10/07/15

Grécia cede?

Se estas primeiras notícias sobre a proposta grega corresponderem à realidade, o Miguel Serras Pereira terá razão - o referendo de domingo passado terá sido absurdo.

18 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Miguel, infelizmente, assim parece ser. Talvez o governo grego possa sustentar que, apesar de tudo e ainda que em termos vagos, forçou o reconhecimento por parte dos seus parceiros da insustentabilidade da dívida. Mas, em primeiro lugar, segundo Juncker, que o afirmou ao recomendar o Sim aos gregos, estava já em cima da mesa, nas negociações antes do referendo, a promessa de que a questão da dívida seria abordada no próximo outono, depois do acordo aprovado. Em segundo lugar, há na ala dura do austeritarismo quem, como Schäuble, admita que só uma reestruturação poderia resolver o problema da Grécia, mas a declare impossível nos termos dos tratados em vigor — o que significa que há quem queira obrigar a Grécia a sair da zona euro, a fim de blindar e estabilizar as relações de poder entre governos actualmente vigentes na UE. A questão da reestruturação da dívida será de agora em diante o essencial para o governo grego e no modo como vier a ser tratada estará em jogo tanto a situação da Grécia como, em grande medida, o futuro da UE.

Abrç

miguel(sp)

José Guinote disse...

As noticias são aterradoras e representarão, a menos de uma qualquer explicação fantasiosa, uma capitulação sem garantias, sendo certo que as capitulações não são, normalmente, garantidas. A questão do corte da dívida, que muitos passaram a defender na UE - um dos méritos deste processo - é recusada pelos alemães e não existem certezas de que vai ser aceite.
Por isso mais vale esperar por uma informação clara sobre o (des)acordo e voltar, entretanto, ao discurso de Tsipras no Parlamento Europeu. https://observatoriogrecia.wordpress.com/2015/07/09/tsipras-no-parlamento-europeu/

Anónimo disse...

Um texto muito polémico de Alain Badiou saiu ontem no Libé. Defende o " défault" para a divida grega e, com mais ou menos audácia,apela a um grande e transnacional movimento popular." Que o Syriza averbe sucessos na Grécia, mesmo provisórios, faz parte do que eu apelidei de " despertar da História ". Isso só pode ajudar o " Podemos, " e tudo o que se seguirá,sucessivamente e noutros lugares sobre as ruinas da democracia parlamentar clássica ". E sobre a linha actual estratégica principal do Syrisa diz: " Decidiu há cinco meses iniciar negociações com a U.E., em primeiro lugar. Quiz ganhar tempo. Quiz dizer que fez tudo para chegar a um acordo. Eu preferia que tivesse começado de outra maneira: por um apelo imediato a uma massiva e prolongada mobilização popular envolvendo milhões de pessoas em torno da palavra de ordem central da total abolição da divida. E também por uma luta intensa contra os especuladores, a corrupção, os ricos que não pagam impostos, a Igreja ". Salut! N.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,

se houver acordo nos termos que agora se prevêem, importante é o que se vai passar na luta de bastidores entre gestores e tecnocratas federalistas e conservadores. E será em torno da reestruturação da dívida que, em boa parte, se decidirá se a Grécia poderá permanecer na zona euro ou acabará por ser empurrada pra fora dela. Estranha identidade de objectivos — a Grécia fora da UE — a que se desenha assim entre a esquerda anti-europeísta grega e europeia e o bloco mais reaccionário dos tecnocratas, apegado a uma concepção da UE como concerto de Estados-nação liderado pelos Estados mais ricos e hostil à perspectiva de uma integração orçamental, fiscal e política pós-nacional.

Abraço

miguel(sp)

Pedro Viana disse...

Olá,

Não me parece verdade que a mais recente proposta grega seja igual à última submetida pela troika. Em primeiro lugar, há que lembrar que antes da convocação do referendo, as posições em confronto já estavam muito próximas. Quais eram:

a troika queria mais cortes nas pensões, uma maior subida do IVA, e cortar os descontos para as ilhas;

o governo grego queria subir mais o IRC, os impostos sobre os mais ricos e uma re-estruturação da dívida (talvez o ponto mais importante: foi dito repetidamente que mais austeridade até seria aceitável no curto prazo se houvesse um horizonte credível de libertação do fardo da dívida no imediato).

