14/07/15

Uma tragédia europeia

The project of a European democracy, of a united European democratic union, has just suffered a major catastrophe.’

28 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,

as declarações de Varoufakis são muito instrutivas e contêm observações certeiras (a comparação com o Tratado de Versailles, o double bind associado à dívida, etc.). No entanto, uma pessoa pergunta-se se ele só descobriu tudo isso desde o referendo para cá e fica sem compreender como lhe foi possível, em plena campanha pelo Não, fazer campanha também pela permanência na ZE e afirmar que, qualquer que fosse o resultado do referendo, haveria acordo em 48 horas, sem excluir sequer a hipótese de um acordo antes da votação, caso em que se propunha fazer campanha pelo Sim. Isto para não falar na maneira como ele tira o tapete a Tsipras e procura lavar as mãos à custa do primeiro-ministro grego encurralado. Enquanto a revolta contra a ordem estabelecida não souber recusar líderes deste calibre, estará vencida à partida. Penso eu de que.

Abraço

miguel(sp)

José Guinote disse...

Meu caro Miguel eu não contribuo para o peditório de saber quem tem mais culpas do que quem. Coloquei o link para as declarações de Varoufakis exactamente pela razão que tu salientas: as observações certeiras que ele faz e algumas informações relevantes. Sobretudo aquelas que nos permitem perceber aquilo que se passou no núcleo - outrora duro - do Syriza e permitiu transformar a vitória do referendo numa clamorosa derrota, uma das maiores sofridas pelos gregos. Mas também as que se relacionam com o funcionamento do Eurogrupo e das famigeradas reuniões de trabalho. Tsipras ainda terá que explicar, um dia, as razões pelas quais "engoliu" e "fez engolir" esta capitulação. Vamos, entretanto, conhecendo alguns detalhes que são relevantes para a história final. Há uma questão de fundo neste drama de cinco longos meses: o Syriza foi incapaz de montar um Plano B - e isso não significava necessariamente uma saída do euro ou sequer a sua ameaça, mas uma diferente postura na negociação - e nesse sentido colocou-se inteiramente nas mãos da matilha açolada pelo Schauble. Até à completa rendição.

Anónimo disse...

Philippe Legrain, o antigo conselheiro económico de Barroso, ataca forte e feio o " acordo " Grécia/ Eurozone. E,diz ele: " For now, many greeks believe any deal is worth doing to keep Greece in the Euro: But as the depression bites and the reality of German imposed technocratic rule sinks in, the political backflash will surely grow. So the prospect of default and Greexit are hardly gone.(...) The Eurozone as a whole remains an economic basket case and a democratic disgrace ". N.

joão viegas disse...

Ola,

Caro José Guinote. Estas a por completamente de parte a hipotese de que matilha do Schauble estava mais interessada num Grexit do que na permanência da Grécia. Isto porque a falência da esquerda na Grécia (que quase de certeza se seguiria ao Gréxit) serviria de exemplo para os outros paises...

Ora, para mim, esta hipotese não é, de todo, descabida.

O problema, quanto a mim, é estarmos enganados acerca da relação entre as forças neste momento. A direita esta, de facto, em posição de fazer chantagem. Ela vive muito bem com uma crise da Europa politica. Também vive bem com uma saida da Grécia. O referendo não podia mudar este dado essencial...

Abraço

José Guinote disse...

Não estou não, meu caro João Viegas. Basta ler o que aqui tenho escrito. Essa era o principal objectivo já que a matilha considera a União Europeia e os seus príncipios fundadores um empecilho ao seu projecto político. Mas, em alternativa ao Grexit, face ao arrobo tardio de Hollande e os seus pares que o impediram, as condições leoninas impostas são um mal menor. Concordo contigo que o referendo por si só não podia alterar a relação de forças na Europa, mas tinha um importante significado político que competia ao Governo Grego potenciar. Não foi essa a opção.

Miguel Serras Pereira disse...

Caros José e João,

duas notas rápidas.
Em primeiro lugar, fazer juízos políticos sobre certos modos de acção política não é passar culpas. Isto, sobre o Varoufakis, mas adiante.

