27/07/15

Sobre a proposta de "refundação da Zona Euro" apresentada por Hollande

Com Hollande, todo o cuidado é pouco e a sua proposta de formação de uma vanguarda de países apostados na refundação de uma Zona Euro, através de uma integração orçamental, fiscal, "social" e política, não deixa de ser ambígua e suscita numerosas dúvidas graves: por exemplo, Hollande ora fala de "vanguarda", ora parece referir-se a todos os membros da ZE, e a indiferença que parece estabelecer entre as duas coisas não deixa de turvar inquietantemente as águas, não sabemos em benefício de que pesca… Mas, se a ideia, desenvolvida nos termos em que o faz Élisabeth Guigou, é promover um governo económico comum para todos os países da ZE, juntamente com um Fundo Monetário Europeu, um orçamento da ZE, uma união bancária efectiva, um parlamento e um governo eleitos da ZE, salários mínimos igualizados de modo a evitar o dumping no mercado de trabalho e uma tributação harmonizada das empresas, além de um seguro europeu de desemprego, etc., etc. — então, estamos perante uma via alternativa à apresentada pelo José Maria Castro Caldas para o que este considera um programa (digamos que social-democrata) "inadiável": "pôr no centro da batalha política (…): criar emprego, apoiar os desempregados, as pessoas e empresas sufocadas por dívidas, redistribuir o rendimento com justiça, valorizar o trabalho, garantir que a saúde, a educação e o acesso à justiça são direitos respeitados" — implicando "pôr freio na austeridade e reestruturar a dívida". E, quando o José Maria diz que "as tensões que o euro alimenta inviabilizam os consensos que seriam necessárias para resolver as tenções do próprio euro. A cada acrescento que é feito ao edifício, alargam-se as rachas nas paredes. O edifício não é também transformável por uma acumulação de vitórias políticas país a país quando cada vitória enfrenta a parede e se transforma em derrota que prejudica a emergência de alternativas noutros países. Este euro é insustentável, ou temporariamente sustentável num quadro disciplinar incompatível com a democracia", o que devemos concluir não é, como ele faz, que "não se enxerga a possibilidade de o substituir por outro", mas sim, como eu próprio sugeri há pouco tempo ainda, que, "sem a emergência na base, por parte dos trabalhadores e cidadãos comuns económica e politicamente precarizados, de movimentos, autonomamente organizados, portadores de reivindicações de democratização radical, será impossível impor à economia política governante limitações 'constitucionais' que evitem o pior". Ou seja, ressuscitar a "união nacional", ainda que, como o João Rodrigues, se lhe chame "povo unido", contra "os alemães", ou, mais geralmente, reforçar o Estado-nação fazendo-o passar por condição necessária — e não mecanismo de esconjuro — desse exercício do poder por iguais e entre iguais que, só ele, merece o nome de democracia.  Tal é, com efeito, uma mistificação ideológica mosntruosa que apresenta como libertação popular o regime de opressão totalitária que nasceria fatalmente da unificação política das esquerdas nacionalistas com os partidos ou movimentos do tipo Front national ou de Beppe Grillo.


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