesmo tempo que a convocação da consulta, nos termos e no momento em que foi feita, foi um absurdo. Excepto, provavelmente, para as várias esquerdas e direitas soberanistas que, um pouco por toda a Europa, esperavam que a vitória do Não levasse a que Tsipras rasgasse o seu programa eleitoral, deixasse (para usarmos os seus termos) de procurar uma solução europeia para o problema europeu da situação da Grécia e corresse a trocar a integração na UE pela dependência "libertadora" dessa coligação de governos "progressistas" e "anticapitalistas" dos BRICs.

06/07/15

Do absurdo do referendo grego demonstrado pelos seus autores

Tras siete horas de reunión, los principales partidos trazan las líneas maestras para llegar a un acuerdo con los acreedores.

Se a ideia era esta — independentemente da análise da sua eficácia do ponto de vista negocial —, não se percebe para que serviu o referendo, porque, sem ele, em termos semelhantes aos agora adoptados, o acordo hoje concluído teria podido fazer-se mais cedo e, para o governo grego, em posição mais favorável nas negociações internas e externas que terá de enfrentar. Com efeito, a sua única utilidade poderia ser, para os soberanistas de direita e de esquerda gregos, preparar a ruptura com a UE e a saída do euro que os europeístas do Syriza (digamos assim para simplificar), autores da iniciativa do referendo, continuam a recusar liminarmente.

A vitória do Não. Consequências.

A vitória do Não no referendo de domingo foi um rude golpe nos que dominam a Europa através do controlo das instituições outrora democráticas.  Depois de 5 meses de adiamentos contínuos; de 5 meses de chantagem sobre um governo legitimamente eleito; de 5 meses a mostrar que a única via para o povo grego era mais empobrecimento, mais sofrimento, mais desemprego, mais miséria; de 5 meses a assistir impávidos e serenos a uma colossal fuga de capitais estimulada pelos sucessivos rumores bufados por Bruxelas; depois de 5 dias em que, todos e cada um, assumiram uma posição de partido único pró-austeritário no referendo grego, defendendo o voto no Sim e ameaçando os gregos com a expulsão da Europa, como fez Martin Schulz,  o inqualificável presidente do Parlamento Europeu; depois de 5 dias em que o BCE estrangulou os bancos gregos retirando-lhes o necessário apoio para poderem efectuar os pagamentos de pensões e salários; depois de 5 dias de sondagens que davam a vitória do Sim como iminente;  os dirigentes europeus reagiram à derrota que lhes foi infligida pelo povo grego como é suposto reagirem os ditadores.  Ameaçando os gregos pelas opções que tomaram livremente, pensando pelas suas próprias cabeças e escolhendo o que acham ser melhor para si e para os seus. Declarando como nunca tinha sido feito na História da Europa que estavam decepcionados com a decisão dos gregos ou que os gregos tinham cometido um grave erro.
Fizeram-no cuspindo e pisando sobre os valores fundadores da Europa, mostrando que nesta guerra que travam contra os povos da Europa, contra a própria ideia de Europa, estão dispostos a descer tão baixo quanto possível, a serem tão anti-democráticos quanto necessário para deixarem claro que eles, os que mandam na Europa, não admitem que quem pense de maneira diferente possa ter a veleidade de querer mudar de caminho, escolher uma alternativa política, seguir uma via reformista e progressita que não a que eles escolheram .
Por isso, nos próximos dias, esta gente sem valores e sem princípios, vai endurecer a parada, extremar todas as chantagens, jogar o tudo por tudo, mobilizar todos os recursos mediáticos ao seu dispor - vejam-se os inenarráveis debates no pós-Não nas televisões portuguesas -  para criarem as condições favoráveis à saída da Grécia do Euro e à sua eventual expulsão da União Europeia. O que estabelecem os Tratados pouco importará para quem já mostrou não olhar a meios para atingir os seus inconfessáveis fins.  Esta gente sem valores que estimula o crescimento da ameaça nazi por todo o continente europeu. Num post anterior antevi essa saída como inevitável mesmo no contexto da vitória do Não. É a intransigência da troika, da EU, que vai ditar esse lamentável epílogo para a aventura europeia que se iniciou a meio do século passado. No próximo dia 20 se saberá se essa saída forçada dos gregos se consuma ou não. Triste gente esta a quem calhou cavar a sepultura onde ficará sepultado este projecto político.