Quanto ao "acordo", julgo que foi uma paz cartaginesa ou versalhesa e que, embora tenha travado o grexit, não parece ter isolado Schäuble nem a facção soberanista e mais reaccionária que, contra os tecnocratas federalistas, continua a impor a sua concepção da UE como aliança ou concerto inter-estatal. Seria necessário que a facção federalista, como escrevi ontem (), se decidisse a avançar para a integração, acompanhando-a de medidas audaciosas, digamos que de tipo social-democrata, que reconciliassem os eleitores com a UE, passando a ver nela um horizonte de “prosperidade” em vez de um sinónimo de austeritarismo para uns e de punções fiscais para outros". Mas, visivelmente, nao é esse o caso, porque, se o fosse, ter-se-ia batido por um acordo diferente (vetando, por exemplo, através da França, o grexit e forçando o prolongamento das negociações de fundo). De modo que as perspectivas são sombrias, tanto para a Grécia como para a UE, e o conflito que finalmente se abriu entre os tecnocratas parece ter desembocado numa solução de compromisso que só pode beneficiar a manutenção do status quo da União e a intensificação de nacionalismos coligados ou rivais. Até que na base se passe alguma coisa de novo que reactive a cidadania comum e transborde as fronteiras.

Abraços

miguel(sp)

Miguel Serras Pereira disse...

No comentario de cima, abri um parênteses que deixei por lapso em branco. Destinava-se a indicar o link que aqui fica: http://viasfacto.blogspot.pt/2015/07/o-que-o-episodio-grego-poe-vista.html

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Caros José e João,

uma vitória relativa do federalismo e do governo grego, teria sido um acordo enquadrado por e não contraditório com uma cláusula como esta que hoje o FMI propõe:

A agência Reuters teve acesso a uma nova análise elaborada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em que o organismo vai ainda mais longe do que no relatório publicado na semana antes do referendo.

Na análise do FMI, a Grécia vai precisar que a Europa lhe conceda um período de graça de 30 anos para o reembolso da dívida que o país tem perante os fundos europeus – incluindo nos novos empréstimos que vierem a ser entregues ao abrigo do eventual terceiro resgate.

Alternativa a isto: corte imediato e direto no valor da dívida (haircut) ou transferências anuais para o Orçamento do Estado grego (o que é proibido pelo Tratado Europeu).

Neste novo relatório, o FMI defende que a Grécia precisa de um alívio da dívida que vá “muito além” do que a Europa tem admitido fazer, até agora, com uma moratória de juros de 10 anos (a partir de 2012), entre outras medidas que procuram tornar mais fácil o reembolso pela Grécia dos fundos recebidos dos contribuintes europeus.

http://observador.pt/2015/07/14/ministro-grego-chama-chantagistas-e-assassinos-aos-credores/

Abraços

msp

joão viegas disse...

Ola,

Concordo que o panorama esta escuro. O Paradoxo é que muitos tecnocratas europeus, mesmo entre os liberais, sonham com um Tsipras a por alguma ordem na Grécia, fazendo por exemplo com que aumente a eficacia fiscal e que acabem também algumas benesses que aproveitam à classe "média" (um eufemismo que conhecemos muito bem em Portugal). Se ele conseguir mobilizar o povo grego neste sentido, podera provavelmente reabrir a questão da divida em condições mais favoraveis. Francamente, ninguém, provavelmente nem sequer o Shauble, acredita que a divida é mesmo para pagar. A questão é mais que nesta altura, ele não tem nenhum capital de confiança. Alguma vez poderia ser de outra forma ? Qualquer outro partido de esquerda que venha a ganhar eleições, por exemplo o PODEMOS em Espanha, vai deparar-se com uma situação parecida. Que ninguém espere que os tecnocratas europeus vejam imediatamente estas situações com bons olhos. Para isso é preciso tempo.

O que nos resta a fazer é aquilo que deveriamos ter feito mais cedo, com mais força, com maior insistência, ou seja chamar incansavelmente a atenção para a exequibilidade de politicas mais à esquerda. Se houve oposição ao Grexit, como houve, isso não se deve apenas à solidariedade ou à simpatia pelos Gregos. O abandono do Euro por um dos seus fundadores tem um custo economico bastante elevado. E' angélico pensar que os Europeus mais "razoaveis" querem evitar isto a qualquer preço. Mas isso também não significa que eles não estão disposotos a pagar um bocado por isso.

Poderiamos ter ido mais longe desta vez ? Não sei. Talvez. Não creio, mas não sei. O que sei é que uma estratégia baseada na ideia de que os conservadores Europeus iriam aceitar recuar muito, nesta altura, era um erro de calculo, pelas razões que mencionei mais acima (basicamente, porque a ala direitista dos liberais esta-se marimbando completamente para a Europa politica).

