29/07/15
Tempo de Avançar sem Vergonha na Cara?
por
Miguel Serras Pereira
Que Boaventura Sousa Santos, autor de declarações como as que escreveu (ver aqui e aqui) por ocasião do atentado contra o Charlie Hebdo, não tenha vergonha na cara e se assuma agora disponível para apoiar o Livre/Tempo de Avançar, como tem apoiado também o bolivarismo venezuelano ou o "desenvolvimentismo" de Lula/Dilma, não é motivo de surpresa. O que espanta é que o Livre/Tempo de Avançar, que aparentava de início ser, apesar de tudo, uma frente da esquerda social-democrata, europeísta e civilizada, racionalista e laica, não tenha — movido por cálculos eleitoralistas aventurosos? — vergonha de fazer do desavergonhado-mor do Observatório da Justiça e régulo-mor de Coimbra seu mandatário no circulo eleitoral de Coimbra.
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6 comentários:
Miguel,
A minha análise sobre o Livre é um pouco esta. Encontro uma incongruência muito forte no facto de o Livre ser europeísta e de a sua aliança com o Tempo de Avançar incluir vários e destacados defensores de uma saída do euro. Ora, isto não se entende. Então na questão mais estratégica das próximas décadas - o destino da construção europeia - eles acham mesmo que é indiferente partilharem listas com defensores de propostas políticas antagónicas? É que não se trata de discutir se se quer uma UE mais assim ou mais assado, com uma arquitectura X em vez da Y. É um confronto político entre os que defendem a existência de uma união política e económica europeia e os que defendem o FIM de qualquer tipo de integração europeia. Do meu ponto de vista, esta amálgama é incompreensível.
Entretanto, recomendo a leitura do texto de Marisa Filipe contra a saída do euro: https://oirrevogavelblog.wordpress.com/2015/07/25/bem-vindos-a-1993-ou-a-utopia-da-saida-do-euro/
O texto foca-se apenas num ponto mas é sobre um ponto concreto e que é importante para os empresários. Pelo menos essa é a minha interpretação do texto. Ou seja, tem o senso comum empírico dos empresários de não quererem a pior via. Pelo contrário, os economistas académicos, porque felizmente ninguém os chama para gerir nada, dedicam-se a brincar aos terceiro-mundismos.
Para terminar, e para fazer a ponte com a questão mais geral do euro e da construção europeia, quem diria que iríamos viver num tempo em que há mais bom senso e racionalidade nos capitalistas e nos empreendedores do que na maioria da esquerda dita radical, revolucionária, etc... Que miséria...
Abraço
Miguel, permite-me que te diga que tom geral do teu post está para lá de desagradável e em nada contribui para que o leitor perceba exactamente o que te distancia de Boaventura de Sousa Santos («régulo de Coimbra»?) no plano político, apesar de ser certamente muito. De resto, há coisas bem mais insólitas no Tempo de Avançar do que o apoio de Boaventura de Sousa Santos.
João, a sério? É que, não sendo certamente mentira que abundam pessoas que se consideram de esquerda radical a escrever os maiores disparates sobre o tema da saída do euro (e quem diz radical diz as outras todas), este texto que citas é apenas mais um exemplo das ideias confusas que preenchem os "meios empresariais portugueses". Como alguém se dá ao trabalho de questionar na caixa de comentários, sair do euro não é o mesmo que sair da UE, nem é seguro que uma coisa resulte na outra. Sendo que o artigo se afasta resolutamente dos problemas propriamente monetários e financeiros, para se dedicar a problemas de comércio internacional, não ficamos muito esclarecidos sobre o que seria esse "regresso a 1993". Trata-se na verdade de uma defesa do mercado comum a 29, não da moeda comum a 18. Ora, nem o PCP nem ninguém tem defendido publicamente a saída da UE. O principal argumento a favor da soberania monetária tem aliás sido o de que permitiria aproveitar mais favoravelmente as possibilidades do mercado comum em termos do equilíbrio da balança comercial (moeda desvalorizada = a + exportações e - importações).
Ricardo, o ser "desagradável" do post é propositado e assumido, mas fica, apesar de tudo aquém, do teor desagradável do seu objecto. Nos links que forneço, por outro lado, está documentada uma pequena, mas reveladora parte das posições políticas, ao mesmo tempo servis e fátuas, de BSS que um mínimo de decência democrática nos impõe o dever de recusar.
O João (Valente Aguiar) responder-te-á o que entender sobre o que escreveu, comentando o meu post. Mas, acerca do teu comentário ao comentário dele, uma vez que dizes que nem o PCO nem ninguém tem defendido a saída da UE, ocorre-me perguntar-te se tens lido o que o João Rodrigues e o Jorge Bateira, nos Ladrões de Bicicletas e noutros lugares, têm escrito sobre o assunto — no caso do primeiro ( http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2015/07/e-o-povo-unido-pa.html )referindo explicitamente o exemplo do PCP? Por fim, não sei como podes pôr em dúvida que toda a concepção "geoestratégica" de fundo do PCP visa o desmantelamento da UE, ainda que através de passos e etapas cuja formulação e clareza conhece graus variáveis ao sabor da conjuntura.
miguel(sp)
O texto que citas não defende a saída da UE, mas da zona euro, mesmo se refere indistintamente a 'natureza imperialmente neoliberal da integração europeia que nos conduziu até aqui' (sendo que atribuir-lhe essa natureza não é necessariamente defender o seu abandono). E quanto à concepção geoestratégica de fundo do PCP, penso conhecê-la suficientemente bem para considerar que nela cabe tudo e o seu contrário, consoante a evolução do contexto e a avaliação que dele faz a cúpula. Mas aproveito para dizer que penso sobre a UE algo semelhante ao que penso sobre a cidadania: não me parece que seja o sítio onde a história acaba e o mar começa. Sobre o Boaventura de Sousa Santos, pois.