PODEMOS: reivindicações de "horizontalidade e abertura" contra o princípio hierárquico do "pablismo" (2)

O confronto, no interior do PODEMOS, aqui já referido há dias, precisa-se e conhece novos desenvolvimentos. Com efeito, segundo eldiario.es:

Más de 500 cargos de Podemos (…) piden en un  manifiesto una consulta sobre el  modelo de primarias de Pablo Iglesias aprobado por el Consejo Ciudadano estatal del 27 de junio.

(…)


Podemos tiene una oportunidad para hacer historia, para asaltar el cielo. Y para asaltar el cielo debemos hacer un esfuerzo más, de generosidad, de unidad y de participación. Todavía queda mucho territorio en el que el cambio debe implantarse, todavía quedan muchos activistas que sumar al cambio de país".

"Por eso quienes firmamos este manifiesto tenemos el convencimiento de que podemos todavía aprovechar esta oportunidad y estamos convencidos que el Reglamento elegido para las primarias en Podemos no lo permite", aseguran. Y prosigue: "Queremos que se abra una consulta sobre el mismo, porque esta convicción recorre a toda la organización, sus Círculos y Consejos. Necesitamos unas primarias que abran un plazo razonable que permita discutir con otras fuerzas sociales y políticas sin caer en una suma de siglas o de aparatos. Necesitamos unas primarias que faciliten la pluralidad para reflejar la diversidad de quienes nos sumamos al cambio. Necesitamos unas primarias que conformen las listas en virtud de criterios de cercanía, ya sea a escala provincial o autonómica, potenciando la relación de los inscritos con sus candidatos y candidatas, mejorando la implantación territorial y necesaria para ganar las elecciones. Necesitamos unos plazos y un modelo de circunscripción que estimulen la participación, nuestra mejor arma para ilusionar, para crecer y para ganar".

"Podemos fue desde el principio una plataforma para el empoderamiento popular y ciudadano", relata el documento, "y es lo que tenemos que seguir siendo y demostrando ser para ganar las elecciones generales. Algo más que un partido político. La herramienta que todos y todas podemos utilizar para cambiar las cosas. Es ahora el momento de volver a hacer valer algo que dijimos en Vistalegre: “en nuestra flexibilidad y nuestra capacidad de innovación está gran parte de nuestra fuerza”.

Y concluye: "Creemos que todo esto no es posible con el reglamento aprobado y por eso lanzamos esta recogida de firmas instando al Consejo Ciudadano Estatal y al Secretario General para que convoquen una consulta para que la Asamblea Ciudadana pueda decidir entre el modelo de primarias aprobado por el Consejo Ciudadano Estatal y otro que apueste por la elección territorializada de los candidatos y candidatas y con un sistema electoral proporcional".

(…)

O que significa exatamente "sair do euro"? (II)

Imagine-se que o governo grego começa a "pagar" aos seus trabalhadores e fornecedores com "letras de dívida" ao portador dizendo algo como "Vale 100 euros (este documento é válido para pagar impostos devidos ao Estado grego e será poderá ser convertido em dinheiro quando for possível)" (algumas empresas privadas já estão a pagar aos seus empregados com "vales" que já são aceites nas lojas locais). Isso contaria como "sair do euro"?

Tradicionalmente, considera-se que uma moeda tem 3 funções: meio de pagamento; reserva de valor; e unidade de medida de valor. No fundo, o que quer as "moedas" privadas que estão a aparecer quer uma eventual "moeda" alternativa representam é uma separação destas funções: com as moedas alternativas a serem usadas para fazer pagamentos e eventualmente para guardar valor, mas continuando o euro a ser a unidade de medida dos preços.