Pelo que li, nesta mais recente proposta do governo grego faz-se meio caminho entre as posições pré-referendo: apesar de não saber grandes detalhes sobre propostas sobre pensões e IVA, por exemplo no caso das ilhas gregas, a proposta actual fala apenas em cortar os descontos para a silvas mais ricas; por outro lado, a proposta de aumento do IRC é igual à anteriormente proposta pelo governo grego, mas aparentemente deixa cair os fortes aumentos de imposto sobre os mais ricos; ainda, e mais crucial, consegue um novo "bail-out", que efectivamente corresponde a uma re-estruturação da dívida no curto prazo (que neutraliza a exigência de surplus primários crescentes), pois será utilizado durante 2/3 anos para pagar esta, sendo a sua devolução estendida ao longo de décadas.

Para além da proposta em si, há que ter em atenção que neste momento é o governo grego que tem a iniciativa, o que se reflecte por exemplo numa muito maior pressão para a revisão dos prazos e juros da dívida, que a ter lugar efetivamente corresponde a um perdão parcial desta. Genericamente, relativamente a negociações futuras, faz uma enorme diferença em que situação esta negociação é fechada. Neste momento, é a EU que se vê sobre pressão para aceitar o acordo em cima da mesa. Se não aceitar, o que duvido, (quase) toda a culpa recairia sobre esta. Antes do referendo grego, foi o governo grego que foi colocado perante um ultimato, o qual sendo aceite enfraqueceria substancialmente a capacidade do governo grego em futuras negociações. Se este sobrevivesse! Porque uma das razões mais importantes para o referendo foi exactamente a procura de legitimidade interna suficiente para assinar mais um acordo de austeridade. Lembrem-se que o Syriza teve pouco mais de 30% de votos nas eleições. Agora pode exibir, para efeitos internos e externos, 61% de apoio...

Na política a percepção é tão ou mais importante (em particular em situações de instabilidade social) que as medidas que se defende ou implementa.

abraços,

Pedro

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Pedro,

o acordo proposto pelo governo grego representa mais cortes — 12 ou 13 milhões suplementares. O alívio da dívida não está garantido e, muito menos, o seu alcance e proporções. E, por outro lado, segundo Juncker, a promessa de abordar o problema já estava em cima da mess quando Varoufakis interrompeu as negociações, antes do referendo. E, em todo o caso, como escrevi acima: "há na ala dura do austeritarismo quem, como Schäuble, admita que só uma reestruturação poderia resolver o problema da Grécia, mas a declare impossível nos termos dos tratados em vigor — o que significa que há quem queira obrigar a Grécia a sair da zona euro, a fim de blindar e estabilizar as relações de poder entre governos actualmente vigentes na UE. A questão da reestruturação da dívida será de agora em diante o essencial para o governo grego e no modo como vier a ser tratada estará em jogo tanto a situação da Grécia como, em grande medida, o futuro da UE".

Em suma, não vejo onde está a vitória do governo grego nem para que terá servido o referendo, senão para enfraquecer a sua posição nas negociações no plano europeu e tornar mais precária a situação do Syriza no plano interno.

Abraço

miguel(sp)

Anónimo disse...

Seguindo sempre com muito interesse os comentários do Miguel Madeira e do Miguel Serras Pereira, peço uma ajuda a perceber o que se passa.
Não pode Tsipras reclamar vitória, já que o que ele recusou era austeridade de 8 biliões por financiamento de 7,2 biliões e agora, com austeridade de 13 biliões obtém financiamento de 50 biliões por 3 anos.

Gajo de direita

Anónimo disse...

A última frase deve ser lida com um ponto de interrogação no fim.


Gajo de direita

Miguel Madeira disse...

Entretanto, a proposta grega que estava disponível no site do parlamento parece ter desaparecido.

http://www.hellenicparliament.gr/UserFiles/c8827c35-4399-4fbb-8ea6-aebdc768f4f7/9292390.pdf

José Guinote disse...