Outra coisa, importante quanto a mim, é o Tsipras se aguentar internamente. Isto não vai ser facil. Ai também vai haver um espaço de intervenção da esquerda europeia. O que é preciso organizar é isso : fazer com que os Piketty e quejandos não se calem e que se crie um espaço de pressão das opiniões publicas de esquerda nos outros paises da Europa. Reparem que para isso, não é preciso referendo nenhum. Basta permanecermos vigilantes e procurarmos ser consequentes.

Ha tunel. Isto é obvio. Mas ha também uma faisca la no fundo.

Finalmente, não nos podemos esquecer de uma coisa importante : se a esquerda deixou de ser audivel nos paises do sul da Europa, nao é por causa de um qualquer complô maçonico, ou porque se calhar a realidade é cumplice do capitalismo financeiro. E' porque as politicas de inspiração mais ou menos liberal (com uma pitada maior ou menor de pseudo-social-democracia) coincidiram com uma tremenda elevação do nivel de vida e um acesso ao consumo. Isto aconteceu e as pessoas associam obviamente este processo ao da construção Europeia nas mãos da esquerda palida e do liberalismo social-gorjeteiro. E' inevitavel que assim seja...

Abraços

José Guinote disse...

Miguel, algures na semana antes do referendo citei uma noticia do the guardian em que era referido um relatório do FMI que considerava fundamental além do hair cut da dívida grega um período de nojo,uma moratória, que eles referiam dever ser de 30 anos. Não sei se é o mesmo, que tu referes. Não deixa de ser relevante o facto de o FMI continuar a insistir nesta abordagem à dívida grega enquanto, ao mesmo tempo, celebra acordos que são a negação das suas preocupações. Quanto às posições dos socialistas europeus acho que elas estão a anos luz de qualquer posição social-democrata que se preze. Os sociais-democratas, se o fossem, teriam a autoridade moral de jogar na cara da Alemanha o tratamento que lhe dispensaram depois da segunda guerra. Mas, não o fazem. Limitam-se a elogiar o acordo. Os socialistas comportam-se como se fossem o grau zero da política, os parceiros ideiais para os soberanistas e radicais austeritários. Para eles o acordo é bom em si mesmo. Independentmente do seu conteúdo. Se o PIB descer mais 15 ou 20% , se o desemprego aumentar, se os suicidios duplicarem, isso serão "colaterais". O acordo esse já ninguém lhes tira. Hoje há quem critique o Syriza por não ser capaz de negociar, por não ter conquistado parceiros para o seu lado. Mas vistas as coisas de perto de que parceiros estamos a falar? Sigmar Gabriel e o seu SPD? Moscovici e o seu PSF? Quem? Varoufakiz refere que tanto fazia apresentar as suas propostas, como cantar o hino nacional da Suécia. O interesse era o mesmo. O Syriza a dado passo deveria ter tido a noção que estava isolado no meio dos tubarões. Ter-lhe-á faltado ousadia para ampliar a sua força.

Anónimo disse...

OH. João Viegas, O Hollande foi manipulado pelo Obama para impôr à Merkel um plano paradoxal de " ajuda " punitiva à Grécia, com injunções posteriores do FMI, como se está a ver já a desenrolar...Tudo o resto são sofismas: Esquerda/Direita europeia, sistema democrático e cooperação europeia são cenários para iludir o povão, porque não existem fundamentos crediveis que defendam tais opções com verdade e pureza. A lógica do super-capitalismo oligárquico vai ligar o destino económico e social da Europa aos USA, com o Partenariado Euro-Atlântico, enquanto os USA tentam na Asia do Sudoeste também uma estrutura de dominação polivalente com o Japão, a Indonésia, a Tailândia e Coreia do Sul.Niet

Sérgio Pinto disse...

No entanto, uma pessoa pergunta-se se ele só descobriu tudo isso desde o referendo para cá e fica sem compreender como lhe foi possível, em plena campanha pelo Não, fazer campanha também pela permanência na ZE e afirmar que, qualquer que fosse o resultado do referendo, haveria acordo em 48 horas

Nao percebo a duvida em relacao a fazer campanha pelo nao e defender a permanencia na ZE. A posicao, desde o inicio, era a de que a Grecia se queria manter na ZE, e parece evidente que a ideia era a de reforcar o poder negocial do governo, ao tornar obvio que este nao tinha mandato para ceder ao que os credores queriam e, com isso, tentar obter um melhor acordo.

