07/03/11

Notas de corrida sem navegar na maionese

Sinceramente, não percebo a irritação do Vítor Dias. Inidigna-se pelo Rui Tavares, na sua crónica de hoje, utilizar a expressão "Comité Central" para fazer referência a directórios políticos em geral. Ora, o que queria o Vítor? Que o Rui escrevesse "Mesa Nacional", nome do órgão máximo do BE? Mas o Rui só muito dificilmente poderia ter escrito "Mesa Nacional" em lugar de "Comité Central", uma vez que aquela faz inequivocametne parte dos de "baixo" (dos de "baixo" da comissão política do BE, claro), como ficou visto no recente episódio da moção de censura.

Agora mais a sério: o Vítor Dias tem e não tem razão. Não tem nisto: o PCP é um partido político e como tal, por mais que se queira diferente dos outros, é uma entidade intermédia ao Estado e à sociedade civil (conceito muito problemático, por certo, mas deixemos isso de lado). Não por acaso o próprio PCP valoriza a "rua", o "movimento sindical", etc., como algo diferente da estrutura partidária. O PCP diz que o PCP é mais "comum" do que os outros partidos, que serão mais elitistas; mas reserva para si uma posição menos "baixa" do que o "movimento" (sindical, por exemplo, ou "popular" em geral).

E já agora: qual é o problema do movimento zapatista e do entusiasmo que gerou? É criticável só porque era "novo" e não representava a continuação das formas mais duradouras e cuja extraordinária eficácia nos levou onde hoje estamos? Mas também não foi isso que os secretariados dos Partidos Comunistas disseram das guerrilhas como a que foi parar à Sierra Maestra? Menos arrogância dos "novos", sim, mas não é preciso mais paternalismo dos "velhos".

E já agora, à boleia deste mesmo post: uma pergunta para o Vítor Dias. Uma vez que o Jerónimo de Sousa, ainda há pouco tempo, disse que o PCP não se aproximava do BE porque este não tinha ideologia, qual é a ideologia de "Os Verdes" e da ID?

Por fim, sobre o artigo em que o Rui Tavares se coloca equidistante de reforma e revolução (o que muito me agrada, porque o julgava aproximando-se mais daquela do que desta), queria dizer apenas isto: que não querermos que exista contradição entre meios e fins (pecado que o Rui imputa, e bem, a várias tradições revolucionárias) não implica necessariamente que seja tudo (meios e fins) a mesma coisa e que a reforma e a revolução se diluam nos braços uma da outra. De outro modo, não vejo o que possa ser um caminho político. É que estabelecemos fins e usamos meios para lá chegar. De outro modo é navegar na maionese.

