06/07/15

Do absurdo do referendo grego demonstrado pelos seus autores

Tras siete horas de reunión, los principales partidos trazan las líneas maestras para llegar a un acuerdo con los acreedores.

Se a ideia era esta — independentemente da análise da sua eficácia do ponto de vista negocial —, não se percebe para que serviu o referendo, porque, sem ele, em termos semelhantes aos agora adoptados, o acordo hoje concluído teria podido fazer-se mais cedo e, para o governo grego, em posição mais favorável nas negociações internas e externas que terá de enfrentar. Com efeito, a sua única utilidade poderia ser, para os soberanistas de direita e de esquerda gregos, preparar a ruptura com a UE e a saída do euro que os europeístas do Syriza (digamos assim para simplificar), autores da iniciativa do referendo, continuam a recusar liminarmente.

13 comentários:

Miguel Madeira disse...

Penso que há umas semanas os partidos da oposição "pró-troika" estavam a defender que o governo assinasse o acordo proposto pela "troika"; pelos vistos o resultado do referendo fé-los mudar de posição.

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, Miguel, ainda não sabemos a que projecto de acordo o governo chegou com a oposição nem que sobre que modo de condução das negociações se concertou com ela. Além de que não sabemos que resultado teriam negociações internas conduzidas antes da convocação do referendo — se, bem ou mal, não estava, pelos vistos, em jogo uma linha vermelha, não se vê porque não tiveram lugar antes.

miguel(sp)

José Guinote disse...

Meu caro Miguel Serras Pereira, o referendo, como muito bem salienta o Miguel Madeira, se não tivesse outros méritos teria este: o de obrigar os partidos da direita, os partidos pró-troika, a mudarem de posição. A menos que se admita -coisa que eu não faço - que o projecto de acordo oferecido aos pró-Sim, foi o pacote de austeridade que o povo grego mais uma vez recusou. Significativo, igualmente, neste acordo é que ele não inclui o Aurora Dourada, por razões óbvias, e o Partido Comunista, pelo seu posicionamento nacionalista que tantas vezes aqui denunciaste. Não deixa de der mais um momento de clarificação importante, perceber como é que a Merkel e os seus acólitos lidam com esta equação. Como é que vão decidir? Favorecendo o bloco organizado em torno das posições ratificadas pelo Não ou potenciar o bloco nacionalista e, mais grave ainda, o bloco nazi. Até dia 20 todas as respostas serão dadas.

Miguel Serras Pereira disse...

Meu caro José Guinote,

creio que, neste momento, a possibilidade de um acordo com os credores que evite o pior (através de uma ruptura nacionalista explícita ou de um abandono gradual e involuntário do euro através de uma duplicação da moeda) dependerá em grande medida não só do que faça o governo grego, mas também da relação de forças na Europa (entre tecnocratas apostados na integração, etc. e os elementos mais reaccionários do austeritarismo — à falta, aflitiva, de movimentos de cidadãos efectivos e capazes de ditar a agenda ).
Quanto à questão do referendo, digamos que mantenho os argumentos que opus ao Miguel Madeira.

Um abraço

miguel(sp)

rui cs disse...


Diz Krugman num comentário ao resultado do referendo grego: ""And if Greece ends up exiting the euro? There’s actually a pretty good case for Grexit now — and in any case, democracy matters more than any currency arrangement."".
Faz algum sentido, de um ponto de vista de esquerda, dizer que ''evitar o pior'' é evitar uma ruptura do euro? Quais são as propriedades alquímicas do euro na luta pela emancipação dos povos? Se uma economia europeia e mundial baseada na solidariedade entre povos me parece uma boa ideia ideia pela qual vale a pena lutar, eu avalio o euro nas condições concretas em que ele surge, nos actores políticos que constroem esta união monetária, e no contexto presente não me parece que este instrumento (o euro) possa ser conduzido como potenciadora da democracia e da solidariedade entre povos.
cumprimentos,
Rui Costa Santos

José Guinote disse...

Miguel, infelizmente, quer-me parecer que os credores, no quadro da actual relação de forças, não querem nenhum acordo a menos que esse acordo represente aquilo que a vitória do Sim significava. Embora a própria Alemanha esteja sujeita ao risco de contágio - o presidente do Bundesbank terá falado em 14,4 mil milhões de euros - tudo aponta no sentido de forçarem a saída da Grécia. Há na Europa um partido único pró-austeritário ao ponto de as tímidas declarações de António Costa sobre a necessidade de um acordo, como referiu perspicaz o próprio Portas, destoarem, "ideologicamente" dos seus camaradas europeus.

joão viegas disse...