Outra questão é se se conseguirá que essas moedas paralelas sejam transacionadas "ao par" (isto é, que numa loja aceitem um vale de 100 euros como se fosse equivalente a uma nota de 100 euros, ou se serão transacionados com desconto face à moeda oficial) ou próximo disso. No caso do Estado grego emitir vales/letras/promissórias/etc. que sejam válidos para pagar impostos, suspeito que conseguirão manter o valor de mercado dos vales enquanto a quantidade de vales emitidos for menor que a quantidade de impostos cobrados.

O grande problema com o provável futuro ministro das finanças gregos

Se for o Euclid Tsakalotos, como consta, parece que tem um grande problema - em tempos escreveu um paper sobre a crise grega [PDF] usando um tipo de letra considerado não apropriado para assuntos sérios.

Ainda sobre a demissão de Varoufakis

O que anteontem seria visto sinal de fraqueza hoje provavelmente será visto como sinal de boa-vontade.

A influência da liquidez sobre a economia

Isto é uma anedota que circula há anos nos e-mails e nas redes sociais:

Numa pequena vila e estância de veraneio na costa sul da França chove e nada de especial acontece.

A crise sente-se.

Toda a gente deve a toda a gente, carregada de dívidas.

Subitamente, um rico turista russo entra no foyer do pequeno hotel local.
Pede um quarto e coloca uma nota de 100 € sobre o balcão, pede uma chave de
quarto e sobe ao 3º andar para inspeccionar o quarto que lhe indicaram, na
condição de desistir se lhe não agradar.

O dono do hotel pega na nota de 100€ e corre ao fornecedor de carne a quem
deve 100€, o talhante pega no dinheiro e corre ao fornecedor de leitões a
pagar 100€ que devia há algum tempo, este por sua vez corre ao criador de
gado que lhe vendera a carne e este por sua vez corre a entregar os 100€ a
uma prostituta que lhe cedera serviços a crédito.

Esta recebe os 100€ e corre ao hotel a quem devia 100€ pela utilização
casual de quartos à hora para atender clientes. Neste momento o russo rico
desce à recepção e informa o dono do hotel que o quarto proposto não lhe
agrada, pretende desistir e pede a devolução dos 100€. Recebe
o dinheiro e sai.

Não houve neste movimento de dinheiro qualquer lucro ou valor acrescido.

Contudo, todos liquidaram as suas dívidas e estes elementos da pequena vila
costeira encaram agora com optimismo o futuro.

Isto é um exemplo (fantasioso, mas que no fundo representa de forma estilizada o que são as crises económicas) de uma economia que estava largamente bloqueda por falta de liquidez, e que graças ao que foi, na prática, um empréstimo temporário voltou a funcionar.

Os bancos gregos estão falidos?

Ontem à noite, Marcelo Rebelo de Sousa ontem dizia que os bancos gregos estão "tecnicamente falidos" (porque deixariam de ter dinheiro).

Isso, claro, é um disparate, mas é um disparate que, em diferentes versões, por vezes é repetido é portanto convém ser esclarecido.

Uma coisa é uma entidade estar falida - que é quando o valor das suas dívidas (o "passivo") ultrapassa o valor dos seus bens (o "ativo"); outra coisa é uma entidade não ter liquidez - os seja não ter dinheiro disponivel já para pagar as dívidas que se tem que pagar já.

Exemplo A - imagine-se uma empresa que tem dívidas a pagar de 10.000 euros, que têm que ser pagas daqui a 5 anos, e tem 8.000 euros em dinheiro "vivo" em caixa (nota: é mais ou menos isto que são os "cofes cheios" da Maria Luísa Albuquerque); esta empresa tem liquidez, mas está falida.

Exemplo B - agora imagine-se uma empresa que tem dívidas a receber de 10.000 euros, que vai receber daqui a 5 anos, e tem dívidas a pagar de 8.000 euros, que têm que ser pagas para a semana; esta empresa não está falido (o valor do seu ativo - a dívida a receber de 10.000 euros - é maior que o do passivo - a dívida a pagar de 8.000 euros), mas não tem liquidez, já que não tem dinheiro disponível agora para pagar as dívidas que tem que pagar agora.

