31/05/10

There is no such thing as society

Leio no DN (assinada por J.P. Henriques e com data de 27 de Maio passado) a seguinte notícia:
"(…) há um novo tema fracturante na agenda parlamentar: o reforço dos direitos de identidade dos transexuais.
O Bloco de Esquerda apresenta na próxima semana um projecto que prevê que quem mudar de sexo, mesmo sem ter feito uma operação, terá direito a ver a mudança consagrada oficialmente nos documentos de identificação. Hoje, é impossível fazê-lo: um homem português que se torne mulher continua identificado no BI como tendo um sexo masculino (ou vice-versa).
Depois do BE será a vez do PS a seguir na mesma direcção.  (…)
Ambos os projectos prometem polémica. E isto por causa da forma como se reconhecerá que alguém mudou de sexo. Não será exigida nenhuma cirurgia: um homem poderá passar a ser oficialmente mulher mantendo o pénis; uma mulher poderá passar a ser reconhecida oficialmente como homem mantendo a vagina.
O reconhecimento - seguindo, aliás, legislação europeia - será feito socialmente. Um médico e/ou um psicólogo que acompanhem o transexual vão ter de atestar legalmente que a vida social do requerente já não está conforme o seu sexo "oficial". Ou seja, revelando, por exemplo, que faz tratamentos hormonais. E então a mudança será reconhecida nos documentos de identidade".

Muito bem. Ocorrem-me imediatamente outros reconhecimentos oficiais a reclamar, tendo em vista a extensão deste caderno reivindicativo, talvez capaz de levar, ao contrário de temas mais  clássicos da democracia e do socialismo, à unidade da esquerda, senão nas ruas (exceptuadas algumas performances e outras instalações manifestantes) e no plano da transformação das instituições, pelo menos no Parlamento e nos lares de numerosos agregados familiares das mais diversas orientações sexuais:

o reconhecimento oficial do direito de cada um à data de nascimento por que optar em função dos seus valores e convicções pessoais. (Será justo impor a um tipo como eu, por exemplo, uma data de nascimento que remonta à primeira metade do século passado, injuriando a sua juventude de espírito e impondo-lhe em nome de uma objectividade cronológica, que nada tem de neutro, a terceira idade?Será justo negar à Inês de Medeiros ou ao João Galamba, ao Bernardino Soares ou à Ritinha Rato a provecta idade cujo reconheciento a sua argúcia política sobejamente confortaria?)
idem quanto ao direito dos cidadãos adultos ao registo no BI de uma filiação optativa, quando este seja mais consentânea com o seu comportamento social do que a filiação biológica. (Porque não há-de poder um artista declarar-se filho de Estaline e Eva Braun, ou de Maria Madalena e da Virgem Maria, ou de Hitler & Hitler Co, se for essa a sua legítima preferência estética? Porque não deverá um@ cartomante ou naturist@, já discriminad@ pela racionalidade ainda dominante em sectores minoritários, mas activos da nossa sociedade, poder declarar como filiação electiva o casal Curie ou a trindade dos pastorinhos de Fátima? Ou um pobre agente da ordem ser oficialmente reconhecido como rebento do matrimónio Aníbal e Senhora de Cavaco Silva?)
idem quanto ao direito à inscrição de uma etnia ou cor de pele livremente escolhida a pretexto de especiosos argumentos iliberais, que negam a dimensão afectiva de cada um, ao arrepio do que poderíamos chamar os direitos naturais e/ou inerentes à legitimidade histórica do fim das "grandes narrativas".

Não foi minha intenção aqui ser exaustivo, mas apenas chamar a atenção para a timidez, senão reformismo calculado,  dos projectos em fila de espera. E aproveitar o ensejo para reiterar a oportunidade inadiável da consagração constitucional - que nos colocaria de novo no quadro de honra da Europa - do princípio thatecheriano: There is no such thing as society - de resto adoptado, já de longa data, pelos costumes do grosso da nossa classe política,  mas cuja adequada difusão pedagógica oficial junto da população é ainda muito insuficiente.

8 comentários:

Miguel Cardina disse...

Miguel,
Isto é de uma insensibilidade inesperada em ti. Achas mesmo que a transexualidade e as questões da identidade sexual se podem equiparar aos exemplos que apontas?

Joana Lopes disse...

Miguel SP,
É o post mais infeliz de todos os que alguma vez li, assinados por ti.

Para além de brincares com coisas que são sérias para muitas pessoas, O que raramente aprecio.

Anónimo disse...

Miguel,
Este é um dos seus limites? Ou trata-se apenas de ignorância sua? Se quiser ler sobre o tema, pode começar pelo mais simples (http://pt.wikipedia.org/wiki/Transsexual). Mas há muito mais, incluindo investigações académicas (portuguesas também).
Cumprimentos e boas leituras,
JA

Rui Bebiano disse...