Ola caros,

Estou como vocês, na expectativa. Espero sinceramente que o bluff do Tsipras funcione e que consigamos atingir o acordo ideal : a Grécia fica e abre-se um espaço europeu à esquerda. Por outro lado, compreendo a ideia do murro na mesa e a critica a um certo idealismo que pensa que as boas reformas caem do céu e que nunca é necessario haver sacudidela ou secessão da plebe. Ainda assim, julgo que a prudência manda não caricaturar os argumentos do adversario. E o realismo também.

Digo isto porque, neste momento, lamento muito, mas não é completamente desprovida de logica a posição assumida pelos partidarios europeistas do Grexit, e isto independentemente da questão dos méritos das exigências "austeritarias" feitas pelos partidos liberais. Com efeito, o que a Grécia fez pode de facto ser apresentado como uma forma de chantagem e não é descabido defender que, ao abrir um precedente, sujeitamos a construção europeia a um perigo significativo. Qualquer governo num pais sacudido por movimentos populistas - e a lista deles não parece em vias de diminuir - poderia deixar-se tentar por esse tipo de brincadeira, com a qual so teria a lucrar : fortalecimento da sua posição a nivel interno, e mais uma migalhas por parte dos parceiros europeu. Isto tudo em nome da democracia...

Na base do problema, existe uma dificuldade séria que diz respeito às nossas exigências em relação ao processo de integração politica + democratização da União europeia. Com efeito, a não ser para quem acredita que pode acontecer ja amanhã uma espécie de revolução concertada de todos os povos da Europa ao mesmo tempo, que permitiria impor pela força instituições verdadeiramente e plenamente democraticas na União, parece que teremos que viver com uma Europa burocratica, pelo menos numa fase de transição. Não ha como não, nem alias vi ninguém indicar, mesmo a brincar, outra alternativa credivel. E também não é supresa nenhuma. Que eu saiba, a Europa é uma construção burocratica desde 1957, com ambições a unificação politica permitindo uma democratização das suas instituições também sensivelmente desde a mesma altura. Descobrir isto hoje e fazer de contas que nos mentiram a este respeito é a modos que desonesto. A mesmoa coisa, alias, mas com muito menores implicações, pode dizer-se da ONU, do BIT, do Conselho da Europa, do FMI, do Banco Mundial, etc. Todas elas são instituições burocraticas e aperfeiçoaveis, mas é o que temos. Isto sera motivo para sair ? Claro que não...

(continua)

joão viegas disse...

(continuação)

Portanto, tenho pena, mas acho que a imagem poética dos povos contra as burocracias tem os seus limites. Quanto mais não seja este : a partir do momento em que estas burocracias, como é o caso da Europeia, se reclamam claramente dos principios da soberania popular e da democracia, parece que a maneira eficaz para fazer com que elas se aproximem mais do ideal de que se reclamam, é mesmo reforma-las por dentro, o que por sua vez implica compreender minimamente como é que elas funcionam. Isto é mais valido ainda tratando-se da União europeia que se apresenta, não como um sordido complô maçonico de banqueiros, mas como a aproximação e integração progressiva de Estados democraticos. Defender que ela se vai reformar com chantagens permanentes e ameaças de fazer ruir o edificio inteiro é que é angélico. A Europa politica não existe ainda, convém talvez não esquecer este pequeno pormenor. Em contrapartida, uma coisa é perfeitamente clara, a Europa economica do capital (que, ela, ja existe) com poder para dilacerar as forças do trabalho, pode perfeitamente continuar a viver muito tempo, e a prosperar, sem Europa politica...

Podemos não acreditar no processo de integração Europeia. OK. Até percebo esta posição. Agora, defender que o referendo é, ou deve ser, uma via normal de expressão da vontade dos povos europeus que vai no sentido da construção de uma Europa mais democratica (ao nivel da União), tenho muita pena, mas é uma teoria que não compro.

Dito isto, a sobriedade da reacção do Tsipras até foi simpatica e seria muito bom que ele conseguisse um acordo, trazendo à sua posição europeista eleitores gregos que hesitaram, e ainda hesitam, diante das demagocias soberanistas. Como vêem, quando quero, também eu sei ser um sonhador angélico...

Abraços fortes a todos

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Rui,

creio que avaliamos de modo diferente as consequências que teria a desagregação da UE, embora eu reconheça que, nos termos actuais, e sem aprofundamento da integração, esta se destruirá pela mão dos seus próprios responsáveis buro-tecnocraticos. Aliás, a sua posição é diferente da adoptada pelo próprio programa que deu ao Syriza a sua vitória eleitoral: o destino da Grécia joga-se na Europa, é um problema europeu e da Europa. Caso venha a ser adoptada a via da saída do euro, a Grécia continuará dependente e não terá alterado as relações de força existentes na Europa — e serão os trabalhadores e cidadãos comuns gregos a pagar a factura. Em contrapartida, é a fraqueza ou quase inexistência, na Grécia como na Europa, de movimentos efectivos, consistentes e capazes de intervir na marcação da agenda, que contestem que torna as perspectivas imediatas tão sombrias. Porque também eu reconheço que a permanência da Grécia na zona euro e na UE não resolve os seus problemas nem os da Europa.