O resto, 48 horas, etc., nao parece muito dificil de entender como as habituais demonstracoes externas de optimismo, e possivelmente a de passar a mensagem pretendida por Tsipras (recorde-se que, se Varoufakis tivesse levado a sua avante, ainda antes do referendo ja' teria emitido IOUs, imposto um haircut parcial ao BCE, etc.).


Isto para não falar na maneira como ele tira o tapete a Tsipras e procura lavar as mãos à custa do primeiro-ministro grego encurralado.

Bem, se contar o processo que o levou 'a saida e veicular as ideias que ele considera serem as mais apropriadas corresponde a tirar o tapete ao Tsipras, como se nao tivesse sido este a contribuir para o seu proprio buraco, comecamos a ir por um lindo caminho...

Sérgio Pinto disse...

Isto porque a falência da esquerda na Grécia (que quase de certeza se seguiria ao Gréxit) serviria de exemplo para os outros paises...

Ou seja:
1) Com Grexit, a esquerda na Grecia morre de certeza.
2) Com a aplicacao do mais brutal programa de austeridade da historia do pais e com perdas de soberania assimetricas que aparentemente ate' chegam ao facto de entidades estrangeiras escreverem as leis do pais (https://twitter.com/BrunoBrussels/status/620957182721454081), a saude da esquerda fica, provavelmente, preservada.

Oh Joao Viegas, francamente! Por favor diga-me que nao sou so' eu que acho este tipo de argumentacao ilogica e descabida. O ponto nao e' o de eu (ou qualquer pessoa) dizer que tem certezas sobre o que aconteceria no caso de saida da ZE, porque ninguem as tem. Mas continuo sem perceber: qual e' o limite a partir do qual as cedencias deixam de fazer sentido? E' que, se esse limite nao existe, e se a cedencia e' incondicionalmente preferida, a derrota tambem e' certa.

De passagem, em comparacao com os termos deste acordo, ate' Varoufakis agora refere que a saida da ZE e' provavelmente preferivel (ver entrevista de ontem a radio australiana: http://mpegmedia.abc.net.au/rn/podcast/2015/07/lnl_20150713_2205.mp3 e http://www.abc.net.au/radionational/programs/latenightlive/greek-bailout-deal-a-new-versailles-treaty-yanis-varoufakis/6616532).

joão viegas disse...

Caros,

Mas vocês estão a partir do principio de que o Grexit se faria sem austeridade e sem custos para o povo Grego, e por conseguinte para o Syriza. Isto é uma completa fantasia. O Grexit representaria obviamente uma tremenda perda de poder de compra para o povo grego, um disparo no custo das importações, nomeadamente nas indispensaveis ao funcionamento da economia tais como a energia, etc. Portanto a perspectiva de termos o povo Grego unido a aplaudir continuamente o timoneiro responsavel por esta aventura é a modos que, como dizer, discutivel.

A unica diferença é que poderia haver desvalorização com perspectivas de ganhar em "competitividade" daqui por uns anos, ganho este que seria obviamente feito à custa do trabalhador grego...

Na vossa opinião, o Baixo Alentejo também deve fazer secessão ? Reparem que se organizarmos um referendo sobre austeridade, o mais provavel é eles responderem como os Gregos.

Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

José Guinote,
eu não julgo com menos severidade do que tu os partidos social-democratas e socialistas que citas, nem vejo o que possa ter escrito que te obrigue a explicar-me uma pequena parte dos seus vícios.
Mas importa não perder de vista as contradições que existem entre alguns deles (e não só) e a facção mais nacionalista dos tecnocratas, adeptos de uma aliança inter-estetal e hostis a uma integração de tipo federal. E exclusivamente tendo em vista a defesa dos seus interesses, a primeira facção de tecnocratas recuou miseravelmente antes de tempo e permitiu um acordo que compromete o avanço da integração (governo e parlamento da ZE, etc., hoje defendidos por Hollande). Entendidos?
Quanto ao texto do FMI que hoje cito (indicando o link) é diferente, novo e vai mais longe — tentando talvez tirar o tapete debaixo dos pés à facção Schäuble, hostil à federação e não demasiado bem vista pelos EUA. O que é estranho é que os tecnocratas europeístas proponham muito menos e se tirem o tapete debaixo dos pés a si próprios.
Finalmente, aqui há dias, o Miguel Madeira caracterizou com felicidade e concisão o que pode esperar a esquerda nacionalista e, por maioria de razão, a outra em caso de vingar a via "soberanista" (preconizada, não esquecer, pelo mesmo Scäuble que veria com bons olhos privados do direito de votar os cidadãos dos Estados periféricos da sua UE em versão inter-estatal): "um regime militar à maneira daqueles que costumava haver nos países árabes (Egito de Nasser, Síria e Iraque baathistas) - discurso anti-imperialista, aliança com Moscovo, nacionalistas e socialistas à mistura, e marxistas a dar apoio "crítico" ao regime até ao dia em que acordam todos a serem presos" ( http://viasfacto.blogspot.pt/2015/07/o-senhor-que-se-segue.html )
Abraço
miguel (sp)