Algumas questões podem, já neste momento, considerar-se como claras. O pacote de austeridade - aquilo que se designa "por cortes" - passou de 8 para 12-13 biliões de euros. Este é um resultado em contraciclo com o que politicamente se passou nas duas últimas semanas. Torna incompreensível o referendo e sobretudo mostra que Tsipras transformou uma vitória numa derrota. Esses cortes invadem algumas das "linhas vermelhas" que Tsipras sempre estabeleceu. O caso da retirada dos apoios suplementares às pensões mais baixas ou o aumento mais rápido da idade da reforma são disso paradigmáticos. O que não está claro é se ao mesmo tempo que assina este acordo Tsipras garante um acordo de restruturação da dívida e um significativo "hair cut". Se não o conseguir - parece que Hollande é o seu principal aliado neste momento - sofrerá mais do que uma derrota uma humilhação.

Sérgio Pinto disse...

Bem, o que eu gostava mesmo de ouvir, seja do Miguel Serras Pereira / Joao Valente Aguiar, seja de apoiantes da proposta apresentada pelo SYRIZA, e' de que forma e' que isto abre um caminho para a recuperacao da Grecia.

O que ai' vem e' mais uma enorme dose de austeridade (nao ha' outra forma de descrever a combinacao dos cortes previstos, aumentos de impostos, aumentos de contribuicoes para as pensoes, e manutencao de enormes e crescentes superavites orcamentais). Isto e' precisamente o tipo de receita que falhou, na Grecia, durante os ultimos 5 anos, e contra a qual o SYRIZA fez campanha. Com isto, o SYRIZA apenas garante que se torna indistinguivel dos anteriores partidos no governo e suicida-se politicamente, entregando o campo anti-austeridade 'a Aurora Dourada. Bonito desenlace. E' dificil de discordar da opiniao expressa neste artigo: http://www.theguardian.com/business/2015/jul/10/tsipras-greek-economy-sabre-purpose

A saida do euro apos infindaveis negociacoes, em que se percebeu de forma absolutamente clara que os credores nao equacionam qualquer tipo de mudanca na sua abordagem 'a crise, apesar do obvio falhanco das receitas por si defendidas, tinha pelo menos o merito de oferecer uma possibilidade de recuperacao, apesar dos obvios riscos. Mas, enfim, os Krugmans dests mundo devem ser lunaticos nacionalistas, o que os leva a escrever coisas como "irst, much as the prospect of euro exit frightens everyone — me included — the troika is now effectively demanding that the policy regime of the past five years be continued indefinitely. Where is the hope in that? Maybe, just maybe, the willingness to leave will inspire a rethink, although probably not. But even so, devaluation couldn’t create that much more chaos than already exists, and would pave the way for eventual recovery, just as it has in many other times and places. Greece is not that different." (http://krugman.blogs.nytimes.com/grisis/)

Por muito que eu discorde de textos anteriores de Kouvelakis, desta vez parece dificil de afirmar que nao tem razao: https://www.jacobinmag.com/2015/07/tsipras-syriza-greece-euro-debt/

Miguel Serras Pereira disse...

Sérgio Pinto,
eu estou a anos-luz de pensar que o acordo que se anuncia abre caminho à recuperação da Grécia.
Saudações democráticas

msp

Paulo Marques disse...

É mais um chuto para a frente, a preparar a destruição caótica do euro na próxima bolha. Como é que anda a China mesmo hoje em dia? Hmmm, pois...

Sérgio Pinto disse...

Miguel Serras Pereira,

Fica entao rectificado o meu comentario inicial. Confesso, no entanto, que estou curioso relativamente ao que acha que sera/serao opcoes viaveis para o SYRIZA.

Concorda que, apos varios meses de supostas negociacoes em que o SYRIZA ja' cedeu imenso - e em que parece claro que nao so' nao houve cedencias comparaveis do outro lado, como parece haver uma vontade clara de arrastar a situacao ate' que o dia-a-dia na Grecia seja tao insuportavel que o governo caia - um programa nao austeritario para a Grecia, no contexto da Zona Euro, e' impossivel? Supondo que sim, que outra solucao sobra excepto a menos ma', de saida da Zona Euro?

Miguel Serras Pereira disse...

