14/07/15

O FMI contra Schäuble (actualizado)


Entretanto, o relatório secreto do FMI sobre a imperiosa necessidade de reestruturar a dívida grega está a ser visto como uma condição para o Fundo apoiar o terceiro resgate grego. De acordo com o New York Times, o Fundo Monetário Internacional propôs aos credores europeus que ponderem um alívio significativo da dívida grega durante a maratona de negociações que decorreu este fim de semana. O FMI defende um perdão parcial (“write off”) da dívida de Atenas ou pelo menos a carência de reembolsos por 30 anos. No entanto, uma fonte anónima citada pelo jornal, revela que os responsáveis europeus recusaram a proposta do FMI para aliviar a dívida.

Também o jornal britânico Telegraph diz que o relatório entregue pelo FMI representa um sério aviso aos líderes europeus de que o Fundo não vai entrar no novo resgate grego, caso a Alemanha e os credores institucionais europeus continuem a recusar uma reestruturação substancial da dívida grega que irá ultrapassar os 200% do PIB nos próximos dois anos


Actualização (15.07.2015):


Entretanto, Schäuble e a sua facção parecem persistir em querer empurrar, por meio de um conselho de amigo de Peniche (os ious), a Grécia para fora da ZE. O tiro pode sair-lhes pela culatra e estreitar-lhes a base de apoio e o campo de acção. A ver vamos. Para já,

o Ministério das Finanças alemão indicou esta manhã que deu uma sugestão que permitiria, pelo menos, diminuir o montante que o fundo da UE vai emprestar à Grécia (7 mil milhões): o recurso pela Grécia a notas de crédito, conhecidas pela sigla anglo-saxónica IOU.

Garantindo que esta medida não equivaleria a um mini-Grexit, o Ministério de Wolfgang Schäuble explicou que a emissão de notas de crédito poderia ser uma forma de garantir parte das necessidades de financiamento da Grécia até meados de agosto. O receio de alguns especialistas é que, a partir do momento em que essas notas de crédito fossem emitidas (para suportar pagamentos internos, por exemplo, como salários e pensões), passariam a funcionar quase como uma moeda alternativa. E, aí, a saída do euro poderia ficar muito mais próxima.

Aparentemente, a resposta da Comissão Europeia já foi encontrada, ainda que Schäuble e os seus aliados possam atrasar o processo para aumentarem as chances de o governo grego se ver tentado pelo desespero a seguir a sua recomendação. No final da notícia infra, novo episódio de vaudeville: Cameron apoia a reestruturação da dívida da Grécia, apesar de, ao mesmo tempo e até ao momento, a posição do governo britânico ser a recusa de participar no financiamento.

A Comissão Europeia propôs que o financiamento ponte, a ser entregue à Grécia já durante o próximo mês, seja de 7 mil milhões de euros. Atenas precisa urgentemente de liquidez para fazer face aos compromissos, que incluem pagamentos aos credores – só ao FMI o governo de Tsipras já está a dever duas tranches, que deviam ter sido pagas no final de Junho e na passada segunda-feira, dia 13 de Julho.

Num documento a que a agência Reuters teve acesso, a Comissão propõe que o dinheiro venha do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, algo a que a Grã-Bretanha se tem oposto veementemente. Aliás, ainda esta terça-feira, durante uma reunião dos ministros das finanças da União Europeia, George Osborne afirmou que não estaria disponível para libertar a verba ao abrigo do Fundo.  Em 2001, David Cameron conseguiu que os líderes europeus assumissem o compromisso de não utilizar este mecanismo para resgates europeus.

No entanto, o dierito comunitário nota que o compromisso foi apenas político e, como tal, é possível quebrá-lo tendo em conta a urgência da situação. A Grécia tem que pagar ao BCE mais de três mil milhões de euros no dia 20 de Julho, e o resgate que actualmente está em cima da mesa não deverá ser aplicado até Setembro, daí a necessidade deste financiamento ponte.

A proposta da Comissão Europeia chega no mesmo dia em que Tsipras tenta legislar no parlamento grego as seis medidas prioritárias do programa de austeridade acordado com os credores, sob fortes protestos. Os bancos gregos mantêm-se fechados por ordem do ministério das Finanças helénico, que afirmou que as instituições deverão abrir portas amanhã, dia 16 de Julho. Os bancos gregos estão fechados praticamente há três semanas, e os levantamentos de dinheiro estão bloqueados a 60 euros diários por pessoa.

Entretanto, em Londres, David Cameron defendeu publicamente um perdão da dívida grega. O primeiro-ministro inglês disse concordar com o Fundo Monetário Internacional - que defende uma reestruturação sgnificativa da dívida grega, por considerá-la impagável.

"O princípio de que deve haver um alívio da dívida está correcto. É do interesse do Reino Unido, no âmbito da União Europa, que se perceba como é que isto pode ser feito. É preciso resolver esta questão, e muito rapidamente", afirmou o responsável ao final desta manhã, em conferência de imprensa.







5 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Ou a fricção entre os tecnocratas europeístas e os tecnocratas conservadores. O Financial Times noticiou ontem que Schauble teria gritado e insultado Mario Draghi na reunião de domingo passado. A ser verdade, tal facto representaria a personificação desses confrontos entre alas distintas dos capitalistas.