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Viegas,

não subscrevo o optimismo da tua leitura do acordo, mas, evidentemente, que repito, aplaudo e subscrevo esta tua última observação: "vocês estão a partir do principio de que o Grexit se faria sem austeridade e sem custos para o povo Grego (…) Isto é uma completa fantasia. O Grexit representaria obviamente uma tremenda perda de poder de compra para o povo grego, um disparo no custo das importações, nomeadamente nas indispensaveis ao funcionamento da economia tais como a energia, etc." — em, se poderia talvez, "haver desvalorização com perspectivas de ganhar em "competitividade" daqui por uns anos", esse "ganho (…) seria obviamente feito à custa do trabalhador grego". Nem com um desenho seria possível explicar melhor.

Abraço

miguel(sp)

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Eu não acho o acordo bom. Acho péssimo. No entanto, não sei bem como é que o Tsipras podia ter feito para obter mais, pelo menos nesta fase. Podia talvez ter-se abstido do referendo e ter dito que o problema da divida era Europeu e não Grego. E não pagar o FMI, a ver o que acontecia, até que ponto os parceiros seriam capazes de ir. Mas, se ele tivesse procedido desta forma, não acabava por ter as mesmas pressões ? Apenas tornaria mais visivel que são os Europeus que querem correr com ele, e não o contrario. Bom, é verdade que isso sempre seria qualquer coisa.

Seja como for, é escusado voltar a fazer o jogo. O que interessa é o futuro e, no futuro, vai ser preciso encontrar alianças à esquerda nos outros paises. Quanto a mim, podemos andar anos às voltas com o problema, iremos sempre ter ao mesmo sitio : devemos construir uma alternativa europeia de esquerda. Esta era a aposta de Tsipras, tanto quanto percebo, e julgo que ainda é. As dificuldades eram previsiveis e acho muito cedo para desistir. Alias, desistir implica o quê ? Uma alternativa de esquerda fora da Europa ? Uma série de "orgulhosamente sos" de esquerda ? Alguém acredita mesmo nisso ? Eu não.

Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Viva, João (Viegas):
a propósito da objecção que moves à esquerda nacionalista e aos adeptos de uma ruptura pseudo-revolucionária com a ZE, o João Valente Aguiar acaba de publicar um post com um texto do João Bernardo que te deve interessar bastante. De resto, já lá fui comentá-lo.

Abraço

miguel(sp)

Anónimo disse...

OH.J.Viegas: O Syriza está integrado num sistema politico e partidário europeu, que vai do BE ao Front de Gauche e ao Die Linke.Com relações mais ou menos claras e legiveis à vista desarmada. Encarna um tipo de reformismo muito sofisticado e com tendências neo-nacionalistas e republicanas estilo JP Chevènement dos golden days...Ninguém disse que o Greexit favorece o desenvolvimento da Grécia, a não ser que surja efectivamente o manancial petrolifero nas costas helénicas...O poker negocial-Grécia/ZE/CEuropeia- é tão complexo que ninguém de boa-fé pode fazer apostas ou aventar probabilidades futuristas. Niet

Sérgio Pinto disse...

Mas vocês estão a partir do principio de que o Grexit se faria sem austeridade e sem custos para o povo Grego, e por conseguinte para o Syriza. Isto é uma completa fantasia.

Nao, ninguem esta' a partir deste principio. O unico principio de que se esta' a partir e' que a saida oferece uma possibilidade de recuperacao, mesmo que com diversos riscos. Ao inves, o programa actul garante que nao havera' recuperacao e quem alegar o contrario esta', ai' sim, a vender fanatasias. O que nao se compreende e' de que forma o desastre certo e' preferivel a uma hipotese (independentemente de ser remota ou nao) de melhoria.


A unica diferença é que poderia haver desvalorização com perspectivas de ganhar em "competitividade" daqui por uns anos, ganho este que seria obviamente feito à custa do trabalhador grego...