Os bancos gregos neste momento estão maioritariamente na situação B - o valor dos investimentos dos bancos (dinheiro em caixa, aplicações financeiras, empréstimos, etc.) é provavelmente maior que o dos depósitos e das suas dívidas ao BCE e ao Banco da Grécia, mas as pessoas querem levantar os depósitos agora e os investimentos vão sendo recuparados com o tempo.

Esta diferença entre é relevante em termos da política do BCE - o BCE não é suposto emprestar a bancos falidos (a situação A), mas é suposto (foi exatamente para isso que os bancos centrais foram criados) emprestar a bancos sem liquidez (situação B).

A demissão de Varoufakis e o caráter anti-democráticos da etiqueta diplomática

Aparentemente Varoufakis terá se demitido por não ser bem visto nas reuniões do Eurogrupo.

Pelas notícias que foram surgindo nos últimos meses, parece que muito do problema tinha a ver com o seu hábito de divulgar em público o que era discutudo nas reuniões, as posições que casa país assumia, etc. Isso efetivamente pode ser visto como uma rutura da etiqueta diplomática, em que é suposto não se saber do decorrer das negociações até à decisão final (até para não se saber que cedências cada parte fez e assim niguém "perder a face" e aparecer publicamente como derrotado); mas essa regra diplomática acaba por ter implicações anti-democráticas: afinal, se só é suposto os eleitorados de cada país tomarem conhecimento da proposta "de consenso" em que no fim todos concordaram, como é que podem punir ou premiar os respetivos governos pelas posições que estes assumiram nas negociações (se nem sequer as conhecem)?

Já agora, parece-me que isto tem uma vaga semelhança com aquelas organziações que se orgulham de ter um coletivo muito unido e em que, para as divisões entre os dirigentes não aparecerem em público, todas as grandes decisões acabem por ser tomadas em reuniões semi-secretas, em vez de irem aos associados para serem discutidas.

Ver também: Sobre o consenso como forma de decisão

05/07/15

Reflexão pós-referendo grego

O programa social-democrata que deu a vitória eleitoral ao Syriza era contra a troika e a austeridade, denunciava que a dívida era impagável e teria de ser reestruturada e defendia, para que tudo isso fosse possível, um aumento e reforço da integração europeia (orçamental "social" e política). Aliás, esta perspectiva "europeísta" surgia não só em todos os discursos de Tsipras como era reitrada com insistência pelo filósofo Zizek (por sinal, não raro, embora também nem sempre, com uma argumentação mais coerente do que é seu timbre). Devia ser evidente para todos que este programa se situava nos antípodas do soberanismo e do nacionalismo e, nomeadamente, da apologia das virtudes do Estado-nação e das independências nacionais entoada noutras paragens — caso da região portuguesa, por exemplo — pelas "esquerdas da esquerda" locais. Tive, de resto, ocasião de sublinhar várias vezes essa novidade do Syriza, ao mesmo tempo que evitei sempre considerar politicamente satisfatória a sua lógica representativa e eleitoralista.

Uma vez no governo, sob a pressão dos seus parceiros da desastrosa coligação por que optou e sob a pressão também  das alas soberanistas e nacionalistas do próprio Syriza, o programa social-democrata e o seu "europeísmo" passaram a ser acompanhados de reclamações cada vez mais soberanistas e patrióticas e de gestos — por exemplo, em relação à Rússia e a propósito da Ucrânia — que contradiziam a aposta no reforço da integração da UE acima referido. Nas últimas semanas e, sobretudo, após a decisão de recorrer ao (mistificador) referendo que se sabe, passou a predominar no discurso de Tsipras e Varoufakis uma nota como que esquizofrénica, cada vez mais exasparada: as declarações nunca abandonadas de um (verbalmente, pelo menos) incondicional "europeísmo" combinavam-se contiguamente apelos soberanistas cada vez mais altissonantes que esvaziavam de sentido a via social-democrata apostada no reforço da "solidariedade" através do da integração (e/ou vice-versa). Digamos que, após a celebração do referendo, esta contradição está a atingir o seu ponto máximo e uma tensão explosiva. Com efeito, todos os objectivos negociais do governo grego enunciados por Tsipras e Varoufakis têm como condição e eventual corolário um aprofundamento de tipo social-democrata  da integração orçamental, fiscal e política da UE incompatível com a reactivação da plenitude da soberania nacional e que, por isso mesmo, qualquer avanço institucional  do nacionalismo(regressivo e reaccionário, por mais de vermelho que se pinte), tanto na Grécia como a nível europeu,  só pode inviabilizar.

