13/07/15

O que o episódio grego põe à vista


Para romper o círculo vicioso dos nacionalismos cúmplices e rivais, que assolam a Europa, seria necessário que a UE se decidisse a avançar para a integração, acompanhando-a de medidas audaciosas, digamos que de tipo social-democrata, que reconciliassem os eleitores com a UE, passando a ver nela um horizonte de “prosperidade” em vez de um sinónimo de austeritarismo para uns e de punções fiscais para outros. Não vejo que as forças políticas que poderiam fazê-lo tenham determinação para tanto e, quanto à pressão que a esquerda poderia fazer sobre elas, incitando-as a reformar o sistema para evitar rupturas “revolucionárias”, estamos conversados: a “esquerda da esquerda” está minada pelo nacionalismo e o soberanismo, um anti-europeísmo incondicional e uma espécie de terceiro-mundismo reciclado, que a tornam com frequência bem mais reaccionária do que os tecnocratas esclarecidos, eao mesmo tempo que cúmplice da extrema-direita à la mode du Front national. Até quando? Não sabemos. O que deveríamos saber é que, sem a emergência na base, por parte dos trabalhadores e cidadãos comuns económica e politicamente precarizados, de movimentos, autonomamente organizados, portadores de reivindicações de democratização radical, será impossível impor à economia política governante limitações "constitucionais" que evitem o pior — esse, sim, que o episódio grego põe à vista, excepto dos piores cegos, confirma-se que de momento cada vez mais numerosos, para os quais vale tudo, a começar por arrancarem os olhos dos outros, para continuarem a não ver.

2 comentários:

João Bernardo disse...

Miguel,
Tem-se falado muito do sucedido na Grécia, parece-me conveniente falar do que não sucedeu. Não tem havido ocupações de empresas. E como poderia havê-las? Tanto em casos isolados, como o da Lip, quanto em experiências generalizadas, como em Portugal em 1975, os trabalhadores ocuparam empresas que dispunham de stocks e recorreram ao mercado para colocar os produtos ou serviços, eventualmente introduzindo nesse mercado factores de solidariedade que começaram a dar-lhe outras características. Na Grécia actual, porém, se os trabalhadores ocuparem as empresas estarão a ocupar estabelecimentos depauperados e com um mínimo de stocks; e como recorrer a um mercado de solidariedade, ou mesmo sem solidariedade, com o dinheiro a sair a conta-gotas? Esta situação negativa, esta ausência de movimentos de autonomia económica na base da sociedade, parece-me confirmar duas coisas: 1) a falência do mito anarquista, retomado agora por muitos ecologistas, do regresso a uma pequena produção e da eliminação do dinheiro; 2) a falência do mito esquerdista de que a crise económica favoreceria os movimentos revolucionários. Era sobre isto que deviam reflectir os esquerdistas que andaram ontem por aí aos pinotes entusiasmados com o referendo grego e andam hoje aos pinotes a anunciar como novidades as noções arcaicas de soberania nacional e de autarcia económica.

Justiniano disse...

Caríssimo MSP, apenas para o secundar e enaltecer a sua leitura que tem tanto de desapaixonado como, e talvez por isso ou precisamente por isso, de assombroso nestes tempos que por nós passam. E muitíssimo bem apontado, a pulsão terceiro mundista, reciclada!!