Por mais que o Miguel Serras Pereira e o Joao Valente Aguiar o aplaudam, por esta afirmacao, apresentar esta afirmacao como sendo um facto inevitavel e' absolutamente errado (e, imagino que nao por acaso, o unico economista do blogue nunca fez este tipo de afirmacoes).

1) O trabalhador grego consome no seu pais e, portanto, enfrenta o nivel de precos ai' existente.

2) Com recuperacao economica, o trabalhador grego poderia deixar de estar desempregado. Se quiser estudos sobre a decomposicao de diversos factores na reducao de taxas de pobreza - e tenho todo o gosto em enviar-lhos - o facto de ter um emprego, e salarios dai' decorrentes, e' o principal factor que contribui para a reducao da taxa de pobreza.

3) O segundo factor mais importante para a reducao da pobreza e' frequentemente o decorrente de transferencias efectuadas pelo estado (i.e., politicas sociais). Naturalmente, algo que consiga aproximar um pais como a Grecia do pleno emprego contribui tambem para o aumento de receitas do Estado e, consequentemente, para maior espaco para ter politicas sociais.

4) Para la' do referido anteriormente, o Estado tem, por via fiscal, a hipotese de efectuar redistribuicoes de rendimento. Naturalmente, isto pode ocorrer tanto estando dentro como fora da ZE. E, obviamente, se uma determinada accao (sida da ZE) beneficia um determinado tipo de classe, o Estado pode minorar ou corrigir isso atraves do codigo tributario (e atraves de transferencias sociais, como referido anteriormente).

5) Nao surpreendentemente, os trabalhadores argentino nao viram a sua situacao piorar entre 2002-11. Pelo contrario: muito menos desemprego, muito menor taxa de pobreza, menor desigualdade, mais transferencias sociais. Krugman, aqui (http://krugman.blogs.nytimes.com/2015/07/09/argentine-lessons-for-greece/), faz referencia ao mesmo relatorio de outro economista (Mark Weisbrot) que eu ja tinha indicado por diversas vezes ao Joao Valente Aguiar e ao Miguel Serras Pereira, na va esperanca de que eles deixassem de fazer afirmacoes completamente erradas sobre a situacao economica na Argentina depois da bancarrota. Incompreensivel e' que se continue a propagar mitos e informacoes falsas como certezas: http://www.cepr.net/publications/reports/the-argentine-success-story-and-its-implications.


Por fim, noto que nunca chegou a dizer qual e' que acha que e' o limite aceitavel para a austeridade que um governo deve aceitar (ou sequer se esse limite existe).

joão viegas disse...

Caro Sérgio Pinto,

Bom, claramente, julgo que não designamos a mesma coisa pela palavra "economia". O trabalhador grego consome no seu pais ? a sério ? Vai passar de repente a pedalar para ter energia, a consumir azeitonas e queijo feta e substituir toda a tecnologia importada por computadores magalhouskakis ? Não me diga...

Se é assim tão simples, porque raio é que o Syriza foi a eleições com um programa completamente favoravel à permanência na União europeia ? Apenas porque não tinham ideia de como os dirigentes europeus, de aparência sorridente e simpatica, podem transformar-se em bestas sanguinarias quando fechados numa sala com tecnocratas ?

Acredito perfeitamente que existam estudos a demonstrar que é economicamente viavel um pequeno pais como a Grécia desenvolver-se ao abrigo dos abutres capitalistas deste mundo, com honestidade e trabalho, e talvez com meia sardinha por pessoa ao dia. Creio que até se encontram estudos em Português que demonstram isso mesmo, datados da primeira metade do século XX.

De facto, com estudos economicos tão indiscutivelmente impecaveis, não percebo porque é que o Tsipras não volta a convocar um referendo, que desta vez poderia ser claramente sobre a permanência da Grécia ou, em alternativa, sobre a sua saida definitiva.

Abraços

joão viegas disse...

Caro Sérgio Pinto,

Mais a sério e sobre a sua ultima pergunta. E' um facto que não sei responder exactamente. Apenas posso dar palpites, que valem pouco. No caso, a minha convicção é que estamos muito longe do ponto em que seria preferivel abandonar o Euro. Uma boa parte das razões na base desta convicção têm a ver com o facto de eu não acreditar que a permanência no Euro tenha as consequências catastroficas que você aponta. A participação no Euro é também a participação na construção de uma Europa politica integrada. Não vejo razão para acreditar que os liberais conservadores vão conservar sempre o poder que têm hoje. Até porque a Europa pretende ser uma democracia e, por conseguinte, não pode permanecer muito tempo sem aprofundar as suas instituições democraticas. Notou com certeza que muitos politicos, mesmo de direita, tiraram esta conclusão obvia da crise grega : é urgente aprofundar a democracia europeia. Notou também que muitos politicos europeus, mesmo de direita, declararam claramente que é necessario restruturar a divida grega.