Trata-se de uma escolha que tem a ver com a orientação sexual desejada e a liberdade de cada um fazer aquilo que muito bem entender com o seu corpo. E é alguma coisa de profundamente vivido e dramaticamente sentido por um número de cidadãos muito maior do que é perceptível a olho nu. Apesar de associada a uma minoria, trata-se pois de uma questão social importante e não de um problema artificial provocado pelo desejo incontrolável de ser-se diferente ou de dar nas vistas.

rafael disse...

Caro Miguel,

roubaram-lhe o utilizador e a password e postaram isto por si ou decidiu experimentar psicotropicos nada recomendaveis?

é que lendo os seus posts anteriores nao percebo este, mas nao percebo mesmo...

Miguel Serras Pereira disse...

Caros Todos,
acabo de publicar outro post em que respondo à Joana e ao Miguel (Cardina) e, implicitamente, às objecções do Rui e dos outros que me interpelam.
Ao JA, no entanto, quero dizer aqui que não estou a discutir ciência, mas política e que não serão as categorias clínicas ou as categorizações psicológicas a responder à questão do que é e não é salvaguardar e alargar a liberdade de cada um viver a sua sexualidade o mais livremente possível.

Se houver mais comentários, peço o favor de os deixarem na caixa do post acima referido: http://viasfacto.blogspot.com/2010/05/replica-ao-miguel-cardina-e-joana-lopes.html

Saudações republicanas

msp

Miguel Madeira disse...

Mas para um transexual (neste caso, os transexuais que continuam a ter morfologicamente o sexo biológico) poder viver a sua maneira de ser precisará que no seu cartão do cidadão o M(ou F) seja mudado para um F(ou M)?

Eu até imagino uma situação em que o sexo no BI pode ser relevante - em Portugal não sei, mas nos EUA tem havido casos de transexuais nascidos homens que, ao serem presos por alguma razão, eram enviados para prisões para homens onde muitas vezes eram violados (ou violadas) pelos outros reclusos.

Mas penso que esse problema se aplique mais aos transexuais cirurgicamente alterados.

Miguel Serras Pereira disse...

Nem mais, camarada Miguel (Madeira).
Mas há ainda outro aspecto. Vejamos.
Subscrevo e creio que tu também isto que o Sérgio diz:
"A nossa identidade de género tem pouco a ver com os órgãos genitais com que nascemos, e mais com a carga cultural que a sociedade lhes cola. A própria biologia nega que a espécie humana só produza "homens" e "mulheres" (vejam-se as centenas de casos de intersexualidade reconhecidos já hoje pela Medicina), e mesmo os "homens" e "mulheres" não obedecem a um único padrão. Não há dois órgãos sexuais externos masculinos iguais, e muito menos há duas pessoas iguais …"
Mas se o sexo, já bastante indeterminado, não determina o género, se é a "orientação" e não o ponto de partida que importa considerar, então no BI o que deveria aparecer era "Género" e não "Sexo" . E teríamos não duas, mas várias categorias, ou "identidades de género" todas igualmente reconhecidas. O problema é que, à nascença, quando a criança é registada, não se vê como seria possível fugir às duas categorias estabelecidas - ou, quando muito, fazer mais do que acrescentar-lhe uma terceira (para os casos de "intersexualidade"). A solução seria então adoptar o sexo até determinada idade - a da eclara scolha de orientação do indivíduo (mas em que idade se dá esta?) - e depois substituí-lo ou completá-lo pela orientação de género? Não me parece aceitável, que mais não seja porque não permitiria estabilizar, a não ser autoritariamente, uma identidade de género satisfatória para todos os interessados. Para já não falar nos casos (cada pessoa é um, mas adiante) dos indivíduos que não sabem ou não querem (e não quereriam ainda que as discriminações desaparecessem) determinar ou ver reconhecida a sua orientação de género. Um pouco como tu dizes que nem sempre sabes se és anarquista, marxista, social-democrata, sindicalista revolucionário, etc…
O mais razoável em termos de identificação civil - no caso de se manter a menção do sexo no BI -, será omitir qualquer reconhecimento oficial em matéria de género, e deixar ficar o M ou o F iniciais onde estão a menos que intervenha uma mudança de sexo (não de orientação ou de género). Qualquer outra solução, que passe pela enunciação das orientações de género é errónea (atribuir em nome do género um sexo diferente do actual) ou implica uma intervenção administrativa de definição, regulamentação e condicionamento estatal das "identidades de género". Ou não?
Abraço libertário
miguel sp