Ricardo, mais coisa ou menos coisa, chame-se-lhe como quiser, a UE, depois da desintegração da ZE, não poderia subsistir a não ser como sigla. Agora, quanto à UE, o que eu defendo não é a sua arquitectura actual, menos ainda a sua direcção buro-tecnocrática, as suas políticas oligárquicas, etc. etc. Mas sustento que a sua desagregação em benefício do soberanismo e das independências nacionais criaria uma situação em que as conquistas seculares já fragilizadas e precarizadas dos trabalhadores e cidadãos comuns seriam as primeiras coisas a ser sacrificadas, ao mesmo tempo que um fascismo do século XXI seria uma ameaça efectiva e agravada. Ou seja, trata-se aqui das condições daquilo a que tenho chamado a luta pela cidadania governante, que decerto não se confunde com o regime da UE. E essa cidadania, já agora, para mim, no é o fim da navegação, mas a arte ou a política que nos tornaria possível navegar deliberando e decidindo entre iguais da nossa rota.
miguel (sp)
O PCP defende abertamente o desmantelamento da UEM. Não sei o que é preciso para se perceber que isso representaria o fim da UE. E não seria um "fim" pela esquerda... Mas como hoje se chama esquerda a uma série de agrupamentos que defendem teses fundamentais da extrema-direita, se calhar há quem realmente ache que uma Europa vestfalliana seria uma configuração política e económica de esquerda...
Sobre os empresários e a esquerda. Uma grande parte dos pequenos e médios empresários portugueses inserem-se em sectores com baixa componente tecnológica e com baixos salários e baixas qualificações. Aliás, pagando muito abaixo das grandes empresas e das multinacionais, e com índices de produtividade baixíssimos. Este universo da mais-valia absoluta é parte central dos elementos dos "portugueses honrados" com que a esquerda quer reconstruir o Portugal soberano, etc e tal.
Ora, a discussão de uma saída do euro evidencia isso mesmo: a reprodução e ampliação dos mecanismos da mais-valia absoluta. Se é isso que uma saída do euro acarreta, então a esquerda é inquestionavelmente mais retrógrada do que os sectores capitalistas que pagam melhores salários e com elevada componente tecnológica nos seus produtos. Se assim é, não são os capitalistas que estão a falhar - estão a actuar como lhes compete - mas a esquerda.
A propósito disto vale a pena consultar-se a seguinte notícia: http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/exportacoes-de-alta-tecnologia-subiram-53-esta-decada-1702446?page=1
Isto demonstra que o problema da economia portuguesa é a sua estrutura produtiva de base e não a questão monetária per si. Pelo contrário, o euro potencia a exportação de bens e serviços tecnologicamente avançados e não a quinquilharia que o escudo iria potenciar. Mas o que é a esquerda que se diz revolucionária, radical (ou o que quer que se auto-intitule) senão um conjunto de quinquilharia ideológica obsoleta que raciocina como se o desenvolvimentismo latino-americano dos anos 30 (que é na realidade o que a maioria da esquerda nacionalista defende) fosse um modelo de desenvolvimento adequado? Ainda por cima no quadro de um mundo transnacionalizado... E assim se percebe como grande parte da esquerda das margens acaba por unificar o nacionalismo às teorias do decrescimento, do "regresso à Natureza", da frugalidade, do anti-consumismo, etc.
É neste plano entre dois modelos de capitalismo que a discussão da esquerda em torno do euro tem incidido. Ou a integração comercial, financeira e política no espaço europeu - única forma de eventual e finalmente expandir mecanismos da mais-valia relativa na economia portuguesa. (Em jeito de parentesis, é bom lembrar que as principais e, até hoje, últimas lutas sociais autónomas ocorreram em locais de trabalho inseridos em processos produtivos que eram então da mais-valia relativa). Ou o aprofundamento da mais-valia absoluta, já que uma saída do euro iria implicar um aumento do custo das importações. E aí das duas uma, ou se iria cortar nas importações de combustíveis, alimentos, medicamentos, matérias-primas e maquinaria (tudo coisas sem importância) e aí sem esses elementos (muitos deles dificilmente substituíveis mesmo a médio prazo), a estrutura económica portuguesa acabaria de vez com aqueles sectores tecnologicamente avançados que ainda existem por cá, concentrando o resto nos sectores com baixa produtividade. Se se continuasse a importar aqueles elementos do exterior, com a mudança cambial, os custos iriam crescer de tal forma que a única forma seria comprimir os salários. Nos dois cenários, a coisa seria péssima. Mas não será isso que grande parte da esquerda quer?
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