Dito isto, o facto de termos boas razões para pensar que o programa eleitoral social-democrata do Syriza, a sua concepção e a sua prática da divisão do trabalho  político, não podem garantir uma democratização efectiva das relações de poder dominantes — uma democratização radical das insituições, da divisão política do trabalho à divisão do trabalho político, que atribua aos homens e mulheres comuns que somos o direito e a responsabilidade de participarem igualitariamente nas decisões que lhes dizem respeito, conquistando a condição plena de cidadãos que só na medida em que sejam simultaneamente governantes consintam em ser governados — o facto, dizia eu, de termos boas razões para contestarmos a divisão estrutural e permanente entre governantes e governados, que o programa eleitoral do Syriza reproduzia como pressuposto da sua acção política, esse facto, repito, não deve impedir-nos de ver que a alternativa nacionalista e soberanista é um remédio pior do que o mal, uma ameaça de morte para tudo o que nos resta de cidadania activa e de conquistas democráticas na Grécia, na Europa e no mundo.

Grécia: O dia de amanhã.

Num comentário ao post anterior do Miguel Madeira deixei algumas das ideias que eu acho devem ser seguidas pelo Governo Grego em caso de vitória do Não.
O Governo Grego deve,caso ganhe o Não, apresentar uma proposta em Bruxelas que inclua tudo aquilo que tem defendido ao longo dos últimos cinco meses, as reformas estruturais que já propôs anteriormente, a que deve juntar um pedido de perdão da dívida  e uma moratória de dez anos na sua amortização. Trata-se de recuperar a proposta do FMI, já aqui referida, reduzindo o prazo de 20 anos na moratória, para metade. Deve ainda defender a realização de uma Conferência Internacional com poderes deliberativos para estabelecer o quadro de gestão da dívida pública europeia. Deve fixar um prazo de quinze dias para que o apoio do BCE ao sistema financeiro grego seja restabelecido e um prazo de um mês para que exista um acordo asinado pelas partes e a funcionar.
Se isso não aocntecer  -  o que significa que o clima de chantagem das instituições europeias vai continuar até à rendição do Syriza - deve sair do Euro e negociar um financimento de emergência com a China e com a Rússia.
Mas isso, acho eu, é um cenário B que deve estar desenhado e contratualizado, apenas à espera do momento em que seja preciso mobilizá-lo. Sendo eu um dos que acreditam que a maioria do Syriza é convictamente pró-permanência da Grécia na UE e no euro, acharia muito estranho, e prova de alguma incompetência, que o Governo não tivesse já desenhado todos os cenários alternativos.
Numa primeira fase escrevi que "Caso ganhe o SIm deve demitir-se ou fazer a mesma coisa". Parece-me no entanto que caso ganhe o Sim o Governo perde a legitimidade política para contestar as propostas que são apresentadas pela União Europeia e pela Troika. Deve por isso demitir-se e convocar novas eleições, mantendo-se em gestão até ao momento eleitoral.