Entretanto, a esquerda nacionalista espreita a ver se também consegue subir ao altar... Se isso acontecesse, tirando considerações ideológicas e históricas, talvez se dessem conta que, na questão europeia, bem que podiam agradecer ao Schauble (e às irresponsabilidades do Tsipras) a oportunidade de subirem ao altar da tecnocracia. Depois poderiam guerrear-se à vontade nessa Europa das nações livres e independentes e dos povos que mandariam trucidar, à boa maneira dos tecnocratas dos 3 campos políticos da década de 30...

Abraços

joão viegas disse...

Ola,

Bom, vocês têm obviamente seguido isto mais de perto, mas a ideia não era a Europa (Alemanha + parceiros) pagar à Grécia por forma a esta poder pagar ao FMI ? Quanto à atitude do FMI, acho que é compreensivel. Eles dizem, com alguma razão : nos não estamos aqui para isto, ja temos problemas que cheguem. A falência da California e as dificuldades da Sicilia são problemas internos.

O grande problema é que os conservadores alemães (e não so alemães) não querem assumir de maneira nenhuma que a Grécia seja um problema Europeu, e alias nem sequer estão dispostos a deixar a Comissão (ou seja os tecnocratas europeus) tratar do assunto. Por esta razão apenas, tanto quanto julgo perceber, é que o FMI aparece na fotografia.

Estamos a deixar a arvore (o heroico combate cheguevaresco do trabalhador grego contra o sordido tecnocrata europeu) esconder a floresta (o facto de os mais conservadores dos europeus liberais acharem que ja não precisam da Europa para nada, pois ja sugaram o que havia para sugar nos paises do sul, e preferem agora virar-se para outros horizontes onde acreditam que têm mais hipoteses de fazer dinheiro).

Os nossos amigos mais anti-austeritarios que me desculpem por vir aqui com este discurso castrador tecnocratico-desmancha-prazeres, mas sinto que alguém tem que chamar a atenção para o facto de a realidade poder não coincidir completamente com o que aparece na televisão.

E agora podem cair-me em cima.

Abraços valentes

Miguel Serras Pereira disse...

Ora vivam.

Noutro passo da correspondência já ontem referida pelo João Valente Aguiar (cf. http://viasfacto.blogspot.pt/2015/07/o-fundo-sem-poco-proposta-de-saida-do.html ), o João Bernardo sintetiza muito bem o que está em jogo no conflito entre os tecnocratas. Diz ele:
“Quando a oposição ao Schäuble e, presumo, ao Bundesbank começa a incluir de forma sistemática o FMI e o BCE, acho que já é forte demais 1) para que o Schäuble tenha força para resistir e 2) para que a coisa se restrinja à questão grega. Talvez a federalização, junta a uma política de investimentos e desenvolvimento sem a qual ela não pode avançar, comece agora a adquirir massa crítica”. Ora, se assim for — dado, por exemplo, o obstáculo maior que, entre outros, a posição para já inamovível a Grã-Bretanha constitui para a integração federal — esta terá decerto de firmar-se e afirmar-se na ZE. E, como diz também o João Bernardo, “o que irá suceder daqui em diante será, penso eu, uma federalização da zona euro, que terá anexa uma periferia de países regendo-se por normas diversas e variadas, desde a Hungria a contruir muralhas da China até ao Reino Unido a excluir-se das normas relativas ao emprego e outras. Agora, quanto à Grécia, para que não saia ou não seja posta fora, será necessário não só reestruturar a dívida de uma maneira que corresponda a um efectivo e considerável haircut, mas ainda investir naquele país fundos comuns para suscitar o desenvolvimento, e isto a curto prazo”. Acrescento ainda que a mesma política de investimentos e desenvolvimento, modulada segundo as regiões, teria de ser prosseguida em toda a ZE, tanto mais que não há outra maneira de cortar o combustível aos nacionalismos que se opõem às transferências de soberania (cf. http://viasfacto.blogspot.pt/2015/07/o-que-o-episodio-grego-poe-vista.html ).

msp

João Bernardo disse...

Miguel,
Duas coisas realmente importantes ocorreram simultaneamente. A primeira é que mais de metade do comité central do Syriza se pronunciou contra o acordo:
More than half of the governing left-wing Syriza party's central committee has signed a statement slamming the agreement Greece reached with its European creditors earlier this week, describing it as a coup against their nation by European leaders. The statement, signed by 109 of the committee's 201 members, says the agreement was "the result of threats of immediate financial strangulation" and is a new bailout with "humiliating terms of supervision, destructive for our country and its people." Associated Press)
A segunda é que o porta-voz do Schäuble insiste em que o governo grego emita provisoriamente IOUs, ou seja, vouchers ou senhas para pagamentos pelo Estado e com aval oficial, o que significa na prática a criação de uma moeda paralela:
The German government is arguing that one possible way to help Greece meet its financial obligations in coming days, before a full bailout program is established, is for the country to issue IOUs for domestic needs. Finance Ministry spokesman Martin Jaeger said Wednesday that "we have included this element in the discussion" among eurozone nations on how to keep Greece afloat while talks proceed on the details of a full bailout deal. The talks are expected to last weeks. Jaeger says that IOUs are just one of "various conceivable approaches." (Associated Press)
De um lado e do outro, operam nacionalismos de sinal contrário mas convergentes.

Paulo Marques disse...

Portanto, o primeiro ministro de um país que vai fazer um referendo para sair da UE é a favor de resolver um problema da UE desde que não lhe custe nada.
Epá, e tar caladinho por uma vez, não?