Saudações democráticas

miguel(sp)

Miguel Serras Pereira disse...

Caro José Guinote,

é sempre muito deprimente uma situação como esta em que temos de apostar mais nas contradições entre os tecnocratas do que na acção organizada e coerente dos cidadãos comuns gregos e europeus. Dito isto, ao que parece tera sido, sobretudo, a questão da reestruturação da dívida a causar a ruptura das negociações conducente ao referendo. Ora, sobre a reestruturação da dívida, há entre os credores posições diferentes q.b para que o governo grego, no seu interesse, deva tê-las em conta ao negociar, tanto mais que é a própria viabilidade da UE que está também em jogo, como acentuei na resposta ao comentário do Rui ao meu post. Cf., por exemplo, esta peça publicada em El Pais que dá conta de posições opostas entre os credores: http://internacional.elpais.com/internacional/2015/07/07/actualidad/1436255564_840758.html — sem esquecer as recentes declarações de Lagarde e do FMI que Tsipras se propõe tomar como argumento.

Abraço

miguel(sp)

Miguel Madeira disse...

Um teoria curiosa sobre o referendo - que a ideia era perder e o Tsipras poder aceitar o acordo com os credores e sair "com honra" do governo

http://www.telegraph.co.uk/finance/economics/11724924/Europe-is-blowing-itself-apart-over-Greece-and-nobody-can-stop-it.html

joão viegas disse...

Ola Miguel (M),

A mim não me surpreende nada esta teoria. Acho até bastante "natural", na medida em que ela espelha uma critica classica dirigida à esquerda ambiciosa, que pretende impor mudanças significativas sem render-se à atitude de demissão perante as pretensas condicionantes "realistas" da governação. Com efeito, existe sempre a suspeita de estarmos perante "veleidosos" (não conheço outra palavra para traduzir o francês "velléitaire", que é o que se aplica bem aqui).

De resto, o desafio é mesmo este. De utopias de papel e movimentos de protesto que produzem essencialmente vento e paginas de jornais, estamos nos fartos. Os capitalistas estão habituadissimos a eles e até ja os integraram no sistema : deixam passar uns anos e depois fazem filmes romanceando um pouco os factos e livros com fotografias sépia.

O que mete medo à direita, não são as utopias, é que seja possivel, e proveitoso para todos, e exequivel imediatamente, fazer outra politica do que a do capital.

O Tsipras e o Syriza carregam (ainda) esta esperança. E' natural que tenham hesitações, recuos, derrotas, equivocos. Tudo isto valera a pena se conseguirem ficar e modificar a paisagem no bom sentido, como espero que venha a ser o caso.

Agora eles que não esperem que os outros lhes vão facilitar a tarefa. Dai é que vem a fantasmagoria daqueles que sonham com uma desistência. A jogada do referendo (ja vos disse que pessoalmente, acho que foi um erro ?) conforta estas hipoteses/desejos de ver o Syriza baixar os braços. Mas, em principio, na base de um movimento com futuro, deve existir a ideia de que lutar não basta. Lutar é facil, por vezes mesmo confortavel. Mas o que é preciso, não é lutar. E' vencer. E isto não vai la num dia, camaradas.

Abraço

Anónimo disse...

A discussão do significado politico do uso do Referendo tem a partir de hoje uma referência capital, o trabalho e a obra do prof.de Direito Constitucional da Uni. Paris 1-Panthéon-Sorbonne, Dominique Rousseau. Uma grande entrevista no Libé, aclara muitos pontos e, sub-liminarmente, presta uma homenagem aos trabalhos e exegese da democracia grega levados a cabo por Cornelius Castoriadis. O bom caminho é esse, o da " democracia continua ", que se reforça em Assembleias de Cidadãos eleitos à sorte nos bairros das cidades. O antigo PM francês, D. Villepin, elogiou ontem muito Tsipras, como um politico novo e um " gaullista " empertigado...O poeta e diplomata francês sabe do que fala e,com grande charme e convicção,atreve-se a pensar contra a corrente. Entretanto, os B.R.I.C.S. fundaram ontem um banco de apoio ao investimento, ao estilo do FMI, com um capital de 100 biliões de Euros, onde a China assume uma quota de quase 40 por cento.E há rumores de novos contactos entre Tsipras e Poutine realizados anteontem. N.