Sérgio Pinto,
receio que, sem que ocorram mudanças significativas na orientação da UE — quer devido à emergência de pressões da base (cidadãos comuns e trabalhadores, etc.), quer devido a um eventual retomar da inciativa e de objectivos "sociais" capazes de convencer os eleitores por parte das facções social-democratas e federalistas — o austeritarismo continue ao leme e seja impossível derrotá-lo (ainda que continuando a combatê-lo) num só país: para usar a linguagem de Tsipras, trata-se de um problema europeu que requer uma solução europeia. Não vejo, todavia, em que termos a saída da Grécia da Zona Euro, objectivo comum, ainda que por razões diferentes das esquerdas soberanistas e dos tecnocratas mais reaccionários e contrários ao aprofundamento político da UR, poderia minorar a austeridade e a degradação das condições de vida da grande maioria da população grega: a sua dependência em relação ao exterior manter-se-ia, o regime tenderia a militarizar-se e a policializar-se para combater o mercado negro e controlar as fronteiras, a escassez (para usar um eufemismo) agravar-se-ia, etc. etc. Trocar a integração na UE pela dependência dos BRICs, por exemplo, não poderia — a ser verosímil — senão, ainda que sob cores nacionalistas, deteriorar ainda mais as condições de vida na Grécia. Dito isto, reconheço que a alternativa europeísta de Tsipras parece cada vez mais ameaçada e poderá conduzir a um beco e à expulsão informal da Grécia do euro, com a colaboração dos nacionalistas locais, por parte das facções mais duras do austeritarismo na UE, que parecem apostadas em impor soluções que só podem deitar a perder a Europa.

Saudações democráticas

msp

Sérgio Pinto disse...

Miguel Serras Pereira,

Concordo genericamente com a maior parte do que escreve, naturalmente. No entanto, nao consigo vislumbrar de que forma e' que pode haver alteracoes na UE quando apenas um tipo de politicas e' aceite e quando a emergencia de uma possivel alternativa e' esmagada pela chantagem (e obvia desproporcao de forcas) dos restantes governos conservadores e/ou nacionalistas.

Neste momento, esta sequencia de eventos (ainda que improvavel) parece-me a unica capaz de produzir as alteracoes na UE a que voce se refere:

1) A Grecia sai do Euro (de preferencia de forma planeada). Depois de um primeiro ano caotico, a situacao melhora, algo que e' bastante plausivel dada a desvalorizacao cambial e o enorme excesso de capacidade existente (e, repito, o facto de a saida da ZE nao implicar nunca a saida da UE).

2) Enquanto a Grecia recupera, outros paises como Portugal, Italia, Espanha, etc., permanecem estagnados e com elevadas taxas de desemprego. O exemplo grego leva 'a eleicao de governos progressistas, permitindo pela primeira vez uma alteracao da correlacao de forcas e a consequente derrota do movimento austeritario.

3) Esta nova correlacao permite fazer avancar reformas na UE que a aproximem de uma maior integracao e que tornem possiveis a implementacao de programas de esquerda, mesmo no contexto da Zona Euro (ou do que dela sobrar nessa altura).

Miguel Madeira disse...

"(e, repito, o facto de a saida da ZE nao implicar nunca a saida da UE)."

Os tratados não são claros a esse respeito, mas a leitura dominante parece ser a de que implica - os tratados dizem que, com a exceção da Dinamarca e do Reino Unido, os outros países devem aderir ao euro (os países que "ainda" não aderiram - Polónia, Hungria, etc - oficialmente estão a preparar-se para aderir... um dia...), e deixar o euro seria uma violação mais aberta dos tratados do que simplesmente fingir que se está a preparar uma hipotética adesão futura. Dito isso, uma saída "temporária" (como a proposta pela Alemanha) talvez pudesse ser encaixada (ainda mais vindo a proposta de quem vem)

Miguel Serras Pereira disse...

Sérgio Pinto,
a sua ideia coincide em boa medida com certas opiniões de Paul Krugman. Mas parece-me mais engnhosa do que verosímil. O Miguel Madeira já respondeu — e bem, a meu ver — sobre a dificuldade da posição que você defende do "fora da zona euro, mas dentro da UE". Por outro lado, pensar que é a Europa que precisa de uma solução grega como a aventada, que representaria um reforço considerável da ala austeritarista mais dura e das forças centrífugas nos outros países membro e em toda a UE, e não a Grécia de uma solução europeia, parece-me, com sua desculpa e desculpa também de Krugman, uma ingenuidade. A esse propósito, a perspectiva reformista crítica de Piketty parece-me mais consistente, ao levar em conta as condições políticas da mudança de política económica na UE.
Saudações democráticas

msp