3 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro camarada Zé Neves,

este teu post dispensa-me de escrever um outro que estava para intitular "Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto" e em cuja redacção pensei ao ler a crónica do Rui Tavares a que te referes.
Na altura, ainda não tinha lido o post do Vítor Dias, que, embora não completamente isento de paranóia, acerta, creio, quando alerta para a sobrevalorização de pequenos episódios. Ele não vai ao ponto de falar dos que vêem um ensaio geral do assalto ao Palácio de Inverno na "vitória difícil, mas […] nossa" como sempre, dos Homens da Luta, mas a sua argumentação teria sido ainda mais convincente, no ponto em apreço, se o fizesse.
No entanto, apesar de embandeirar demasiado em arco de triunfo em torno do tema unilateral, classe média e um tanto festivaleiro, de uma geração à rasca que canta que parva que eu sou, e apesar de talvez subestimar (mas o homem não pode falar de tudo numa só crónica) a questão da organização alternativa ou de um regime alternativo de organização da acção, ficando-se pelas suas condições negativas - sim, apesar disso, o Rui tem razão se o que quer dizer, relativizando a distinção entre revolução e reforma. ou a utilidade da sua invocação ritual, é que a divisão fundamental (como escrevi neste post http://viasfacto.blogspot.com/2011/02/ainda-sobre-anunciada-mocao-de-censura.html :) a traçar é ou devemos fazê-la ser entre:
[1.] ' Os que, se não o pensam até ao fim, agem pelo menos como se o problema fosse termos um melhor governo e
[2.] os que apostam — implicando isso, como indico adiante uma extensão urgente da acção à escala da UE, etc.. — numa orientação, a assumir desde já, ainda que a sua plena concretização possa parecer remota, a exigência de outra forma de governo, de poder político, de funcionamento económico, que ponha na ordem do dia uma mudança de regime, a ruptura ou "reforma revolucionária" (chamem-lhe como quiserem, contanto que a terminologia não sirva só para aumentar a confusão) de uma democratzação consequente, insituinte de novas relações de poder.
'A opção pela segunda alternativa implica desde já, não o abandono completo e sumário do chamado "plano institucional", mas a adopção e extensão de formas organizativas democráticas radicais que efectivamente revolucionem o regime das lutas ou do fazer política dominante. (…)
'Dito isto, não se trata de uma perspectiva maximalista, no sentido de equacionar a cada momento todas as questões em termos de "tudo ou nada". E endereça-se não apenas aos que prevêem que os fins propostos tenderão a implicar uma mudança global brusca e discreta, mas [também] aos que, achando pouco verosímil que a mobilização maioritária dos cidadãos inseparável dos objectivos propostos (o autogoverno político, uma economia política democrática, a participação governante igualitária, etc.) possa ser instantânea, nem por isso desistam de organizar de acordo com eles a sua acção e propostas imediatas'.

Sintetizando um pouco a ideia - e, nesse ponto, o Rui tem razão, ao passo que o Vítor Dias é, sobre ele, omisso - é a de que a adopção ou proposta de métodos ou vias "reformistas" ou "evolucionários" deve subordinar-se a um critério superior que é da organização democrática tanto dos meios como dos fins (para usar, quase entre aspas, mas usar apesar de tudo, como tu fazes, a distinção entre uns e outros). E, em suma, era sobre isto que gostaria que continuássemos a trocar algumas ideias.

Abraço

miguel (sp)

Anónimo disse...

È mais que sabido, e pelos dois, que eu e o José Neves temos mundivivências político-ieológicas bastante diferenciadas.

Deascobri isso pelo menos já há muitos quando num debate com Vale de Almeida e comigo (que bastante aprendi na segunda metade dos anos 60 em experiências e textos do PCI), o vi referir não apenas com compreensível carinho enlevo mas também quase como um imaginário alternativo para os tempos actuais às sedes ou centros de trabalho do PCI na Sícilia dos anos 60 ou 70.

Agradeço sobretudo o link já que não vejo nenhuma especial contestação de José Neves ao que realmente escrevi.

Por fim, registo a gimnasticada facilidade com que José Neves absolveu a inocente referência de Rui Tavaes ao «Comité Central». Esclareço também que a minha referência às teorizações sobre o zapatismo era só para lembrar, sem ponta de arrogância de mais velho, que há espumas que depressa se dissolvem.
E, já agora, esclareço M. Serras Pereira que não por acaso até agora não escrevi uma linha sobre «os homens da luta», o que algum coisa há-de querer dizer comparado com os respeitáveis (a sério!) entusiasmos que por aí andam.

Anónimo disse...

Peço desculpa mas ersqueci-me de responder à interpelação mais directa que José Neves me fez e que mencionava uma alegada afirmação de Jerónimo de Sousa.

O ponto está em que não creio, não me consta e não tenho ideoa de que Jerónimo de Sousa tivesse alguma vez apresentado a «falta de ideologia» do BE como JUSTIFICAÇÃO PARA UMA NÃO APROXIMAÇÃO ENTRE OS DOIS PARTIDOS,admitindo eu que tenha referido esa «falta de ideologia» num quadro de referência ou explicação da diferente natureza ou caracteristicasdas duas força políticas.

Mas José Neves encontrar uma citação autêntica de Jerónimo de Sousa que confirme a descrição que fez,eu não terei nenhuma dificuldade em reconhecer que não foi uma afirmação feliz, coisa que me aconteceu a mim próprio
muito mais vezes.