Slavoj Žižek, no artigo de opinião divulgado pelo Ricardo Noronha, apresenta uma interpretação que me parece certeira do que tem acontecido na União Europeia nos últimos meses, em particular, em torno da situação na Grécia. No entanto, abstém-se largamente de reflectir sobre os possíveis caminhos à nossa frente.
O futuro é sempre resultado da trajectória passada, e das condições no presente. Sob este perspectiva, que vemos? Uma cada vez maior instabilidade sócio-económica, que tem como resultado principal o esboroar, quando não o colapso, da configuração de organização social designada por Estado. Como em muitas outras épocas históricas, a desintegração da organização social dominante acontece primeiro na periferia territorial, sendo acompanhada por uma retracção na abrangência e capacidade de controlo no centro. O colapso dos Estados previamente instalados nos territórios periféricos origina inevitavelmente conflitos, que podem envolver a violência extrema, como aqueles que ocorrem hoje no Médio Oriente e na maior parte da África. Mas também na Europa, onde a violência faz o seu caminho, na acção e no discurso, na periferia a sul, que vai da Ucrânia a Portugal. Enquanto isso, nos centros de Poder, tenta-se freneticamente fazer qualquer coisa. Aplicando-se quantas vezes forem necessárias receitas que se sabe não funcionarem. Na norte da Europa, na China, no Japão, nos EUA. Fazem-no porque sentem o tapete a fugir-lhes debaixo dos pés. Fazem-no também porque sabem que é a crença que sustém o modo como nos organizamos, sendo por isso essencial ao Poder demonstrar que crê, que sabe o que tem de fazer para sustentar a esperança de que amanhã vai ser melhor do que hoje.
A origem da crise é simples, óbvia, conhecida há quase 150 anos: a capacidade de reprodução crescente do Capital está em queda acentuada. Existem obviamente flutuações locais, mas o Capital em geral, que saiu maioritariamente dos centros de Poder e potenciou a globalização económica para obstar à queda das suas taxas de rentabilidade dentro das suas fronteiras iniciais, está a encontrar cada vez mais dificuldade em reproduzir-se e crescer. Tal deve-se ao cada vez menor retorno resultante quer da exploração de recursos humanos (já não existe uma reserva de "mão-de-obra" barata e disciplinada, como o foi em tempos a população chinesa e de países adjacentes) quer materiais (ex. o retorno energético por unidade de energia investida é cada vez menor). Nesta situação, o Capital apenas pode tentar aumentar a exploração dos recursos humanos à sua disposição, impondo um regime político-social cada vez mais autocrático, na vã tentativa de controlo da instabilidade social gerada pelas suas acções. Ao mesmo tempo, nos locais onde ainda é, para já, admitida a discordância em público, tenta, de modo cada vez mais histriónico (através dos tolos que acreditam e daqueles cuja crença é confortavelmente suportada pelos recursos que lhes são disponibilizados), condicionar a discussão pública das acções dos gestores do Capital. Eles sabem que o condicionamento da população é essencial para a manutenção do sistema. O seu comportamento tem de ser manipulado, as crenças apropriadas têm de prevalecer. Na Europa, talvez mais do que em qualquer outro lado, julgam ter encontrado no conceito de dívida o instrumento ideal para as suas intenções. Tem resultado, por agora.
A situação na Grécia é apenas um prelúdio. Não se vai resolver, independentemente do que se tente fazer. Não é possível ao sistema capitalista oferecer mais o "sonho social-democrata" prevalecente nos anos 60 do século passado nos territórios no centro do sistema. Bem que os gestores do Capitalismo o gostariam de fazer. Seria sinal de que tinham conseguido voltar a ter as taxas de rentabilidade do Capital então gozadas, num ambiente de (relativa) estabilidade social. Talvez não tão elevadas como em alguns momentos posteriores, mas de certeza mais do que julgam poder obter nos tempos que se avizinham. Infelizmente, poucos de entre aquele que se opõem ao sistema capitalista parecem disto conscientes. Em consequência, defendem o impossível, e julgam-se capazes, pasme-se, de salvar o sistema capitalista de si próprio, para mais tarde, eventualmente, o reformar ou mesmo substituir de forma "mais ordeira".
Foi admirável o modo como muito gregos decidiram rebelar-se contra as imposições dos gestores do Capital, no referendo de há pouco mais de uma semana. Teve como consequência principal clarificar, e talvez acelerar, o processo de desagregação em curso. Mas, infelizmente, poucas consequências terá na vida concreta da maior parte daqueles que habitam na Grécia. Independentemente do que o actual governo do Estado grego faça. A interiorização deste aspecto é fundamental para a construção de respostas ao que se perspectiva no horizonte, para todos. Não será através do governo do Estado, um sistema de organização social moribundo e construído para ajudar na concentração do Poder, que será possível construir um futuro diferente daquele para onde nos empurra um sistema no seu estertor final.
13/07/15
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