Sei que não o vou convencer. Mas continuo a acreditar que as pretensas "alternativas" à esquerda, os sonhos de uma via autonomista soberba, são fantasias perigosas.

Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Viegas,
muito bem. No entanto, deve precisar-se um ponto, creio eu. É que, como diz o João Bernardo, "quanto à Grécia, para que não saia ou não seja posta fora, será necessário não só reestruturar a dívida de uma maneira que corresponda a um efectivo e considerável haircut, mas ainda investir naquele país fundos comuns para suscitar o desenvolvimento, e isto a curto prazo” ( http://viasfacto.blogspot.pt/2015/07/o-fmi-contra-schauble.html ). Acrescento ainda que a mesma política de investimentos e desenvolvimento, modulada segundo as regiões, teria de ser prosseguida em toda a ZE, tanto mais que não há outra maneira de cortar o combustível aos nacionalismos que se opõem às transferências de soberania (cf. http://viasfacto.blogspot.pt/2015/07/o-que-o-episodio-grego-poe-vista.html ).

Abraço

miguel(sp)

Anónimo disse...

OH. João Viegas: Eu não lhe quero mal, antes pelo contrário. Só que o seu " aprofundamento da Democracia " não tem nada a ver com alternativa(S). O que não vem mal nenhum ao Mundo.Você lá sabe porquê, como dizia o slogan. É evidente que o Syriza- muito contestado na faixa ultra-gauche francesa e americana por cedências insustentáveis à lógica do imperialismo- -tentou a " sorte " e fez chantagem dupla ou tripla com as questões geopoliticas, como é por demais evidente.Mas a Europa era, repare, uma ideia de fazer avançar e aprofundar a democracia social e económica. A " coisa " está a falhar, desde o inicio do século,porque o super-capitalismo mundializante tem outras equações politicas e territoriais para continuar a dominação e a exploração. Salut! Niet

joão viegas disse...

Ola caro Niet,

Talvez o mal principal esteja no tal super-capitalismo mundializante, não digo que não. Agora que a desorganização total da esquerda ajuda bastante, com a sua evidente incapacidade para socorrer-se das regras democraticas, ainda que incipientes, que deveriam incita-la a unir-se, isso é também claro, pelo menos para mim. Porquê ? Como é que podemos culpar as regras e o mundo, e o sistema, de não nos dar a minima hipotese, quando nem sequer tentamos bater-nos e quando nos deixamos ludibriar como crianças ?

Essa é que é essa, mon cher.

Abraço

Sérgio Pinto disse...

O trabalhador grego consome no seu pais ? a sério ?

O nivel de precos relevante para o trabalhador do pais X e' tambem o do pais X. Ou seja, uma eventual nova moeda que desvalorizasse em 40% face ao euro nao iria implicar uma perda de poder de compra desse montante, naturalmente.


Se é assim tão simples, porque raio é que o Syriza foi a eleições com um programa completamente favoravel à permanência na União europeia ?

Joao Viegas, o facto de me atribuir afirmacoes que eu nunca fiz nao parece ser uma grande tactica argumentativa. Eu nunca disse que era simples, nem faria sentido dize-lo, porque nao acho que seja. Disse, primeiro, que a escolha actual e' um desastre certo e que, por comparacao, mesmo uma alterntiva com elevado risco e probabilidade de nao correr bem e' preferivel (note que nao e' algo de particularmente diferente do que Varoufakis ou Louca dizem). Em segundo lugar, referi que a sua certeza em relacao ao facto de a desvalorizacao levar, com absoluta certeza, a um empobrecimento dos trabalhadores, nao tem razao de ser, especialmente no longo prazo. Pode ser que voce tenha razao mas, pelo menos para ja', exemplos mais ou menos obvios (como os da Argentina e da Islandia) nao parecem apontar muito nesse sentido, mesmo com governos que talvez nao tivessem um elevado nivel de equidade como tao vincada prioridade como se poderia assumir que o SYRIZA teria. De qualquer forma, vinco mais uma vez que o meu argumento se dirigia ao facto de voce apresentar isso como uma inevitabilidade, e nao apenas como uma possibilidade que esta' sujeita a fortes influencias decorrentes de outras escolhas politicas.

Sérgio Pinto disse...