04/07/15

O que em breve o governo grego terá que fazer

Se ganhar o "não" no referendo, e perante a crise bancária, a Grécia terá de certeza que fazer uma destas 3 coisas:

- Sair do euro (ou, no mínimo, lançar uma moeda paralela ao euro)

- Decretar que todos os depósitos bancários acima de certo limite são convertidos em ações dos bancos respetivos

- Decretar que todos os depósitos bancários acima de certo limite são convertidos nalguma forma de aplicação financeira a prazo não mobilizável antes do fim do prazo (o mais natural seriam obrigações dos bancos, mas também pode ser algo do estilo das "contas de investimento" propostas na Islândia)


O objetivo da segunda ou da terceira medida é resolver o problema de como, sem acesso a um banco central que possa emprestar dinheiro em caso de pânico, manter um sistema financeiro em que o valor dos depósitos é muito superior ao dinheiro que os bancos têm em caixa.

[Tanto a segunda como sobretudo a terceira poderiam estar submetidas a uma cláusula estipulando que, caso o BCE volte a mandar dinheiro, esses títulos podem ser reconvertidos em depósitos]

Eu por mim preferia a terceira solução. Mas seria conveniente que o valor a ser convertido já tivesse sido congelado nos bancos e que o governo anunciasse previamente que, se ganhar o "não", era esse o "plano B" caso a troika não cedesse. É verdade que isso iria reduzir bastante a possibilidade de o "não" ganhar (muita gente saber que, nesse caso, o dinheiro que tinham no banco iria ser convertido em obrigações que só iriam vencer daqui a uns anos), mas por outro lado acho que iria dar mais força negocial ao governo grego saber-se que já havia um plano para manter o sistema bancário a funcionar sem sair do euro mesmo sem apoios do BCE (e, no caso de vitória do "não", esse plano ter sido implicitamente sufragado pelo povo grego), em vez da conversa completamente confusa "vai tudo correr bem" do Tsipras e do Varoufaki.

A forma como a opinião dominante descreve a situação na Grécia

Até há uns dias:
O governo grego armou-se em forte, dizendo que ia acabar com a austeridade, mas não conseguiu nada. Em pouco tempo, confrontados com a realidade, já estavam a propor medidas de austeridade das mais duras da Europa.

De há uns dias par cá:
Os parceiros da UE e do FMI estavam cheios de boa vontade para com o governo do Syriza e (mesmo correndo o risco de contrariar as suas opiniões públicas) aceitaram fazer muitas concessões à Grécia - até já estava mais ou menos apalavrada uma futura reestruturação da dívida. Mas o Tsipras rejeitou tudo.

03/07/15

PODEMOS: reivindicações de "horizontalidade e abertura" contra o princípio hierárquico do "pablismo"

Vale a pena seguir com atenção os próximos desenvolvimentos do conflito aberto no interior do PODEMOS. 


La presión de las direcciones autonómicas que piden una rectificación del reglamento de primarias aprobado por el Consejo Ciudadano de Podemos se ha intensificado a lo largo de la semana. A una dura resolución de Baleares, que rechaza el llamado voto en plancha y la circunscripción única para el Congreso de los Diputados, se ha sumado Aragón, la comunidad liderada por Pablo Echenique, que solicita ampliar el calendario para que se celebren en septiembre.

Mañana se reúne en Cádiz el Consejo Ciudadano andaluz de Podemos, un órgano encabezado por Teresa Rodríguez, que el pasado sábado rechazó el reglamento de primarias y ha manifestado su disconformidad con el sistema de representación territorial que implica la circunscripción única, en la que todos los votantes deben expresar sus preferencias por aspirantes de toda España. Sobre la mesa, las fórmulas de oposición a ese método, defendido este viernes una vez más por la dirección, con Pablo Iglesias a la cabeza.

La cúpula no tiene intención de rectificar, pero las críticas continúan. ¿Por qué? Porque un sector del partido, que ahora coincide con núcleos de poder territorial, considera que la apertura, el pluralismo y la horizontalidad que han caracterizado a Podemos desde su fundación deben mantenerse o aumentarse. Y porque ven sano que el debate, que siempre se ha dado en Podemos, se celebre de forma pública. Las primarias empiezan hoy y culminarán el 24 de julio. En los próximos días seguirán las presiones de los críticos y la dirección intentará convencerles de la eficacia del reglamento. Ese será el debate en torno a unas elecciones que, en cualquier caso. resultan distintas a las de los principales partidos.