A participação no Euro é também a participação na construção de uma Europa politica integrada.

Concordamos nos beneficios de uma Europa politica integrada e que esse deve ser o objectivo de longo prazo em mente. Mas sei que nao o vou convencer quanto o facto de nao achar que a permanencia no Euro facilite a prossecucao desse objectivo.


Notou com certeza que muitos politicos, mesmo de direita, tiraram esta conclusão obvia da crise grega : é urgente aprofundar a democracia europeia.

Notei, sim. Tambem notei que declararam o acordo com a Grecia como positivo, e que nao viram problemas com a humilhacao de um governo e com a obvia chantagem anti-democratica de fazer a Grecia aderir a um programa que obviamente nao corresponde ao mandato do governo, precisamente para garantir que certo tipo de governos nunca mais se atreverao a desafiar a ordem estabelecida.

Joao Viegas, e' evidente que o que esses lideres entendem por "democracia europeia" nada tem a ver com o significado desse conceito para si ou para mim. E o problema e' esse, e' o de o aprofundamento ser apenas o aprofundamento e a consolidacao da via austeritaria, anti-social, e que esmaga qualquer programa de esquerda que se atreva a sair da linha.


Notou também que muitos politicos europeus, mesmo de direita, declararam claramente que é necessario restruturar a divida grega.

Acho que ha' aqui alguma confusao entre reestruturacao e abandono da austeridade. A Grecia ja' teve uma reestruturacao, que pouco resolveu, dado que foi simultanea com um programa de austeridade obviamente desadequado ao contexto do pais. E pouco se vislumbra de diferente neste caso: uma reestruturacao acompanhada de manutencao de defices primarios elevados, de cortes de pensoes, de privatizacoes a preco de saldo, de enfraquecimento das leis laborais, de aumentos de impostos, teria uma impacto muito pequeno na melhoria das condicoes de vida do tipico cidadao grego.

joão viegas disse...

Caro Sérgio Pinto,

Bom, desculpe la, mas v. esta simplesmente a desconversar. Se a Grécia saisse e desvalorizasse isso não iria traduzir-se por um brutal aumento de todos os bens com uma compenente importada, a começar pela energia ? Claro que iria. Portanto, obviamente, iria haver uma importantissima perda de poder de compra dos gregos...

Quanto aos seus comentarios sobre democracia, são uma perfeita falacia : a democracia a que se referem os tratados Europeus é a democracia que existe hoje nos paises membros. Não existem, hoje orgãos de soberania europeus porque... os titulares dos orgãos de soberania nacionais, que foram eleitos pelos povos europeus soberanos em votações que obedecem aos critérios democraticos partilhados por todos, ainda não chegaram à conclusão de que estava na altura para avançar, isso alias escudando-se muitas vezes com a reticência dos seus povos. Isto também é democracia, que eu saiba. Portanto estamos a falar da mesma democracia e não existe grande duvida acerca das regras fundamentais com que ela se identifica (que essas regras têm efeitos perversos, que merececem ser aprofundadas, é outra questão, mas o problema põe-se nos mesmos termos a nivel nacional).

A construção europeia que temos hoje não se fez à revelia dos povos, muito menos à revelia dos povos do Sul, que aderiram tarde, mas livremente, e que, ainda hoje, têm populações massivamente favoraveis à construção europeia.

Trata-se de uma construção ainda incipiente, que esta a meio, que necessita para poder manter-se, uma aproximação e uma integração maiores, assim como, obviamente, a criação de espaços de expressão da soberania do povo europeu no seu todo, portanto a criação de orgãos de soberania europeus ? Quem disse o contrario ?

O que tem atrasado o processo é precisamente o respeito pelas soberanias nacionais e pelas democracias nacionais, nunca o contrario... Portanto a sua argumentação é perfeitamente absurda : as regras que v. critica são precisamente as que obtiveram o consentimento dos representantes dos povos nacionais em actos politicos de que eles respondem perante os seus eleitores soberanos. Querer substitui-las, mesmo para as aperfeiçoar, sem passar pelas dificuldades objectivas que nascem desta situação (ou seja pelo perigo inevitavel de atrasos provocados por discursos demagogicos nacionalistas como o seu), isso sim é que seria um profundo desrespeito da soberania dos povos, e totalmente anti-democratico por sinal. Por outro lado, querer substitui-las democraticamente por regras mais satisfatorias implica necessariamente aceitar os constrangimentos da aproximação com outros povos. Esquecer esta realidade é demagogico e irresponsavel.

Abraço